Crónica de Paris

Notícias Magazine

Qual é a probabilidade de em Paris coexistirem cinco exposições de artistas portugueses? Esta coincidência tem como estrela maior a grande mostra de Amadeo de Souza-Cardoso no Grand Palais, que abre amanhã e vai ficar até 18 de julho, anunciada como o grande segredo escondido da pintura europeia. Na Cidade (Cité) da arquitetura e do património, na segunda e na terça-feira da semana passada houve uma concentração de arquitetos, presentes para um colóquio na segunda-feira e na inauguração da exposição na terça e que fica até ao final de agosto. Aqui, a estrela incontestável e acarinhada chama-se Álvaro Siza Vieira. Por trás da Torre Eiffel, o edifício tem permanentemente em volta turistas, curiosos e vendedores de souvenirs delirantes, a torre declinada em todas as cores, materiais e tamanhos. No Jeu de Paume, as obras enigmáticas e tão íntimas de Helena Almeida ficam até 22 de maio, como vemos anunciado em cartazes nos corredores do metro. Na delegação da Fundação Gulbenkian, termina hoje a exposição La chose même/The real thing, de Julião Sarmento. E, até dia 26, o centro de arte contemporânea Le Crédac, em Ivry-sur-Seine, expõe obras da artista plástica Ana Jotta.

Não é que Portugal tenha hoje em França, e em particular em Paris, mais presença do que antes, ou que possamos dizer que está na moda. Sim, há muitos franceses a visitar e a comprar casas em Portugal, e pelo menos parece sermos já menos identificados com os pedreiros e as porteiras. Continua a ser normal ouvir falar português pelas ruas, e por acaso também com pronúncia brasileira. Mas toda esta atividade cultural é a prova de que já somos menos o pedreiro e a porteira, e não nos resumimos a um passado aventuroso e fantástico de navegações e comércios globais, nem aos pobres soldados mortos na Grande Guerra. Ver o auditório da Cité totalmente cheio de arquitetos e estudantes que seguem com atenção as intervenções – sempre em francês – dos portugueses, reagindo às palavras e às imagens, sabe bem, confesso. A chuva que marcou o início da semana contrastava totalmente com o sol de domingo, que tornou feérico o dia em que toda a gente veio para a rua, hesitante entre os casacos e cachecóis e as T-shirts. Como todos os domingos, umas largas centenas de pessoas fizeram o seu passeio pelo centro da cidade em patins em linha. São as randonnées que convocam cada vez mais gente e nas quais são proibidas bicicletas, com ou sem motor, skates, trotinetas ou outros meios de deslizar pelo empedrado da Paris mais antiga. Mas esses meios de transporte que não podem participar nestes passeios são omnipresentes na tarde de domingo, acrescentados de uns equipamentos elétricos mais sofisticados. E os tuk-tuks, alguns deles sem motor e pedalados penosamente, como se estivéssemos na Ásia mais pobre.

Na televisão, sucedem-se os debates políticos, com um tema sempre em destaque: as ondas de choque do terrorismo, agora que se sabe que os atentados de Bruxelas foram um objetivo secundário e que era de novo em Paris que a célula belga planeava atuar. Não se fala apenas sobre terrorismo, já que estes sobressaltos trágicos trouxeram para a ribalta os temas sociais, as discriminações, as (des)integrações, o desemprego. E surgem reportagens sobre as nuits debout, assembleias de rua em que se fala de política e democracia, alternativas aos partidos políticos tradicionais a fazer lembrar as Portas do Sol de Madrid.

Na rua, militares passam de metralhadora e camuflado, como se combatessem numa floresta, e a presença da polícia é permanente, olhada com normalidade mesmo quando numa avenida um homem é revistado – ninguém repara. As pessoas não deixam de aproveitar o calor e as lojas abertas, ocupam as esplanadas, passeiam crianças, tiram fotografias ao lado do Rolls Royce dourado em frente ao Fouquet. Por 90 euros, podem conduzir um Ferrari vermelho ou amarelo, à escolha do freguês. Um grupo de mulheres e crianças guarda uma imagem de um passeio pelos Campos Elíseos.

Nas próximas semanas, os domingos – os dias todos – de Paris terão o melhor de Portugal para conhecer. As obras dos arquitetos na Cité, numa exposição que mostra edifícios e planos urbanísticos e, afinal, a história mais recente das cidades que são a prova da inteligência dos homens. E o segredo de Amadeo, até agora um desconhecido em França mesmo se foi aqui que ele viveu os anos mais ricos da arte moderna.

[Publicado originalmente na edição de 17 de abril de 2016]