Onde estava no 11 de Setembro?

Memórias do acontecimento que mudou o mundo e a sua gente.

Aconteceu há 15 anos e provavelmente não há acontecimento que tenha ficado tão marcado na nossa memória coletiva recente como os ataques terroristas de 2001 aos Estados Unidos da América. Todos sabemos onde estávamos quando vimos os aviões embater nas Torres Gémeas, todos nos lembramos do que sentimos. Nove figuras da vida portuguesa voltam hoje a lembrar.

Marcelo Rebelo de Sousa

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O DIA EM QUE MARCELO NÃO NADOU

Vinha de exames em Lisboa, para nadar. Pela hora do almoço, soube do que, inicialmente, foi apresentado como dois choques de aviões comerciais contra as Torres Gémeas. Desviou para casa e assistiu, colado ao televisor e ao telefone, ao resto desse dia dramático. Dia que mudou, na verdade, a sua vida, porque estava há um ano a comentar na televisão temas políticos, económicos, sociais e culturais, nacionais e internacionais. «No imediato, fui chamado a estudar o dossiê nine eleven, como era conhecido, até porque dominaria o comentário durante meses – depois incidindo na reação de norte-americanos e aliados.» Isso alterou a lógica tradicional do comentário político, essencialmente interno.

Também esse ano letivo foi muito dominado pelos tópicos relacionados com o 11 de Setembro. «É difícil resumir todos os efeitos daquela data e dessa tragédia. Eis alguns: alterou, de imediato, os esquemas de segurança em vigor, obrigou a rever mecanismos de prevenção e mesmo de reação que se haviam revelado totalmente ineficientes, abriu para um novo ciclo na atitude norte-americana quanto ao terrorismo e, depois, quanto a certas áreas do Médio Oriente.» E deixou antever o termo do universo unipolar nascido do fim do século xx, uma radical alteração na definição e na atuação dos terrorismos internacionais e uma nova correlação de forças mundiais. «Claro que não se deveu apenas ao 11 de Setembro de 2001, mas à realidade nova que nele se projetou. E essa projeção tornaria mais óbvia a mudança ocorrida e aceleraria as respostas perante ela.»

Paulo Camacho

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NO ESTÚDIO À HORA CERTA

Pouco passava das 14 horas em Lisboa, nove da manhã em Nova Iorque. «O Primeiro Jornal estava praticamente no fim. Julgo que faltavam apenas as despedidas e eu, confesso, já só pensava onde iria almoçar. Nunca pensei que só me levantaria daquela cadeira por volta das 19h00. Foram cinco horas, do ponto de vista profissional, muito desafiantes.»
De repente, todos os que estavam na régie e na redação – e não eram muitos – começaram a coligir informação para passar ao desgraçado que estava em frente da câmara e que apenas sabia isto: «Um avião embateu numa das Torres Gémeas.»

Mas conhecendo minimamente Nova Iorque e tendo em conta as condições atmosféricas e de visibilidade, Paulo Camacho rapidamente percebeu que se tratava de um atentado. «A certa altura, enquanto tomava notas da informação que recebia, vejo pelo canto do olho o segundo embate. Não restaram dúvidas de que se tratava de um ataque terrorista. Não foi um trabalho que eu procurasse. Caiu-me nas mãos e não posso dizer que tenha alterado a minha vida. Mas foi um desafio e fizemos, julgo, um bom trabalho.» A equipa da primeira hora foi fundamental para esse sucesso. «De facto, apesar de haver três canais, a emissão da SIC ficou na memória. O 11 de Setembro mudou o mundo. Naquele dia, percebemos que a guerra pode chegar aos nossos pés, de uma forma sistemática e financiada como nunca antes tinha acontecido. A forma de encarar as viagens, de entrar nos aeroportos, de olhar para as outras culturas, nunca mais seria a mesma.»

