Álvaro Covões: «Os artistas são profissionais de alta competição»

Robert Plant – que tocou ontem no NOS Alive – é um milionário com comportamento de pessoas simples. Chico Buarque gosta de jogar futebol, Ben Harper é muito afável. Álvaro Covões, organizador do festival, garante que muitas histórias em torno das exigências das estrelas são exageradas. O homem que não gosta que lhe cravem bilhetes continua a vendê-los bem para um dos maiores eventos musicais da europa – hoje e amanhã, o Alive está esgotado.

 

Que tipo de música ouve?
Gosto muito de música portuguesa. Sou um privilegiado, gosto de tudo, depende dos momentos. Tanto posso estar a ouvir Rammstein, Metallica ou ópera ou música clássica. Às vezes preciso de despoluir e ponho música clássica.

Qual é o grupo da sua vida?
Os Beatles marcaram a minha geração. Tenho o duplo vermelho, o duplo azul. E cheguei a ter o duplo branco, que ofereci a um amigo. Também não gostava muito dele.

Canta ou toca?
Nada, zero, infelizmente. Deve ser um privilégio encantar as pessoas, dominar as pessoas com a arte, adorava. O meu pai cantava bem. O meu tio-avô também cantava ópera e fado de uma forma extraordinária. Mas eu não, tive azar, não canto nada.

Qual foi o melhor concerto a que assistiu?
É muito difícil. Há dois momentos que me marcaram muito. Foi estar na primeira vez que a Mariza e a Amália atuaram em nome próprio no Coliseu. Tive esse privilégio, estar na hora certa, no sítio certo e poder trabalhar com duas pessoas fantásticas. Agora, internacional, sei lá. Tanta coisa! Eu já estive envolvido com tanto espetáculo, é muito difícil dizer um.

Costuma misturar-se com os artistas, falar diretamente com eles?
Não.

Houve algum que já o tivesse desiludido?
Em termos de atuação ou de pessoa? Há uns que são bons e outros não. Tentamos organizar aquilo que o público quer ver. Se as pessoas todas querem ver, sei lá, One Direction, se nós pudermos trazer os One Direction, trazemos! Entretenimento é entretenimento e não tenho complexos, não tenho preconceitos. Em Portugal há preconceito. Mas eu não, toda a gente tem o seu espaço. Às vezes os artistas têm os seus maus dias. Como nós.

Há estrelas complicadas?
Acho que não, isso é um mito. Uma das perguntas que a imprensa normalmente faz, há quinhentos anos, é a propósito das exigências dos artistas. Respondo sempre da mesma maneira: os artistas são profissionais de alta competição. Nós quando viajamos, vamos mais cedo para casa, por estarmos cansados. Agora imaginemos um artista, que viaja todos os dias e ainda tem de cantar durante duas horas e tem de ir para uma cama diferente todas as noites, comer uma refeição a que não está habituado. E depois, no dia seguinte, repetir outra vez. Portanto, é uma vida muito dura que merece o maior respeito.

É duro para eles…
A seleção de futebol, por exemplo, quando viaja leva o cozinheiro… até leva a água onde é cozinhada a comida. Para manter o habitat, para que os atletas estejam a cem por cento. Os artistas precisam do mesmo. Nós viajamos, bebemos um copo de água, ficamos de diarreia! Então imagine um artista, coitado!

E qual foi o mais afável dos artistas com quem já contactou?
O Robert Plant, uma pessoa absolutamente fantástica, simples, um milionário que tem comportamento de pessoas simples. Outro: o Ben Harper. No final de um concerto no Pavilhão Atlântico, viu-me passar, chamou-me e disse-me: «Obrigado, não me vou esquecer da primeira vez que viemos a Portugal, tivemos 150 pessoas e hoje tivemos 19 mil.» E outro é o Chico Buarque, uma pessoa muito friendly para jogar futebol, jantar, almoçar. Falar de tudo, menos de música. E estou a falar dos internacionais, depois há os portugueses, pessoas fantásticas. Mas tinha de estar aqui a dizer uma lista.

Qual foi a situação mais difícil que já viveu?
Foram três falecimentos. Um em Vilar de Mouros, 1996, um no Sudoeste, 2006, e outro em Paredes de Coura, já não me lembro o ano. Nada durante um espetáculo, mas é um peso que nós carregamos. Por exemplo, no Sudoeste em 2006, o último que organizei, foi uma jovem finalista, filha única, uma tragédia, quando mergulhou no canal teve um AVC, ninguém viu, morreu afogada. Nem consumia álcool, não consumia nada. O resto… um espetáculo mau, ou às vezes uma má organização nossa, isso dá-se a volta. Agora a vida é uma coisa sagrada.


