Entrevista a Álvaro Covões

Os espetáculos continuam a dar dinheiro, mas, quando se trata de grandes festivais de música, é preciso voltar a inventar a roda, encontrar formas alternativas de atrair público, além das bandas, e procurar os parceiros certos. Álvaro Covões, organizador do Nos Alive, fala dos primeiros tempos dos festivais em Portugal.

Como é que, num país em crise, ainda há tanta gente a ir ver espetáculos, a querer ver música ao vivo?
O mundo não acabou! Não estamos a viver num pós-guerra, tipo Alemanha, que foi destruída e teve de começar do zero. Estamos, de facto, a viver um momento económico menos favorável. Mas a vida continua. Ainda se compram jornais, ainda se vendem refeições em restaurantes, os supermercados ainda têm as prateleiras cheias de produtos… Não estamos no caos.

Mas há dinheiro para cada vez mais gente ir a concertos e festivais?
Não, também não é verdade.

Os preços dos bilhetes baixaram?
Sob o ponto de vista económico, são mais baratos do que há uns anos. Há um esforço permanente de manter preços ou baixar. Mas, só para complementar, apesar de o mercado ter caído, nós subimos. Porque temos tido a preocupação de tentar encontrar aquele produto que se vende mais, um produto mais exclusivo, mais especial. E, naturalmente, as pessoas, quando têm de optar, optam pelo melhor.

E as grandes estrelas internacionais, os grandes grupos, estão a cobrar menos cachet?
Acho que estão a manter-se. Felizmente… não, infelizmente, a situação económica da Europa é global e portanto está a haver uma mudança de comportamento. Pelo menos os preços não estão a subir, já é bom, porque um artista que esteja na moda, que pode trabalhar cem, 120 dias por ano, tem quatrocentas cidades a querê-lo. Portanto… há mercado.

Foi um dos que mais lutou contra a subida do IVA nos espetáculos. Mesmo assim ele subiu ligeiramente. Isso sentiu-se?
Sentiu-se e acho que foi um erro. A mim faz-me confusão, como é que se financia a cultura e depois… Foi um argumento que utilizei. Felizmente ficámos a meio do caminho.

Os festivais estão a dar lucro, mas já é possível viver sem patrocínios, só da venda de bilhetes?
Não, ainda não. Os patrocínios em Portugal, nos festivais, são o subsídio para baixar preço dos bilhetes. Por isso é que os bilhetes, cá, são em regra mais baratos do que no resto da Europa.

Como é a sua relação com a concorrência?
Relação normal, de concorrente. Não nos encontramos muito. É fácil encontrar as pessoas em convenções internacionais e tomamos copos juntos e conversamos. Mas não há cartel (risos). Não andamos a combinar coisas juntos. Uns falam mais, outros falam menos.

Como é que decidiu sair da Música no Coração para fundar a Everything is New?
Tinha um ponto de vista diferente, queria seguir um caminho diferente. As empresas 50%/50% são sempre um problema. É preciso tomar decisões e começar a dividir trabalho em termos de decisão. São sociedades injustas, porque para o não basta um voto, para o sim é preciso dois. Uma coisa estranha. É pouco democrático.

Ainda esteve seis anos a trabalhar na Música no Coração conciliando com o emprego nos mercados financeiros. Como é que conseguia acumular as duas coisas? Como era a sua vida na altura?
Era chegar a casa à meia-noite, todos os dias. E sair às oito. Depois tive de desistir, já nem tinha férias, não aguentava. Tínhamos os dois, o Luís [Montez] também trabalhava noutro lado. Começámos como part-time. Mas depois tivemos de trabalhar mais… É do que este país precisa, de gente que trabalhe. As pessoas têm de trabalhar mais! Há bocadinho estávamos a falar da crise, só oiço dizer assim: «Temos de aumentar produtividade». Mas ninguém diz que temos de trabalhar mais!

Como é que começa a profissionalização da produção de espetáculos em Portugal? É com o Ricardo Casimiro? Antes?
Já existiam espetáculos antes do Ricardo Casimiro. O meu bisavô chegou a explorar o Teatro de São Carlos. Sempre houve grandes empresários. O negócio que se fazia com o teatro de revista, por exemplo! O Vasco Morgado comprou uma série de teatros, o Monumental, o Villaret, tinha teatros no Parque Mayer. Portanto, esta área profissional… Eu acho é que o 25 de Abril criou um vazio. Os teatros e os cinemas não foram nacionalizados por um dia! O governo caiu no dia em que ia nacionalizar os teatros e os cinemas em Portugal. Mas houve uma quebra, houve uma quebra de espetadores. E depois, quando a televisão começou a dar as telenovelas… As pessoas começaram a afastar-se, tinham pouco poder de compra, tinham medo de ir à rua porque havia assaltos e insegurança. Grupos como Castelo-Lopes acabaram por quebrar, só ficou a Lusomundo com pujança. Nos espetáculos há um crescimento muito grande do setor público que, de certa forma, atrofia o setor privado.