Assunção Cristas

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A ACABAR DE SER MÃE

Tinha acabado de ser mãe pela primeira vez e de dar de mamar à filha de 2 meses e meio quando ligou a televisão: a segunda Torre Gémea desabava perante os seus olhos e Assunção Cristas não teve dúvidas da gravidade da situação. «Não vi os embates. Lembro-me sim da enorme nuvem de fumo e de pó, do desabar da torre e de pensar que só podia tratar-se de algo muito estranho.» Quatro meses antes, em maio, já no limite de gravidez para voar, passara 15 dias em Nova Iorque, na Universidade de Columbia, a investigar para o doutoramento. Conhecia as torres, gostava da cidade, percebeu que a partir daquele dia as vidas mudariam. Garante, no entanto, que não ganhou medos adicionais. «Não deixei de fazer nada do que fazia antes.» Na Páscoa de 2016, uma viagem com a família ao Vaticano coincidiu com o ataque terrorista em Bruxelas. Os filhos ficaram inquietos e preocupados. «A tranquilidade que vivi na minha infância e na minha adolescência não é a destas crianças de hoje. Perante as notícias é natural que temam e façam perguntas. Compete-nos a nós resolver essa inquietação, tentar acalmá-los. E foi isso que fizemos.»

Os atentados mudaram o mundo. «Até 2001, os focos de guerra estavam circunscritos e tinham atores bem delineados. Hoje, vivemos perante uma ameaça com múltiplas declinações – a mais recente é o autoproclamado Estado Islâmico.» Ameaças que já não têm que ver com fronteiras mas com «limites muito mais fluidos». A começar pelas nossas sociedades, «palco de recrutamento para esses movimentos terroristas».

Vítor Sequeira Martins

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APANHAR O AVIÃO CERTO

Desde a última semana de agosto que Vítor Sequeira Martins andava por Nova Iorque a cobrir o US Open. Jornalista de desporto do Diário de Notícias, passou duas semanas nos courts de ténis de Flushing Meadows. No domingo, dia 9, viu o australiano Lleyton Hewit sagrar-se campeão e enviou um texto para Lisboa. No dia seguinte, tinha voo noturno para Lisboa. «O avião atrasou-se e acabei por viajar na madrugada de dia 11.» Pela hora de almoço, assim que aterrou em Frankfurt, ligou para a mulher e ela bombardeou-o com perguntas.«Onde estás? Ainda estás na América? Não sabes o que está a passar-se em Nova Iorque? Aterraste mesmo na Alemanha?» Ficou atónito. «Primeiro, porque estava cheio de sono e com fome e depois porque sentia que aquela aflição e angústia vinda do outro lado da ligação trazia novidade. E não era boa.» Andou em correria pelo aeroporto para descobrir uma televisão, mas não encontrou nenhuma. A hora da ligação para Lisboa aproximava-se e o que ia sabendo vinha pelo telemóvel. «A tensão arterial subia desenfreadamente. Queria saber novidades, seguir os acontecimentos, mas dentro de um avião isso era impossível.»

À chegada foi direto à redação do jornal. E, nos dias seguintes, viu e reviu tudo, uma e outra vez. O seu pensamento era de jornalista: «Mas porque é que tive de vir embora naquele dia e não um ou dois mais tarde, para poder reportar tudo?» Depois de 11 de setembro de 2001, diz Vítor, o mundo mudou e o jornalismo também. «Passou a estar mais centrado no nosso mundo e nas suas questões.» Agora, só se reporta o mundo que já é nosso.

Maria do Céu Guerra

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A TRAGÉDIA NO MEIO DO ENSAIO

De manhã tinha vindo uma escola e os atores do teatro A Barraca tinham subido ao palco para acolher o público infantil. Nós Temos os Pés Grandes Porque Somos Muito Altas, era esse o nome da peça. «Ao almoço numa pastelaria ali perto, vimos o segundo avião bater na torre. Eu gritei: o que é isto?» Ninguém respondeu. «Acabámos por passar a tarde toda ali especados, a tentar perceber alguma coisa.» Os ensaios diluíram-se no choque, quem é que conseguia arredar pé da televisão. «Aquilo era o apocalipse, isso percebi logo. Mas demorei uns dias a perceber toda a dimensão da tragédia. Nessa noite voltámos a subir ao palco para as peças que tínhamos em cena.» Pelo menos nesses minutos, diz Maria do Céu Guerra, a cabeça não estava em Nova Iorque.

