Os desafios da adoção

Adoção
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O desejo e o amor ligam-se, crescem juntos e a ideia da adoção surge como fruto desses sentimentos fortes, em muitas situações diferentes. Que desafios coloca?

«No outro dia, o Afonso disse-me: “Sabes mãe, a Margarida queria muito ter nascido da tua barriga.” E o Manuel acrescentou: “Podemos imaginar que nascemos os três da tua barriga?”.» A história é de uma mãe adotiva, que prefere ficar sem nome e que respondeu: «Não há diferenças… todos nasceram de nós, do nosso amor.»

O mais frequente são casais que atravessaram o calvário da infertilidade e passaram por muitas dúvidas, incertezas, fracassos, procedimentos médicos. Nestes casos, a adoção surge como ideia de parentalidade num contexto de grande cansaço e desistência de ter um filho biológico: «Será que algum dia vou ser mãe? Serei capaz?» A estas questões irão somar-se muitas outras, inerentes à própria adoção: «Será que esta criança vai gostar de mim? Será que o meu filho me vai adotar como mãe?»

«Era uma vez três sementinhas que queriam muito ir para a barriga da mãe. Uma escolheu o caminho mais rápido e foi a primeira a chegar. Fui eu, por isso sou o mano mais velho! O Manuel escolheu o mesmo caminho, mas atrasou-se porque se distraiu nas curvas e levou mais tempo. A outra sementinha também queria muito vir para a barriga da mãe mas enganou-se num caminho e foi parar a outra barriga. Mas depois conseguiu arranjar uma maneira de vir para a nossa família. E assim chegou… é a Margarida, a terceira filha.» Afonso, 6 anos

Os pais que passaram pela infertilidade e pela adoção são muitas vezes os que mais valorizam o seu papel de pais, pela consciência das experiências que tiveram. Torna-se por isso necessário apoiá-los de forma especial, já que partem para a adoção fragilizados na sua autoestima. Noutros casos, surge sobretudo o desejo de fornecer um porto seguro a uma criança abandonada ou indesejada.

O que é comum a todos? A determinação, a decisão com a consciência de que o caminho não é curto nem fácil. Em comum, um desejo sonhado, idealizado, temerário e corajoso de ter uma família, de cuidar de alguém.

Na frieza dos números, há demasiadas famílias disponíveis para cada criança apta à adoção em Portugal. Nas instituições, as crianças com idades superiores a 3 anos são a maioria… e, ao mesmo tempo, os menos desejados.

O processo começa por ser burocrático. Depois de reunida toda a papelada, o passo seguinte é entregar a candidatura. Nessa altura, inicia-se o processo de estudo e avaliação da candidatura. Os futuros pais, mesmo os mais predispostos, têm de enfrentar perguntas acerca do seu estilo de vida, sessões de formação e informação e no final será emitido um parecer positivo ou negativo.

Começa a espera pela criança… Uma ansiedade equiparável ao período de gravidez, muitas vezes descrito como o mais difícil de todo o processo. Porém, valerá a pena no dia em que receber a notícia de que existe uma criança à espera.

Quando o filho chega à nova casa, está encerrado um longo e duro capítulo. Ele traz consigo a herança pesada do abandono e do trauma, mas também o sonho de ser amado e cuidado. Nesta fase, os pais adotivos precisam de ter um instinto paterno natural mas também a compreensão e aceitação do contexto que os trouxe até aqui, tornando-se verdadeiramente pais.

A família adotiva construiu-se por escolhas feitas pelos pais adotivos mas também pelos biológicos, que não puderam ou souberam cuidar da criança. Reconhecer esta realidade é o primeiro passo para que tudo corra bem. O grande receio dos pais adotivos surge com o aproximar da idade em que a criança vai compreender que foi adotada. A maior tentação é tentar omitir, mas se existe uma relação de amor sólida, feliz, positiva, não há razão nem sequer benefício algum para evitar «aquela conversa».

«Quando a conhecemos, o amor foi inevitável, ela era tão frágil, de ar tranquilo e meigo, a explorar-nos com um olhar vivo… o Afonso recordou: “Lembras-te mãe, eu não queria muito ter uma mana, queria um mano. Mas apaixonei-me logo que a vi!” É verdadeiramente isto que é a adoção, um abraço em família, forte mas meigo, seguro mas terno, ao presente, ao futuro, mas também ao passado.», Mãe adotiva da Margarida

O vínculo dos pais adotivos com os seus filhos cresce com o tempo, dia-a-dia, com os carinhos, as lágrimas, o consolo e as memórias. Só assim se constrói uma família. Os pais adotivos, como todos os pais, cuidam de feridas, não apenas de esfoladelas de joelho, também feridas do coração. Dão aos filhos a aceitação e a permissão para perguntar tudo, falar do dia do seu nascimento e dos primeiros pais.

Os pais adotivos não acolhem apenas a criança mas também a sua história e herança. Acolhem os factos da vida, com toda a força, por si e pela criança. Criam memórias, férias em família, festas de anos, mas também guardam memórias do tempo anterior, em que se entrelaçam aquelas duas histórias, para criar uma unidade, uma… família.