A época das tretas para a gripe

Notícias Magazine

A gripe é uma doença fantástica para se tratar porque passa sozinha. Claro que pode tratar-se os sintomas, como a febre. E é certo que nalguns casos podem surgir complicações. Mas na maior parte das vezes basta esperar deitado. O mais confortável possível. Por isso o mercado está inundado de cocktails dedicados aos sintomas, que invariavelmente contêm um antipirético, como o paracetamol, que alivia a febre, e outras coisas, como anti-histamínicos, que podem ajudar a diminuir as secreções. Apesar dos nomes criativos, nenhum destes combinados combate a causa da gripe, nem é melhor do que os seus componentes isolados.

A gripe é causada pelo vírus Influenza, que tem muitas variações (algumas são famosas, as das gripes pandémicas). Por isso, a vacina para a gripe sazonal apenas baixa a probabilidade de se apanhar gripe, mas não a elimina (embora reduza a gravidade da doença) e a sua eficácia varia de ano para ano. Os vírus são mais pequenos e muito diferentes das bactérias. São simplesmente invólucros com material genético lá dentro. Mas têm a capacidade de o introduzirem nas células do hospedeiro e fazerem que estas passem a produzir as suas proteínas. É como se um engenheiro pirata entrasse numa fábrica e discretamente reprogramasse as máquinas para fazer peças que só a ele lhe interessam. O arsenal que temos para combater vírus é bem mais modesto do que aquele de que dispomos para matar bactérias. As infeções virais não se tratam com antibióticos. Tomar antibióticos desnecessariamente pode conduzir ao aparecimento de estirpes de bactérias resistentes aos antibióticos.

Mas uma doença que passa sozinha é uma grande oportunidade para vender tratamentos da treta. Não espanta que um dos remédios homeopáticos mais populares seja para a gripe. Os remédios homeopáticos são placebos. Não têm nada a não ser água e açúcar, porque são preparados através de um grande número de diluições seguidas. Em 2012, com o físico Carlos Fiolhais, no lançamento do nosso livro Pipocas com Telemóvel e Outras Histórias de Falsa Ciência (Gradiva), engoli uma embalagem inteira desses bolinhas mágicas para a gripe, feitas a partir de fígado de pato, mas tão diluído que teria de ingerir uma quantidade superior a todo o universo visível para encontrar uma única molécula do bicho. Não poderia fazer o mesmo com um medicamento a sério, como os que contêm paracetamol ou ácido acetilsalicílico (aspirina). Neste caso correu bem. Eram docinhas, mas demasiado caras.

Periscópio

OPORTUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO EM GRIPE
O Gripenet é um projeto de ciência cidadã, que procura envolver qualquer pessoa na monitorização da epidemia sazonal de gripe. Para participar é necessário inscrever-se e atualizar regularmente o seu estado gripal (ou não gripal). Pode consultar os dados globais, atualizados a cada hora, e ficar a saber como está a evoluir a gripe na sua zona (correspondente aos quatro primeiros dígitos do código postal). O Gripenet foi criado em 2005 no Instituto Gulbenkian de Ciência, tendo passado a ser coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge a partir de 2015. Faz parte de uma rede internacional de monitorização participativa da gripe, tendo contado já com a ajuda de mais de 24 000 voluntários. www.gripenet.pt

[Publicado originalmente na edição de 24 de janeiro de 2016]