Diferentes músicas, diferentes públicos

Ele canta o amor e o romance em ritmo pop. Ela canta os clássicos líricos com orquestras. Ele gosta de rap, ela gosta de Mozart. Estão habituados a palcos diferentes, mas David Carreira e Catarina Molder estão unidos numa coisa: o amor ao espetáculo.

Não se conheciam mas, enquanto eram maquilhados para a sessão de fotografias, o gelo foi sendo quebrado – sobretudo pela cantora de ópera. Será que o canto lírico está a milhas da pop eletrónica? O ídolo das adolescentes portuguesas confessa não saber. Aliás, ele confessa que não sabe nada de ópera. Nunca pôs os pés num espetáculo do género. Do outro lado, Catarina Molder não fica propriamente espantada – mas gostava de o converter.

No fundo, David até conhece alguma coisa. «Já ouvi o Pavarotti, mas nunca tive coragem de dizer a nenhum amigo. O pessoal acaba por ser estigmatizado se diz que ouve ópera! Quando estudava, gostava de ouvir outros tipos de música. Claro que nem lá em casa dizia que ouvia. Admito: as pessoas têm muito preconceito e medo de se exporem.» «Se calhar, os teus amigos iriam achar-te o máximo por ouvires ópera», diz Catarina. «Mas eu percebo-te. Iam achar que tu eras um grande cromo.»

«Associo a ópera a algo muito visual», diz o filho de Tony Carreira. «A palavra em si remete logo para cenografia. Ópera para mim é palco e aquela presença com o público», diz o músico. Catarina conhece algumas coisas de David. E da sua família também. «A tua música é bem mais pop do que a do teu irmão Mikael, não é? Até tem um pouco de rap…»

É difícil imaginar David a fazer um falsete? Certo. E Catarina a cantar pop ligeira? É possível. Ao contrário de muitas divas, esta mulher, formada em canto pela Escola Superior de Música de Lisboa e habituada a interpretar Mozart, Puccini ou Wagner, tem uma grande abertura a experiência para tentar outros géneros. «Já fiz experiências de fusão com o Carlão, por exemplo. Eu gosto de música pop. Tem tudo que ver com a identificação que possa ter com este ou aquele artista. Mas eu percebo algumas resistências que se tem com a ópera, em especial por uma certa associação a uma ideia de que é uma coisa da burguesia e das elites que vão aos espetáculos só para mostrar as peles. A ópera afastou-se muito das pessoas porque os teatros de ópera deixaram de ser os centros culturais onde a vida acontecia! No século xx voltou a ficar elitista. Mas para o David se habituar, recomendo que comece com um Puccini. Talvez o Madame Butterfly

David admite que o seu pé atrás com a ópera passa por aquilo que viu na televisão. «Incomoda-me a representação dos cantores, em especial nas cenas mais trágicas. Fico a pensar: “Mas o que é isto!?”» Catarina vende o seu estilo de música: «A ópera é um reflexo do ser humano e trabalha uma emoção muito primordial, que tem que ver com as nossas entranhas. Uma emoção tão avassaladora que é enriquecedora por nos ligar a algo tão forte. A ópera liga-nos a nós próprios.»

David quase fica convencido. E contrapõe em defesa da pop: «É a música que fala das pessoas. Que fala dos putos dos nossos tempos ou daquele que está a apanhar um autocarro. A pop é a música que está próxima de mim e das minhas histórias.» «Na verdade, acho que a pop e a ópera se complementam», responde Catarina.

E dicas para cuidar da voz? São diferentes? Para David, o truque é beber água. Catarina acredita na importância do treino diário. Quando se despedem já estão praticamente amigos. E nenhum se portou como diva.

DAVID CARREIRA
David Araújo Antunes, 24 anos, filho de Tony e irmão de Mikael Carreira. Jogou futebol nas camadas jovens do Sporting, mas uma lesão atirou-o para a vida artística. Além de cantor é também ator – entrou em Morangos com Açúcar, no cinema e na televisão. Está a preparar o quinto álbum (o segundo em francês). «Sou fã de música que fique no ouvido. Nunca fiquei com uma ária de ópera no ouvido.»

CATARINA MOLDER
Uma das figuras mais mediáticas da ópera portuguesa. Formada na Escola Superior de Música de Lisboa, é filha do fotógrafo Jorge Molder. Canta Mozart, Puccini e Wagner e é responsável pela Companhia Ópera do Castelo. Apresentou na RTP Super Diva: Ópera para Todos, que visava abrir a ópera a mais públicos. «Um cantor de ópera está sem rede, não tem a eletricidade que um cantor pop tem em palco.»