Cozinheiros que salvam calendários

Notícias Magazine

Com os feriados repostos, dezembro é outra vez dezembro. Era nesses dias que íamos ao musgo para fazer o presépio, decorávamos a árvore, desenhávamos cartões de boas festas para os nossos pais. Sobretudo o segundo feriado – 8 de dezembro, lá em casa, era mais natalício do que o final de outubro num centro comercial. Mas esta conversa é sobre o 1º de dezembro, a Restauração agora restaurada. Lá em casa, era o dia do grande passeio familiar, certinho como a sardinha em junho. E foi aí que, sem dar por isso, que aprendi o que era ser português. Eu explico.

Nesse dia íamos sempre para a estrada, fizesse chuva ou fizesse sol. Quando saíamos de casa tínhamos planos bem traçados, mas isso não significava necessariamente que chegássemos ao destino. Assim que o meu pai pegava no carro para fazer-se ao alcatrão, começava a propor paragens. O critério não era o descanso nem o alívio, era a gula. E então aquelas viagens deixavam de ser viagens para tornarem-se deambulações em torno de pequenas tascas, casas de pasto e restaurantes de beira de estrada.

Portugal bateu ontem um recorde valioso: os restaurantes nacionais somam agora, e pela primeira vez, 26 estrelas Michelin. Isto a mim parece-me a coisa mais justa do mundo. A minha profissão permitiu-me conhecer alguns desses sítios, até me permitiu estar num destes restaurantes, há uns anos, numa noite em que um chef algarvio ganhou a sua segunda estrela. E estou contente por haver tanto sangue novo na cozinha portuguesa, por começarmos a mostrar o rasgo e perder a vergonha daquilo que temos – uma das melhores gastronomias do mundo. Mas não é só por isso que acho justo que Portugal bata o seu recorde de prémios culinários. É por, agora sim, sentir que o feriado foi reposto.

A história da minha família no dia 1 é a história de toda a gente no início das férias do verão, ou da Páscoa, ou do Carnaval. É aquele desvio de oitenta quilómetros para ir comer qualquer coisa extraordinária. É aquela paragem no Canal Caveira, a caminho do Algarve, para degustar cozido. Ou na Mealhada, a caminho do Porto, para provar leitão. É esse ritual errante pela comida que define tanta portugalidade, e que eu percebi nos passeios de carro em família. Então estes chefs que angariaram 26 estrelas para a gastronomia portuguesa são muito mais do que parecem. São, em boa verdade, os mais dignos representantes de uma condição que nos assola a todos – o ímpeto de sairmos da autoestrada e tomarmos a nacional para irmos comer àquele sítio onde a comida é realmente boa. Para mim, numa noite de novembro, eles mostraram que dezembro pode ser outra vez dezembro.