2016, ano ímpar

Notícias Magazine

Não fosse aquele 6 armado em divisível por dois, 2016 seria um ano ímpar. Aliás, 2016 é ímpar e acabou. Nunca houve igual. Em qualquer outro ano um candidato que dissesse que não pagou impostos «porque sou esperto» não ganharia nem a eleição para vogal da Associação dos Alérgicos ao Fisco (eles fazem, mas nunca dizem em público). Ora, a tal frase foi dita em 2016, o sujeito foi mesmo eleito presidente e tudo aconteceu no país que perdoou a Al Capone casas de prostituição, uísque marado e tiros na nuca mas condenou-o por fuga aos impostos. Ímpar 2016!

Não sem razão este ano começou numa sexta-feira. E quanto ao 13 para o azar ser completo, também esteve sempre no 2016: se aos dois primeiros algarismos, 20, tirarmos a soma (1+6) dos dois últimos, dá 13. Este ano começou numa sexta-feira 13 e nem tínhamos dado por isso. E foi bissexto. Sabíamos desde o princípio mas só com as desgraças surgindo fomos entendendo o que desta vez queria dizer bissexto. «Bi», por os azares prometerem ser a dobrar e «sexto» porque antes de 2016 houve cinco momentos históricos igualmente medonhos. Basta alinhar as outras datas mundiais desgraçadas para entendermos o sucessor delas, esse 2016.

Por ordem de antiguidade, eis a progressão das grandes catástrofes: primeiro, 1207-1472, invasões mongóis, sessenta milhões de mortos; segundo, 1918, gripe espanhola, matou cem milhões; terceiro, 1931, inundações do rio Yangtzé, na China, quatro milhões; quarto, 1939-1945, Segunda Guerra Mundial, com balanço de setenta milhões de mortos; quinto, malária, um milhão de mortes anuais nas últimas décadas; e o tal «sexto», o 2016, ano da paralisia mental global. Além de sexto, bissexto, as vítimas serão a dobrar: começou no Novo Mundo e vai alastrar-se para o resto do mundo.

É certo que isto de listas é sempre subjetivo. Bruno de Carvalho, por exemplo, acrescentaria às grandes catástrofes mundiais o roubo ao Sporting de quatro campeonatos, de 1923, 34, 35 e 38 (a Federação Portuguesa de Futebol contabiliza-os agora como Taças de Portugal). São catástrofes plausíveis mas estragavam a minha tese. Com os quatro acréscimos de Bruno de Carvalho, o 2016 bissexto passaria a ano bidécimo, uma espécie de cautela dupla da extração de Natal, o que não é terrível, é só uma desilusão.

Ora, desde os tempos em que há registos escritos, isto é, acabada a Pré-História, nunca um ano tinha começado tão auspicioso. Se bem se lembram, em janeiro de 2016, nas vésperas das primárias americanas, surgiram os primeiros boatos: Donald Trump pode ganhar! Tirando talvez aquele episódio contado por Suetónio, em A Vida de Doze Césares, nunca uma hipótese tão bizarra fora posta.

Vocês lembram-se, o imperador romano Calígula tinha um cavalo chamado Incitatus. Este tinha dezoito criados que o enfeitavam com pedras preciosas, dormia em mantas púrpuras, a cor imperial, tinha um quarto de mármore e uma manjedoura de marfim. Incitatus tinha ainda uma estátua em tamanho real, também de mármore e marfim. Comparável, só o apartamento de cobertura, na Quinta Avenida, na Torre Trump, que, há semanas, foi muito fotografado. Mas o apartamento nova-iorquino, com paredes folheadas a ouro, era mais brega do que o romano, e em vez da estátua equestre tinha uma pintura de Trump em corpo inteiro.

Então, 2016 começou bem, com a hipótese de Donald Trump ser eleito. A partir daí, o ano não podia piorar. Errado: o ano acabou com Trump eleito. Foi outra diferença com o cavalo: apesar de proposto para cônsul por Calígula, Incitatus não tomou posse.

É o que digo: 2016, nunca mais!

[Publicado originalmente na edição de 25 de dezembro de 2016]