A arte, na sua opinião, mudou nesse dia. «Hoje há um olhar mais profundo sobre o ser humano, sobre as suas dificuldades. A tragédia humanizou tudo, criou uma consciência maior sobre a violência e a vulnerabilidade humanas. O artista voltou a colocar-se do lado do mais fraco, do que sofre abusos ou é silenciado. Revolta-se contra o terrorismo – e também contra o terrorismo de Estado.»

A tragédia imensa a que Maria do Céu Guerra assistiu em 2001 pela televisão vê-a hoje em povos atropelados pelos mais fortes. «Se pensarmos na Palestina, ou no que o povo afegão sofreu durante a guerra com a Rússia, percebemos que as vítimas do terrorismo estão também ali, no outro lado da barricada. O desastre chega a todo o lado.»

Jaime Marta Soares

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A MORTE DOS PRIMOS DA AMÉRICA

A notícia chegou com o burburinho. Os funcionários da Câmara Municipal de Poiares comentavam qualquer coisa e, do gabinete da presidência, Jaime Marta Soares ouvia-os. Veio à porta e contaram-lhe que um avião tinha batido numa das torres de Nova Iorque. Correu a ligar a televisão e assistiu ao embate do segundo aparelho. Pensou logo nos bombeiros que conhecia em Nova Iorque e com quem tinha almoçado no quartel do World Trade Center.

Dez anos antes, tinha estado em Nova Iorque para uma conferência de bombeiros e, num dos dias, foram almoçar àquele quartel, conhecer instalações e equipamentos. «Não lhes faltava nada.» Depois visitaram as Torres Gémeas, discutindo como se combatia um incêndio numa estrutura daquela magnitude. «A partir do oitavo andar o combate às chamas teria de ser por dentro.» Apesar de perceber que aquela era uma missão terrível, nunca imaginou ver as torres a ruir. «Esse, para mim, foi o verdadeiro momento de terror.»

A morte de 343 bombeiros foi uma dor sem cura. «Guardámos muitas horas em todos os minutos de silêncio que cumprimos em sua honra. Aqueles homens foram de uma nobreza de sentimentos incrível, lançaram-se às chamas e perderam a vida por isso.» Também diz que a vida dos bombeiros mudou depois do 11 de Setembro: «Aprendeu-se a pensar no que pode acontecer antes de partir para o salvamento de vidas e percebeu-se que há uma nova condição no nosso mundo, o terrorismo, e temos de estar preparados para o socorro quando os atentados acontecem.»

Rui Tavares

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UMA NÍTIDA PERCEÇÃO DE HISTÓRIA

Foi o fim de um ciclo de prosperidade e riqueza, isso Rui Tavares sabe. «Há acontecimentos que vivemos e sabemos que são história, mesmo que não percebamos exatamente o que significam na totalidade.» Quando viu o segundo avião embater na torre sul do World Trade Center, o fundador do Livre teve a noção de que aquele acontecimento marcaria os anos seguintes. Que ainda marca.

Nessa altura vivia em França, mas tinha vindo passar uns dias a Lisboa para escrever a sua tese. «Estava a trabalhar sobre regimes censórios do século xviii e nesse dia tinha uma entrevista marcada com um casal de linguistas da Universidade de Lisboa que não conhecia.» Na rádio, a caminho de casa dos entrevistados, ouviu pela TSF a notícia de que um avião tinha embatido na torre norte. «Quando entrei em casa deles, estavam agarrados à televisão e vimos em direto o segundo ataque. Acabei por ficar ali umas cinco horas e nunca voltei a vê-los na vida.»

