Descansar ao fim de semana? Eu tenho filhos pequenos: para descansar vou para o trabalho

Notícias Magazine

Outra vez?! Está a chamar-me outra vez? «Pai, anda cá.» Não quero. Não posso. Não estou. Vou esconder-me aqui, quietinho, não vou dizer nada, pode ser que não me veja. Sossegadito. Não respira. Ele vai passar a caminho da sala. E a outra? Onde está a irmã? Se o mais velho está aqui, a miúda deve estar algures. Não a ouço. Isso não é bom. Silêncio não é bom. Está a fazer asneira. Está a pintar uma parede. Ou a encher a cara de graxa. As tomadas, estão todas tapadas? E a máquina da louça, está fechada?

Fogo, pá, eu só queria cinco minutos. Só quero a porra de cinco minutos para mim. Apetece-me gritar que preciso de cinco minutos, mas assim ele vai ouvir-me e vem ter comigo. Porque é que eu deixei de fumar? Ao menos ia para a varanda e tinha sossego. E agora já chegou o tempo frio, era só fechar a porta de correr e eu tinha uns minutos em paz, nicotina e telemóvel. Onde é que eu estava com a cabeça quando deixei de fumar? Estou mais gordo, só penso em comer e não tenho descanso nenhum.

«Pai, onde é que estás?!» Safa, vem aí outra vez. Está a aproximar-se. Olha à volta. Pensa rápido. O quarto não dá, tens de passar pelo hall e ele vê-te. Se ao menos eu conseguisse chegar à cozinha. Mas arrisco-me a encontrar lá a irmã. Que deve estar a fazer asneira. E se fosse passear o cão outra vez? Apanhava o casaco e a trela e saía de fininho. Não posso, fui há pouco tempo. Já passeei o cão quatro vezes hoje. Dá muito nas vistas. Já sei! A casa de banho é segura. Agora que arranjei a fechadura, já posso fechar a porta à chave por dentro. A irmã já se põe em bicos de pés e aprendeu a abrir, mas ainda não é MacGyver. Não sabe abrir portas fechadas à chave. Na casa de banho fico seguro. Ninguém pode tocar-me. É terreno protegido. Boa. Aqui vou eu, rápido e silencioso. Ah, bolas! Está aqui a minha mulher. Ela lembrou-se disso primeiro. E fechou a porta à chave. Como é que ela faz isto? Como é que ela consegue sempre antecipar-se? Hoje já passeou o cão três vezes. Daqui a pouco o bicho está constipado.

São sete da tarde, caramba. Ainda é cedo para os enfiar na cama. Faltam os banhos e o jantar. E prometi brincadeira antes de comermos. Deve ser isso que o miúdo quer, coitado. Irra, nunca mais é segunda-feira. Preciso que seja segunda-feira. Há anos que não sei o que é isso do sunday blues, essa mariquice disfarçada de tristeza que assalta as pessoas sem filhos (pequenos) nos últimos cartuchos do fim de semana, quando ficam com a neura por terem de ir trabalhar no dia seguinte. Mas estão parvos?! Sabem lá o que é isso de tristeza de fim de semana. Tristeza de fim de semana é o que me dá à sexta, quando penso no que aí vem. No que eu não vou dormir. No estado em que vão ficar os meus tímpanos. Na quantidade de vezes que vou ter de respirar fundo para enfrentar aquela birra. Eu só quero é que chegue a segunda-feira. Quero a minha secretária apertada no trabalho, debaixo do ar condicionado que faz barulho, o colega mal-encarado, o chefe que não tem noção do trabalho que dá fazer as coisas e pede prazos irreais. Quero um monte de papéis em cima do teclado a que eu tenho de dar despacho.

Quero chegar ao trabalho e lamentar-me com os colegas que têm filhos bebés e ser olhado de lado pelos outros, os que ficam chocados quando me ouvem dizer que às vezes me farto dos meus. Os desgraçados acham que são especiais e que têm anjinhos perfeitos de que nunca se fartam… Deixa-os pousar. Deixa-os chegar às cinco birras por dia, aos gritos, aos brinquedos todos pela casa e à manteiga na parede e à comida de cão na sanita, para ver se não se tornam logo comuns mortais em vez de super-heróis zen. Por falar em manteiga na parede, onde é que está a mais nova? É melhor ir ver dela. Mas depois vou para a casa de banho descansar. «Pai!» Oh não!

[Publicado originalmente na edição de 30 de outubro de 2016]