É muito importante educar com otimismo

Álvaro Bilbao
Álvaro Bilbao

Para o desenvolvimento integral das crianças, Álvaro Bilbao defende duas coisas simples: educar com felicidade e dar a comer fruta e legumes. Foi na primeira premissa que nos concentrámos: como é que se educa para a felicidade quando os pais e as mães de hoje se sentem esmagados entre obrigações laborais, responsabilidades familiares e pressões para ter os filhos perfeitos. O neuropsicólogo espanhol, autor de O Cérebro da Criança Explicado aos Pais, diz que os filhos são uma porta para a felicidade e que os adultos devem aproveitá-la ao máximo.

Vínhamos para falar de crianças. Álvaro Bilbao, 40 anos, é neuropsicólogo e esteve em Portugal para apresentar o único livro que escreveu, O Cérebro das Crianças Explicado aos Pais (ed. Planeta). O texto é quase um manual de instruções sobre o que se passa dentro das cabeças dos miúdos e sobre como lidar com as evoluções que tantas vezes põem os mais velhos de nervos em franja. Em vez de uma explicação meramente fisiológica dos processos cerebrais, o psicólogo e neurologista junta neste livro a experiência de ser pai de três crianças de 6, 4 e 3 anos, dando exemplos da sua vida quotidiana e formas eficazes de lidar com birras ou demoras à mesa. O texto, apesar das centenas de factos científicos que cita, é descontraído e chega a fazer rir. Estimula a capacidade de descontrair – nós experimentámos jogar ao Abraçossaurus depois da leitura, por exemplo – e passa uma mensagem importante quase esquecida nos dias que correm, quando há tanta gente cheia de certezas sobre a educação dos filhos: não há uma fórmula definitiva para educar bem.