E, neste momento, há mercado para todos? Para todas as promotoras em Portugal?
Há, acho que sim. Continuamos a gostar de fazer dumping… eles ficam todos muito zangados comigo quando eu falo nisso… Basta ver a programação dos espaços públicos para perceber.

Como é que está a internacionalização dos nossos espetáculos, dos nossos festivais?
É um processo muito difícil e lento. Se nós olharmos para o panorama mundial, as bandas pop rock são 99 por cento anglo-saxónicas, ou são inglesas ou são americanas. Isto quer dizer qualquer coisa. Mas quem é que tem verdadeiramente carreira internacional? A única música que exportamos a sério é o fado. Um dia teremos uma banda de rock conhecida, uma! Mas isso não é um mercado e, portanto, a internacionalização tem de passar por isso!

E o empreendedorismo?
Durante muitos anos fazia-me confusão: porque é que a música portuguesa não vendia lá fora? Mas não vendia lá fora nem para as comunidades, quanto mais para os locais. E diziam-me sempre: «os emigrantes não compram». E eu disse «vocês não fazem nada para que eles comprem». E uma vez, disse-lhes que ia pegar numa banda nova, esgotar o Olympia e sem perder dinheiro. E fiz essa experiência com os Da Weasel. Esgotou. Ganhámos quinhentos euros, mas ganhámos!

Esteve na génese da organização de festivais em Portugal.
Por necessidade! Na altura, ainda na Música no Coração, éramos a terceira empresa. O grande boom eram os concertos de estádio e nós éramos sempre a terceira opção, nunca conseguimos lá chegar. Para crescer, precisávamos de fazer eventos de massas. Então, já que não conseguíamos uma banda muito grande, um conjunto de bandas médias valia mais do que uma banda muito grande. E pronto, está aí a génese dos festivais.

Foi assim que começou?
Se os festivais eram um fenómeno no resto do mundo, porque é que não havia de ser cá? É um trabalho árduo, difícil, de muitas vezes perder dinheiro, mas de insistir, insistir. Os festivais fazem bem, são terapia de grupo. Na nossa sociedade há um nível muito alto, em que as pessoas pagam duzentos euros à hora para um terapeuta, saem de lá frescos que nem uma alface, aliviados, e depois 95 por cento da opulação vai aos espetáculos, viaja, janta fora, vai beber um copo, vai ao museu, a uma exposição. E depois há outra faixa que se protege muito na religião e portanto vai à igreja, à procura da salvação. A mim, quando me perguntam o que é que faço, já respondi que às vezes sinto-me um bocadinho de Deus, por fazer as pessoas felizes.

Como foi o primeiro festival que organizou, o Super Bock?
Tínhamos noção de que precisávamos de um patrocinador. O Rock in Rio, uma referência, era patrocinado pelo Turismo do Rio de Janeiro, por isso é que se chamava Rock in Rio. E o Hollywood Rock tem esse nome por causa da marca de cigarros brasileira, Hollywood. E um dia [estala os dedos] Super Bock, Super Rock. E a Super Bock comprou a ideia. Fácil.

E como é que nasce o Sudoeste?
Já não estou nessa organização, é sempre complicado falar… O Sudoeste nasceu porque o presidente da Câmara de Caminha achou que Vilar de Mouros devia ser bianual. Mas tínhamos criado uma necessidade, um festival no verão, procurámos outra alternativa e fomos para a Zambujeira.

Como é que cativa público estrangeiro para os festivais, em Portugal? Tendo em conta que os festivais são no verão e temos turismo.
Nós somos a geração da Comunidade Europeia, da CEE. E sempre me ensinaram que era o mercado único europeu. Mas, curiosamente, só não há fronteiras para trabalho e mercadorias. Para serviços há impostos… Mas isso são outras guerras. As empresas portuguesas têm essa falta de visão, que se concentram a pensar que o mercado são só os dez milhões de portugueses. Temos de pensar que, sem burocracia nenhuma, podemos chegar a todo o resto da Europa. Por cá, só Lisboa recebe cinco milhões de turistas, Portugal recebe 13 milhões. Porque é que as pessoas vêm a Lisboa ou a Portugal? No verão, alguns podem procurar praia. Mas porque é que vêm no inverno? Vêm ver os nossos monumentos? Acredito que sim. Mas para virem cá, primeiro passam por Paris, por Roma, por Praga, por Londres, têm muito mais monumentos. Então temos de adicionar mais qualquer coisa, para isto ser mais interessante. E uma das coisas que ajuda alguém a decidir viajar para uma cidade é a oferta cultural.

Portugal ainda tem pouca?
Eu sou da geração que ia a Madrid ver concertos. E toda a gente sabe que se vai a Londres ver musicais. E porque não o contrário? E isso está a verificar-se. Nós apostamos muito neste… agora chama-se City Break, que é um fim de semana prolongado numa cidade. No ano passado [2012], com o Leonard Cohen no Atlântico, em nove mil pessoas, vendemos 1500 bilhetes no estrangeiro. Agora tivemos os The XX, de quase dez mil pessoas. Novecentos bilhetes foram vendidos no estrangeiro. Mas estavam mais, portanto, as pessoas, estando cá, também compram.

