A unanimidade que não é burra

Notícias Magazine

Sendo todas mais ou menos burras, conforme o grau de cobertura, seria desejável que o futebol fosse uma? Talvez, se os efeitos fossem positivos.

Ninguém terá ficado propriamente triste com a conquista do Campeonato Europeu de Futebol pela seleção portuguesa. Mas também nem toda a gente terá partilhado da enorme euforia. Há os corações empedernidos, os céticos militantes, os que consideram o futebol pestífero, uma corja, e os que pura e simplesmente não ligam nenhuma. Há que contar com eles.

Claro que a força de uma vitória como esta – e de um título como este – pode ser avassaladora, no sentido de levar tudo à frente. Foi uma vitória grande e definitiva, representou uma longa caminhada, foi sofrida, suada. Enervante. Durante o campeonato, uma seleção que não levava o sonho de uma nação às costas, olhada até com desconfiança, não motivando bandeiras às janelas, acabou conquistando aos poucos a opinião pública. Fê-lo, não com slogans, mas com factos. Não com espalhafatos, mas com trabalho. E resultados, em vez de futebol bonitinho e pouco eficaz.

Não calaram todos os críticos, lá está. Foi só esperar que acalmasse a poeira dos saltos de quem viveu a vitória com euforia, para que eles erguessem os seus dedinhos sentenciadores. Já falaram os que têm alergia intelectual ao futebol e, sobretudo, os que o olham de cima. Estes são os que não veem as potencialidades narrativas de uma história como esta, que transpira para fora das quatro linhas, dos fenómenos mediáticos e flashadas. Inventada, não seria melhor e mais completa.

Houve os empates até chegar à final. Uma equipa mista, racialmente marcada, tão portuguesa. Um treinador sisudo e firme. Um rapaz que é o melhor jogador do mundo mas ainda é a criança que quer ser o melhor jogador do mundo. Continua a chorar como um menino, mesmo dirigindo almas como um profeta.

O imigrante de África que viveu num lar de acolhimento de crianças, numa pequena cidade da Europa, e se tornou jogador à conta de costeletas que trocava por golos. Esse que fez o golo desejado por uma nação que não confiava minimamente nele… As traças no campo que pousaram em cima do lesionado capitão. E, no fim de tudo, derrotar os anfitriões em sua casa, como uma repetição do que já acontecera com esta equipa, em 2004.

Algumas críticas dirigiram-se aos políticos, esses que supostamente se aproveitam de tudo isto em benefício próprio. Mal vai um país que precisa de futebolistas como heróis, dizem. Ora! Mal iria um país cujos líderes não sentissem a pulsação do seu povo, vibrando como vibraram os portugueses esta semana. Como é, de facto, fantástico para os portugueses, povo pequeno cujas vitórias são mais históricas do que presentes, estar presente a este nível, numa área tão importante do mundo. E não apenas por causa do «melhor do mundo» que, por acaso, é português.

Desta vez, a esta questão quantitativa, acrescenta-se uma outra, qualitativa: tudo isto foi fruto de muito trabalho, de preparação e profissionalismo. Numa terra onde o povo é melhor que os seus líderes – e as elites deixam bastante a desejar, pelo menos no futebol há um líder que soube encontrar o tom certo para falar aos seus, que os engrandeceu e lhes deu alma, cola e projeto. Fernando Santos devia vender os vídeos das suas conversas com os jogadores. Estamos todos a precisar da sua inspiração.

[Publicado originalmente na edição de 17 de julho de 2016]