O que aparece primeiro na sua vida: a psicologia ou a neurologia?
A psicologia. Estudei psicologia em Bilbau, e depois fui para os EUA e descobri o mundo da neuropsicologia que, na altura, era uma área que ainda não estava desenvolvida em Espanha. Tive a oportunidade de trabalhar com crianças e gostei muito. É um campo muito interessante porque podemos ver em ação na realidade, no cérebro, aquilo que sabemos da psicologia e é isso que ajuda muitos pais a entender o que se passa com os filhos. Dão-se conta de que há algo de verdadeiro, algo que é físico.
Há uma relação direta entre o funcionamento fisiológico do cérebro e o comportamento?
Sim. Nem sempre podemos vê-la, porque há momentos em que não entendemos porque é que determinadas coisas acontecem, em que não é possível ver o que se passou no cérebro, ou seja, não há uma representação física. Mas sim aquilo que podemos ver é que existe uma ligação direta entre determinada atividade ou não atividade no cérebro das crianças ou dos idosos e determinada forma de atuar.
Quando trabalhou pela primeira vez nesta área, nos EUA, tinha instrumentos para observar a atividade cerebral?
Não. Quando comecei a trabalhar nesta área foi com crianças que tinham tido, infelizmente, lesões cerebrais, pequenos tumores na zona do cérebro. Estudava como funciona o cérebro das crianças doentes. Nessa época, já tínhamos muita investigação feita com máquinas que nos permitem ver ao
milionésimo de segundo o que está a ocorrer no cérebro. Mas estes estudos são feitos sobretudo com adultos porque não podemos pôr um bebé de 6 meses num aparelho de ressonância magnética. Também fazíamos autópsias de cérebros de crianças, de nados-mortos ou de bebés que tinham morrido logo depois de nascer ou no primeiro ano de vida. Desta forma, vemos como se vai desenvolvendo o cérebro das crianças e começamos a entender por que razão as crianças pensam como pensam, sentem como sentem e se comportam de forma diferente dos adultos.
Hoje qual é o seu trabalho, além de escrever sobre o cérebro das crianças?
Trabalho num centro de reabilitação de pessoas com danos cerebrais. Esse é o meu trabalho oficial. Depois, dou uma consulta de psicoterapia em que ajudo pessoas, muitas são pais, a sentir-se melhor consigo mesmas.
E que tipo de doenças têm essas pessoas que ajuda?
Trabalho com uma população específica: jovens, entre 16 e 45 anos, que sofreram acidentes de viação, tumores cerebrais e acidentes vasculares cerebrais. São pessoas que não se lembram de nada – especializei-me na memória –, têm dificuldade em falar, elaborar raciocínios, controlar os impulsos. São adultos que, como as crianças, podem fazer birras, atirar coisas ao chão. Só que assustam mais os outros porque são maiores e podem fazer mais estragos.
A memória pode ser recuperada? Toda ela? Há uma parte da memória que tem que ver com a mecânica do corpo, mas há as recordações do passado. É possível recuperar tudo?
Nem sempre conseguimos uma recuperação total. É mais fácil recuperar a capacidade de aprender coisas novas do que as recordações do passado. Temos, por exemplo, pessoas que tiveram um acidente e não se recordam das coisas que aconteceram no ano antes do acidente. Esse ano pode ser difícil de recuperar, mas é fácil que a pessoa consiga recordar-se de coisas novas. E, por exemplo, na consulta há pais que não são capazes de recordar a sua infância. Aí fazemos um trabalho de perceber como foi a sua infância, como foi a relação com os pais, porque muitas vezes por detrás de uma infância não-recordada há uma relação difícil com o pai ou com a mãe e, à medida que vamos indagando, muitos começam a recordar coisas do passado que antes não eram capazes.
Esta consulta com os pais é de psicologia. O que é que lhe dá a neurologia para tratar estas pessoas?
Um monte de coisas, mas diria que utilizo mais a psicologia na clínica de neurologia do que a neurologia na clínica de psicologia. De facto, especializei-me mais em psicoterapia por ter começado a trabalhar com pessoas com danos cerebrais porque via que era muito importante acompanhá-las emocionalmente. É o que tento fazer também com as crianças – os pais devem saber que podemos explicar-lhe muitas coisas, para que possam compreender sempre os filhos e ajudá-los a partir do coração. Essa é a forma mais simples para que se deixem ajudar.
Por que razão começou esta consulta para pais de crianças problemáticas?
Eu faço psicoterapia para adultos. A razão por que escrevi o livro foi porque encontrei muitos pais com muitas perguntas. Comecei há oito anos e havia pessoas com todo o tipo de problemas. O mais curioso é que quase tudo o que vejo na consulta de adultos pode relacionar-se com o que viveram quando eram pequenos. Por exemplo, uma pessoa que está insatisfeita com a sua vida de casal normalmente sentia-se assim com o seu pai e a sua mãe, tem que ver com essa relação. Uma pessoa que não está contente com o trabalho pode estar relacionado com o facto de terem sido os pais a decidir os seus estudos. Nesse sentido, é muito interessante olhar para trás e seguir o fio até encontrar o problema.
Os problemas de comportamento dos adultos têm origem na infância?