E há alguns protocolos com agências de viagens ou com o turismo português, para que isso aconteça?
Não, muito pouco. Estou a interessar-me muito pelo turismo, o país é tão pequeno, mas tem não sei quantas regiões! E em vez de vendermos Portugal, estamos a vender o Alentejo. O Alentejo tem meia dúzia de camas! Tem de se vender Portugal como uma oferta integrada, tem coisas fantásticas, como o Algarve, o Alentejo, a Madeira, os Açores, Lisboa, Porto, Douro… Mas nas feiras é ver quem é que tem o pavilhão maior que o outro. Está tudo enganado!

Fazem ofertas de pacotes na net?
Começámos a vender há uns anos, vendemos hotel com bilhete, nos nossos canais de distribuição. No Alive já passámos os cinco mil. O Reino Unido em primeiro lugar.

Qual é a faturação anual da Everything is New?
Na casa dos 18, vinte milhões. Muitas vezes perguntam qual é a margem. Não sei, pode ser positiva ou negativa.

Ia fazer-lhe essa pergunta a seguir…
Nós não fazemos stock. Temos negócio, por exemplo, como os operadores de turismo têm nos charters. Quando compram um charter, o que não venderam é prejuízo. Não é a mesma coisa que comprar roupa e depois vender em saldos, ou vender no stock market. Aqui não, tudo o que não se vender nunca mais recupera. Cada espetáculo é como se fosse uma empresa, que começa e acaba. Podemos faturar muito e ter prejuízo, ou podemos faturar muito pouco e ter muito lucro.

Qual é a média dos espetáculos que está a fazer por ano?
Estamos sempre acima dos cem. E procuramos sempre desenvolver novos conceitos. Estamos a explorar há dois anos esta questão de oferecer hotel ou jantar, refeição. Criámos este produto novo da exposição da Joana Vasconcelos, no Palácio da Ajuda… É um espetáculo, qual é a diferença? Trabalhamos já com o Cirque du Soleil há alguns anos… Encontrar produtos diferenciadores que possam vender bilhetes. Com todo o respeito pela arte, mas são eventos.

Já teve de fazer despedimentos por causa da crise?
Não, recrutámos mais gente. E vamos recrutar mais.

Baixar salários, também não?
Não, não.

Quantas pessoas envolve a organização de um concerto ou de um festival?
Depende. Um festival como o Optimus Alive pode chegar, com todas as pessoas que trabalham nos serviços diretos e indiretos, quase a três mil. Desde polícia, segurança, Cruz Vermelha! Só artistas são em média 1500, com as comitivas todas.

Qual é o seu envolvimento lá? Vai lá todos os dias?
Claro! Quando o festival está a decorrer, sim, claro. Aquilo é grande de mais para não estar presente.

Qual foi a última vez que foi ver um concerto, por si só, sem ser como organizador?
Fui ver os Led Zeppelin em Londres. Já vi Pearl Jam também em Londres, numa sala pequena, com dois mil lugares. Dave Matthews, num clube para trezentas pessoas.

 

Como é que é o processo de organização de um festival como o Alive? Quanto tempo antes? Como é que se fazem os contactos, como é que se escolhem os artistas?
Normalmente, um ano e meio antes, começamos já a pensar no próximo. Mas isso tem que ver muito com as tendências, com os projetos que vão para a estrada. E temos muitos artistas que já incluíram festival no seu roteiro.

Eles pedem-lhe para vir?
Sim, claro. Por alguma razão fomos nomeados para tantos prémios e temos tido reconhecimento internacional. Estamos no roteiro dos grandes festivais da Europa.

Qual foi o último artista que lhe pediu para vir cá?
Não é uma questão de pedir, eles também não podem pedir porque senão ficam numa posição fraca. Mas oferecem-se. Os Green Day e os Depeche Mode quiseram vir.

Qual foi o artista que mais trabalho lhe deu trazer a Portugal?
Os Radiohead. Mas chegaram aqui e isto deu-lhes a volta à cabeça.

E o mais caro?
Esse é fácil. O caro, muitas vezes, está indexado ao número de espetadores. Neste caso, foi a Madonna, no Parque da Bela Vista, com 75 mil pessoas.

E aquele que mais quer trazer e ainda não conseguiu?
Esse nunca se pode dizer. É dizer à concorrência… [risos].

[Esta entrevista foi originalmente publicada a 7 de julho de 2013.]

 


Leia a continuação da entrevista ao organizador do NOS Alive:

Álvaro Covões: «Fui eu que organizei o primeiro espetáculo da Amália em nome próprio no Coliseu»

Álvaro Covões: «Os artistas são profissionais de alta competição»