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Os festivais estão, de alguma forma, conotados com a adolescência rebelde, com álcool e com drogas. É mesmo assim ou há todo o tipo de pessoas?
As drogas andam no dia a dia no trabalho. É evidente que nos momentos mais descontraídos, a pessoa às vezes pode abusar, principalmente do álcool. Mas, felizmente, nas organizações deste tipo de festivais em Portugal, e eu estive na génese disto, temos tido uma autorregulação no sentido de tentar não facilitar muito bebidas com alto teor alcoólico nos eventos. É uma autorregulação. E acho que o que é saudável na vida é a autorregulação, não são as normas. Temos muito poucos episódios de comas alcoólicos ou de problemas de álcool. E drogas, felizmente, há muitos anos que também já não aparecem.

Como é que conseguiu pôr este festival [Alive] entre os maiores do mundo?
Foi uma determinação. Tentámos fazer um projeto que fosse arrojado. Investimos muito.

Qual é o seu envolvimento, desde o início, na organização de um festival, de um evento?
Já foi mais profundo, agora vai-se delegando. Mas tento supervisionar, ainda que de uma forma mais superficial, todas as áreas.

Viaja muito?
Não, hoje em dia, não. Com telefones, internet. Claro que é importante, de vez em quando, encontrar as pessoas, beber um copo, falar de futebol…

Quantas horas trabalha por dia?
Nunca sei. Doze, catorze.

Quanto tempo fala ao telemóvel por dia?
Não sei, mas sou um bom cliente. E, mesmo assim, as pessoas queixam-se de que não atendo o telefone. O telemóvel foi a pior invenção que fizeram. Antigamente, ligava-se para um escritório, ficava o recado e a pessoa retribuía.

Quantos telefones tem?
Tenho dois. Tenho um que funciona como telefone e outro para ler e-mails, por causa da porcaria das baterias.

Como é que consegue desligar?
Consigo. Fim de ano, Brasil, praia, está tudo fechado. Os escritórios estão fechados, não se passa nada. São as férias mais relaxadas que tenho. Há dez anos. Aliás, até dia 26 de dezembro, é sagrado. Chegar, calções, havaianas e t-shirt, estou com Deus.

Como é que a família lida com isso?
Às vezes reclama. Tem de se habituar. Também fui habituado assim, o meu pai era assim. Às vezes imagino a vida de um político. Ainda está menos do que nós. Os políticos nunca estão, estão sempre na rua.

Como é que consegue descansar sem ser nessas férias de fim de ano?
Depende. Se estiver cansado, o melhor é ficar no sofá a ver televisão. Adoro praia, não gosto de neve. Sou um privilegiado porque ando de calças de ganga todo o dia. Mas melhor que isso é andar de havaianas e calções. Adoro sentir o calor, sentir os pés ao ar livre. Portanto, o ideal é estar com a família, com os amigos, na praia.

É dos que acha que a cultura é sempre tratada como um parente pobre?
Sou contra os subsídios. Não é que se deva acabar com os apoios, mas um subsídio é uma forma de controlar. As pessoas cultas, ligadas à cultura, dizem que o cinema é o arauto do país, o símbolo de um país, um país civilizado tem de ter um cinema próprio. Despendemos do erário público milhões de euros para o cinema e, por exemplo, para o fado, que é a nossa canção nacional, que é a única coisa que de facto vende e exporta, zero. Tirando o Manoel de Oliveira, o que é que nós somos no mundo do cinema? Quase nada. É claro que, se isso for escrito, vão-me odiar, mas é assim. A cultura tem de ser olhada de uma forma horizontal e não vertical. Um subsídio cria maus vícios. Em vez de financiar cultura, devíamos financiar as pessoas que não têm capacidade para aceder à cultura. O Brasil lançou a Bolsa Cultura. Todos os trabalhadores que ganhem até cinco salários mínimos, 18 milhões de pessoas, recebem por mês cinquenta reais, vinte euros, para gastar em cultura. Ir ao cinema, ir a um espetáculo, comprar um livro… Se calhar, faz mais sentido!

Continua a ter um camarote de família no Coliseu?
Sim. Sou administrador daquilo, com responsabilidades, e o meu salário é um camarote. Como a concorrência é desleal, temos de cortar custos, não faturamos o suficiente para remunerar o conselho de administração.

Também li que odeia que lhe peçam bilhetes…
As pessoas veem os espetáculos como aquela coisa que não tem valor. Perguntei uma vez a um dos meus filhos, porque é que raramente pedia bilhetes para amigos. «Tenho um amigo que o pai tem um supermercado e não me dá bacalhau», respondeu. O meu bisavô, em 1940, escreveu um livro sobre os 50 anos do Coliseu e já na altura dizia que a borla era uma instituição nacional. E quanto mais possibilidade tem de se pagar, mais se acha que tem de haver borla… Também é uma questão de educação.

[Esta entrevista foi originalmente publicada a 7 de julho de 2013]

 


Leia a continuação da entrevista ao organizador do NOS ALIVE:

Álvaro Covões: «Fui eu que organizei o primeiro espetáculo da Amália em nome próprio no Coliseu»

Álvaro Covões: «Os festivais de música fazem bem, são terapia de grupo»