O 11 de setembro acabaria por levá-lo a criar muito trabalho literário. Em O Pequeno Grande Livro do Terramoto, Rui Tavares apresenta um ensaio que estabelece uma série de relações entre 1755 e 2001, porque ambos são «dias de irrealidade quotidiana, que alteram o curso da história». Os atentados levaram-no também à investigação e à escrita de O Arquitecto, uma peça de teatro em dois atos sobre a ascensão e a queda de Pruitt-Igoe, o japonês que trabalhou com o pai de Bin Laden e inspirou- se numa mesquita para desenhar o World Trade Center de Nova Iorque.

Eunice Gonçalves

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O DIA EM QUE O TELEFONE DEIXOU DE TOCAR

Cumpriam o troço entre Santarém e Alcanena. O destino era Fátima e o caminho fazia-se a pé. No dia 11 de setembro de 2001 Eunice Gonçalves participava numa atividade do agrupamento de escuteiros da paróquia das Mercês, em Lisboa. «Tínhamos almoçado no meio da serra e descíamos rumo a uma aldeia à procura de um café. No meio de uma caminhada, beber a bica era retemperar forças.» Lá encontraram um estabelecimento, tinha um grupo de gente à porta. «Vínhamos todos a cantar e mandaram-nos calar por causa do que estava a dar na televisão.» Ela protestou, meio a sério meio a brincar. «Então não querem ouvir música para verem um filme?» No ecrã repetia-se a imagem do embate do avião nas Torres Gémeas. Não era um filme.

Nessa terça-feira o percurso atrasou-se e, quando voltaram à estrada, fizeram-no em silêncio. «Era tudo muito confuso e ninguém disse nada. O que, de certa forma, também era reconfortante.» Quando chegaram a Fátima, dias depois, rezaram pelas vítimas. «Fazia-me muita impressão pensar que alguém tivesse feito aquilo em nome de Deus. Seja lá que Deus fosse.» Escuteira desde os 12 anos, Eunice nunca hesitou perante a perspetiva de passar o aniversário em atividade com o agrupamento. «Sempre adorei fazer anos.» Mas cumprir a celebração a 11 de setembro mudou isso tudo. «Desde 2001, ninguém me liga a dar os parabéns no dia. Fazem-no na véspera ou no dia seguinte. Se calha telefonarem-me no dia, é para falar de terrorismo. Fico furiosa por fazer anos num dia tão mau. Mas sei que isso é o meu egoísmo a falar.»

Robert Sherman

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DE BOSTON TAMBÉM SE VÊ NOVA IORQUE

«Senti-me tão inútil.» Robert Sherman estava em casa, perto de Boston, à espera de um colega, quando viu as notícias pela televisão. «A reportagem indicava que era um avião pequeno. Passados minutos, chegou o meu colega e ficámos os dois paralisados e em choque à medida que davam as imagens da primeira torre a arder.» Naquele momento, já sabiam que era um avião comercial. «Havia ainda a crença de que não passaria de um trágico acidente até que assistimos, horrorizados, ao embate de um segundo avião contra a outra torre. Percebi que o mundo tal como o conhecemos e a minha vida tinham mudado para sempre.»

Quando soube que um dos voos tinha levantado de Boston interrogou-se se conheceria alguém a bordo. Alguns conhecidos, descobriria mais tarde. Pelo ecrã, testemunhou o horror de pessoas a saltarem das torres e por fim o colapso das mesmas resultando em milhares de mortes. Depois saiu de casa para ir buscar os filhos à escola. «Enquanto guiava, as lágrimas corriam-me pela cara. Pensava em que mundo eles iriam crescer. Quando os apanhei na escola, perguntaram-me o que devíamos fazer. Eu disse que devíamos ir até à Cruz Vermelha dar sangue.» Era a única coisa que podia fazer.

O atual embaixador norte-americano em Lisboa era então advogado e a sua sociedade criou um fundo chamado Massachusetts 9/11, para apoiar familiares das vítimas. «O terrorismo tem como objetivo provocar o medo e a discórdia. O antídoto para este veneno é a tolerância e a inclusão. Países como Portugal e os Estados Unidos dão provas do seu compromisso em relação a estes valores.»