Na maioria dos casos, sim. Às vezes uma pessoa adulta pode ter um problema de comportamento que é gerado por uma situação muito difícil que tenha acontecido na sua vida – por exemplo, a perda de um filho ou problemas de relacionamento com o companheiro. É uma pessoa totalmente sã a nível emocional, mas que está a viver uma situação muito difícil de superar sozinha e vem à consulta para ter ajuda. Mas em muitos casos as pessoas chegam à consulta por dificuldades que têm que ver com a sua inteligência emocional, que não se desenvolveu na infância de maneira adequada, por falta de apego porque os pais não souberam transmitir-lhes carinho, por falta de limites porque os pais não lhos deram em criança e portanto não sabe controlar os impulsos. Como vê, os pais influenciam muito, de uma forma muito decisiva, o desenvolvimento dos filhos.
No livro defende permanentemente a necessidade de os pais serem felizes para que os filhos se desenvolvam de forma adequada.
É importante que os pais atuem com otimismo com os filhos. Primeiro, dando-lhes muito afeto e depois tentando ser positivos no que toca aos problemas, ensinando-os a superá-los, pensando de forma positiva os acontecimentos do dia. De facto, se formos pais positivos, que brincam com as crianças e que dão muitos beijos aos filhos – e isso não quer dizer que não imponham limites ou que não mostrem a tristeza ou o aborrecimento –, isso fará deles crianças mais felizes. As crianças bebem as nossas emoções. Mas também é importante que elas sintam que podem expressar a raiva, a dor ou a tristeza, quando a sentem. As crianças precisam de pais que sejam suficientemente felizes, que não sofram muito stress e que sejam imperfeitos, para que cresçam com a noção de que não têm de ser perfeitas.
Este livro é um guia prático para interpretar o que se passa com as crianças e ajudar a cuidar delas. Como é que um pai ou mãe que não se sinta feliz pode transmitir às crianças esse bom sentimento?
Muitas vezes escolhemos para formar um casal connosco uma pessoa que nos complementa. De facto, está já bastante estudada essa complementaridade: um pai mais pessimista e uma mãe mais otimista, um pai mais rígido e uma mãe mais carinhosa… é importante que as crianças possam ter várias referências e que aproveitem essas duas influências, assim como as dos avós ou dos professores. Creio que as crianças são como uma árvore, que ao crescer vai-se agarrando ao que pode para ir subindo. Se num caso concreto o pai está triste, o filho pode apoiar-se na mãe. É bom, isso sim, que se transmita essa negatividade de uma maneira explícita, ou seja, explicando à criança o que se passa.
Escreve no livro que os filhos são uma porta aberta para a criança esquecida que há em todos os adultos. É a prática de pai ou de psicólogo que o leva a dizer isso?
Sobretudo a de pai. Sabemos que dentro de todas as pessoas estão as mesmas estruturas cerebrais que tínhamos quando éramos pequenos. Estão é tapadas por muitas outras coisas novas. Mas quando descobri o mundo das crianças, enquanto pai, dei-me conta de que comunicavam com alguma coisa dentro de mim muito especial. Na realidade, foi sempre assim. Sempre gostei de brincar com os meus primos mais novos, com os filhos dos meus amigos. Há muitas pessoas que adoram crianças porque elas despertam nos adultos algo que todos temos cá dentro: a capacidade de fantasiar, essa ingenuidade, essa vontade de brincar… E sabemos hoje também, por muitos estudos feitos, que são caraterísticas que nunca deveríamos perder porque é importante brincar e jogar para ativar funções cerebrais.
Porque é que os adultos perdem esta capacidade de brincar? Porque perdemos a liberdade de cantar na rua, por exemplo?
Porque nos dizem que na rua não se canta, que não se salta, que não se pisa poças de água, porque nos dizem que isto não se faz aqui e aquilo não de faz ali e esquecem-se de nos dizer que normalmente não se faz, mas que se nos apetecer fazer talvez possamos fazê-lo. A parte frontal do cérebro, onde ficam as normas e as regras, passa a mandar, e manda muito. Mas não nos ensinam a desligar. Agora também dou aulas em empresas em que ensino os altos quadros a desligar dessa parte intelectual, mais racional, para poderem ser mais inovadores. Vivemos numa época em que criar coisas novas é fundamental para as empresas sobreviverem.
A inovação não é uma capacidade racional?
A inovação é um processo que tem seis passos. Um deles é a criatividade e esta é uma necessidade que o cérebro tem de brincar, de divertir-se com as coisas. Essa parte criativa vai-se limitando ao longo da vida por causa das normas, da vontade de fazer as coisas bem. Quando uma criança faz um teste na escola, há apenas uma resposta correta. Mas, na realidade, na vida, há muitas respostas corretas para a mesma pergunta. E a resposta certa tem mais que ver com quem é que está a dar a resposta e com o momento e contexto dessa pessoa, do que apenas com a resposta correta. Uma coisa importante é que os pais saibam que não há apenas uma maneira correta de educar as crianças. A melhor forma de educar é a que faz os pais sentirem-se bem e que funciona para os filhos. Eu adoro brincar e portanto dou muito ênfase à brincadeira. Há outras pessoas que são muito organizadas e é claro que devem educar os filhos utilizando essa capacidade de ser organizado.

O CÉREBRO DA CRIANÇA EXPLICADO AOS PAIS
ED. PLANETA
224 PÁGINAS
15,50 EUROS