2016: quando a realidade nos desafia

Notícias Magazine

E o que podemos fazer, no jornalismo, para não nos deixarmos ir na enxurrada. Ou como nada vai ser como dantes depois deste estranho 2016.

O jornalismo nunca viveu tempos mais desafiantes do que estes. E nem falo do negócio, esse que, no advento do digital, entrou na crise da pergunta «quem paga o jornalismo que é preciso fazer?». Falo do jornalismo 1.0. Do básico no que diz respeito aos princípios e à missão – aqui e em qualquer lugar do mundo. Defesa dos direitos humanos É o que está em causa quando olhamos para o que está a acontecer neste estranho ano de 2016.

Estranho não como em misterioso. Estranho como algo em que não nos revemos. Eleições em que se elegem misóginos capitalistas que não demonstram ter respeito pelos fracos. Referendos que votam pela diferença e pela solidão nacionalista em vez do futuro comum. Candidatos que crescem nas intenções de voto apesar dos discursos xenófobos, racistas, simploriamente populistas. Não é este o espírito que nos trouxe aqui, não é com cenários destes em mente que milhares de miúdos vêem ainda na profissão de jornalista uma missão que compensa os baixos salários, a vida de cão, os horários desregrados. Foi, antes, a sensação de poder mudar o mundo – e o que isso implica de achar que se está do lado da razão, de acordo com os valores do humanismo que o jornalismo com J grande defende.

Afinal, não. Vemo-nos neste estranho ano de 2016 sem referências e com um futuro frágil à frente. Confrontamo-nos com um mundo que não reconhecemos, e não há maior drama para quem tem por função primordial explicar o mundo. Que lugar é este onde as mais básicas premissas de convivência são postas em causa por movimentos tribais, populistas? Que sítio é este onde hordas de pessoas querem decidir que o futuro deve ser o aniquilar de tudo o que considerávamos positivo, nobre e honrado?

Há mais nesta reflexão, se a virarmos para nós próprios. E isso é algo que gosta de fazer o jornalismo, uma das profissões mais escrutinadas, porque vive exposta aos olhos da multidão. O que vemos é a triste figura em que nos colocámos. Do alto das nossas torres de marfim, deixámo-nos isolar. Tomámos por garantido esse universo liofilizado em que nos deslocávamos, transitando de elite para elite, da política para a económica, para a social. Tantas vezes achando que a convivência com as elites nos fazia parte delas. Mesmo quando resolvíamos descer, debicar na vida real, era com olhar exterior e pouco emocionado, abutres em busca da próxima manchete. Distorcendo a realidade para confirmar as causas que defendemos.

Estranho ano, este de 2016. Talvez seja altura de acordar, de olhar de frente para o mundo como ele está a demonstrar-se, nas eleições, nas redes sociais e nos reality shows. De descer à terra e encontrar o foco. Sob pena de irmos todos na enxurrada.

[Publicado originalmente na edição de 11 de dezembro de 2016]