A paranoia anti-OGM

Notícias Magazine

No verão de 2007 pedalava em direção ao Algarve, tendo pernoitado no Ecotopia, um evento ecológico internacional-campista, que nesse ano teve o bom gosto de se instalar num terreno perto das praias de Aljezur. As bicicletas não têm autorrádio e por isso não sabia que no dia anterior uma delegação de lá saída, que ficaria conhecida como Movimento Verde Eufémia, tinha destruído umas quantas maçarocas de milho transgénico no Algarve, naquela que seria a primeira (e única?) ação desse tipo no nosso país. Um dos ativistas contou-me a façanha e exibiu orgulhoso os braços esfacelados. Nenhuma alfaia agrícola tinha sido usada, pois pensaram que isso daria justificação à GNR para uma resposta violenta. Nessa altura estava a meio do doutoramento e fazia organismos geneticamente modificados como um carpinteiro faz puxadores de gaveta. Centenas, confesso. Bactérias, claro que não as comi. Perguntei-lhe se sabia que espécie de milho transgénico tinham derrubado, que modificação tinha.

Mais tarde soube que era milho BT, uma variante geneticamente alterada para produzir uma proteína de uma bactéria chamada Bacillus thuringiensis (daí o BT), que é tóxica para os insetos. Curiosamente essas proteínas inseticidas são usadas na agricultura biológica, porque a bactéria existe naturalmente no solo e é segura para os mamíferos.

Há espécies com outras modificações e não faz sentido rejeitá-las todas apenas por serem OGM. É verdade que nós comemos o ADN dos genes introduzidos. Mas do ponto de vista nutricional isso é absolutamente indiferente. Se o ADN fosse um livro, como o nosso sistema digestivo não sabe ler ADN, não importa o que lá está escrito. É claro que é possível conceber, em teoria, uma espécie modificada, tóxica para os humanos. Mas os OGM devem ser submetidos a testes de segurança alimentar. E até agora têm mostrado a sua segurança, apesar das várias fraudes científicas feitas para tentar demonstrar o contrário. Para o ambiente há de facto problemas. Mas a agricultura é a atividade humana com maior impacto no ambiente. A questão da perda da diversidade das sementes localmente adaptadas é relevante, porque apenas dez empresas vendem metade das sementes usadas no mundo. Mas esse problema não é específico dos OGM.

Os bons argumentos contra os OGM não são mesmo contra os OGM. E estes, como tecnologia, podem fazer parte de um leque de soluções para alimentar nove mil milhões de pessoas em 2050. Não faz sentido descartá-los por causa de paranoias.

Periscópio

DESAFIOS DA QUÍMICA NO SÉCULO XXI
É o título da palestra que o químico Paulo Ribeiro-Claro irá proferir na próxima sexta às 18h00 no Rómulo (autilus.fis. uc.pt/rc), um centro Ciência Viva localizado no Departamento de Física da Universidade de Coimbra. Integrado no Ciclo Fronteiras da Ciência, deverá abordar algumas das áreas mais empolgantes da química nos dias de hoje.

MULHERES DA CIÊNCIA
8 de Março é o Dia Internacional da Mulher e o Pavilhão do Conhecimento (www.pavconhecimento.pt), em Lisboa, propõe um programa dedicado ao papel das mulheres na investigação científica, a partir das 17h30, do qual constará a apresentação do livro Mulheres na Ciência, que parte de uma exposição de fotografia com o mesmo nome.

[Publicado originalmente na edição de 6 de março de 2016]