Como se gere o Natal de pais separados?

Quando os pais se separam, a festa da família complica-se, mas não tem de ser assim. Com afeto e bom senso, é possível multiplicar em vez de dividir. A bem das crianças.

A época do Natal é a quadra familiar por excelência. Nenhuma outra festa religiosa ou pagã alimenta desta forma o espírito e a união familiar, sendo nas culturas ocidentais um ritual muito importante, transgeracional, no sentido em que envolve diferentes gerações e perpetua tradições antigas e com enorme simbologia.

Enquanto ritual estruturante para a família e para os seus elementos, marco da história e cultura de cada núcleo, as festividades natalícias remetem para sentimentos muito fortes de união, de partilha, de alegria, de reencontro, de aproximação. É uma experiência fortemente simbólica, única em cada família e para cada elemento da família.

Quando falamos em «famílias divorciadas», os sentimentos que se vivem nem sempre são estes. Sobretudo, nas que estão recém‑divorciadas, à procura de uma nova organização, de um novo equilíbrio, até de uma nova identidade, o que se vive pode ser contraditório com o que se esperava, o que se sente pode ser o oposto ao que se deseja sentir.

O paradoxo instala-se: o simbolismo do Natal choca com os processos psicológicos do luto. O espírito de união contra a desagregação que as famílias separadas e divorciadas têm de resolver.

Os pais, mãe e pai separados ou divorciados, podem viver momentos de angústia, ansiedade ou tristeza pelo facto de terem de separar‑se dos filhos numa altura em que sempre viveram maior proximidade, de terem de dividir esse tempo com outros, quando seria previsível estar mais tempo em família, de terem de procurar um novo Natal que substitua os anteriores e que se transforme num novo ritual familiar, com os mesmos significados…

Os filhos, entre o real e a fantasia, imaginam o melhor Natal possível, sonham com a família como um todo, com os Natais de antigamente, com o pai e a mãe juntos e alegres. Mas vivem os esquemas dos adultos: onde se passa a consoada e com quem é o almoço de Natal, este ano assim no próximo ao contrário. Perdeu‑se a família nuclear e há que fazer o desdobramento por «diferentes» famílias, umas suas, outras «emprestadas».

E quebram‑se as ligações com a história, e deixa de se ver os primos e os tios mais afastados que o Natal trazia para nossa casa. E as lágrimas da mãe e do pai trazem mais confusão sobre sentimentos de lealdade: que lado escolher e para onde ir num dia ou outro, quem fica mais triste, como corresponder a um e a outro se agora estão em pontos opostos?

Tal como noutras adaptações das famílias aos divórcios, a qualidade da comunicação entre mãe e pai, ex‑casal, e dos pais com os filhos, é fundamental. Tendo esta data um significado especial para as famílias, um planeamento cuidadoso é essencial. É fundamental que os pais, sobretudo os pais, ponham a ênfase do Natal nas relações.

COMO MULTIPLICAR O NATAL EM VEZ DE DIVIDIR

• É VERDADE QUE A FAMÍLIA NUCLEAR SE ALTEROU, MAS A FAMÍLIA ALARGADA É A MESMA, do lado materno ao paterno, e é neste contexto familiar alargado que devem procurar-se os significados inerentes ao Natal.

• OS FILHOS DEVEM SER OUVIDOS. Antes do Natal, para perceber as expetativas da criança, responder aos medos e às angústias e entender os conflitos internos de um filho entre dois pais. Depois do Natal, para dar espaço às crianças para expressarem as suas emoções, positivas e negativas, retirando ilações para a quadra seguinte ou para outros momentos semelhantes.

• OS ELEMENTOS DE REFERÊNCIA PARA O NATAL DA CRIANÇA DEVEM SER IDENTIFICADOS. Tal como o presépio não é só o menino e os pais, o Natal das crianças também precisa de outros elementos para ter mais sentido: os avós, os irmãos, os meios e os emprestados, os tios, os primos, a madrasta e o padrasto, os «velhos» familiares de sempre e os «novos».

• EVITAR COLOCAR AS CRIANÇAS PERANTE ESCOLHAS EMOCIONALMENTE DIFÍCEIS É FUNDAMENTAL. Depois de ouvidas, as crianças, sobretudo as mais pequenas, precisam de pais que assumam e definam de forma consciente e orientada para o bem-estar dos filhos. Muitas vezes, nesta difícil gestão, é fácil os filhos sentirem que os problemas e os conflitos são culpa sua. Nada mais injusto, nada mais traumático. Ninguém tem culpa de um amor que acaba, de incompatibilidades, de laços que se rompem. As separações e os divórcios não são, por si, traumáticos. Mas alguém tem culpa se as crianças acabarem no meio de uma guerra de adultos.

• OS RITUAIS SÃO IMPORTANTES E OS RITUAIS CONSTROEM-SE E ADAPTAM-SE. Um pai ou uma mãe que sabe que não vai passar a noite de Natal com os filhos pode antecipar o seu, o «nosso», Natal. Passa a ser na semana antes, convidam-se os avós e abrem-se os presentes que não chegam ao sapatinho. Vamos todos ao teatro ou a um concerto de Natal. Fortalece-se a identidade familiar. Afastam-se os medos.

*Parceria NM/CADIn –Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil. Rui Martins é psicólogo clínico e terapeuta familiar e Joana Veiga de Macedo é psicóloga clínica do CADIn.