Uma questão de pele

Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé… Três dermatologistas de Santarém criaram um projeto que procura sensibilizar a população idosa do Ribatejo para os problemas de saúde da pele. Para isso, irão eles próprios a uma série de instituições de terceira idade para desenvolver ações de sensibilização. A iniciativa já lhes valeu um prémio.

Quatrocentas e cinquenta e três mil. Segundo os Censos 2011, é este o número de pessoas que vivem no distrito de Santarém. Destes, refere o INE, 105 mil têm mais de 65 anos. Se juntarmos a estes dados o facto de haver, na região, apenas oito dermatologistas num hospital público (o distrital de Santarém) para todos estes habitantes, estamos perante um problema. Isto porque o acesso a cuidados de saúde por parte da população mais idosa é muitas vezes dificultado devido ao isolamento, falta de transporte ou falta de acompanhamento.

Grande parte do tempo de trabalho dos dermatologistas do Hospital Distrital de Santarém é passado em consultas, nas quais a maioria dos pacientes tem diagnósticos de cancro de pele. «Muitos chegam com tumores de grandes dimensões, que exigem uma intervenção terapêutica mais complexa e por vezes mais agressiva», diz o especialista César Martins.

A pensar nestas questões, e com a ajuda das colegas Margarida Rato e Ana Filipe Monteiro, César Martins criou um projeto inovador para a região. Chamaram-lhe «A vida continua, viva a sua pele» e, através de rastreios e sessões educativas gratuitas, os três dermatologistas esperam dar resposta aos problemas da falta de mobilidade e de informação acerca do cancro cutâneo e da prevenção da desidratação, particularmente em faixas etárias mais altas.

Mas ensinar pessoas com mais de 65 anos a ter alguns cuidados de prevenção do cancro cutâneo e da desidratação não se espera uma tarefa fácil, apesar de ser de extraordinária importância do ponto de vista clínico. E humanitário, também – Ana, César e Margarida partilham a mesma paixão pela especialidade que escolheram, juntando o sentido de humanismo e de ajuda ao próximo à profissão de todos os dias.

Estes fatores, todos juntos, terão contribuído para que o projeto tenha sido distinguido no início deste mês com o prémio Dermatologist from the Heart, promovido pela Fundação La Roche-Posay em parceria com a Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia. O prémio, no valor de dez mil euros, permitirá adquirir equipamentos de diagnóstico e tratamento, apoiar a deslocação e organizar sessões educacionais.

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Prevenir o cancro cutâneo, ensinar a tratar da pele desidratada e os cuidados a ter antes da exposição solar são os principais objetivos. Para a sua concretização, os médicos deslocar-se-ão, durante o próximo ano, a lares de idosos, centros de dia e centros de apoio à terceira idade, nos quais serão também disponibilizados tratamentos para a queratose actínica e, sempre que se justifique, de criocirurgia («queimar algumas lesões com azoto líquido, que congela a zona da pele, provocando a necrose das células e prevenindo a evolução para cancro da pele», explica Margarida Rato). Os casos mais complexos e de lesões suspeitas de cancro da pele serão referenciados para consulta hospitalar.

Serão ainda oferecidas sessões educativas a enfermeiros, alguns dos quais serão selecionados como líderes de equipa com acesso direto às equipas multidisciplinares dos hospitais. «Enquanto cuidadores destes idosos e prestadores de cuidados de saúde em instituições que os acolhem, os enfermeiros devem ser sensibilizados para a importância da vigilância da pele», diz Margarida Rato.

E o que levou à escolha destas patologias em concreto para integração no projeto? «O tratamento oncológico precoce consome menos recursos humanos, logísticos e medicamentos», diz César Martins, coordenador do projeto. «As queratoses actínicas são lesões pré-cancerosas que aparecem num distrito rural por exposição crónica ao sol durante toda uma vida de trabalho, podendo ser tratadas no início sem cirurgia, com cremes ou métodos não invasivos. Por outro lado, o prurido senil resulta da falta de hidratação da pele em consequência do envelhecimento biológico podendo ser resolvido com medidas muito simples que passam sobretudo pelo ensinamento quanto à higiene diária e aplicação de cremes ou loções hidratantes.»

«Observar e cuidar da pele diariamente, tendo em conta a proteção solar, a hidratação e os cuidados de proteção no contacto e manuseio de substâncias potencialmente irritativas podem fazer a diferença», diz Margarida Rato. «Por outro lado, ensinamentos simples em relação aos cuidados com a nossa pele são na grande maioria dos casos suficientes para proporcionar um índice de qualidade de vida muito superior.»

Inicialmente, o projeto arrancará apenas em Santarém podendo ser alargado a todo o Ribatejo consoante o interesse demonstrado. A intervenção dos médicos será realizada em regime de voluntariado. À data, não existe nenhum projeto semelhante nesta região. Ainda não é possível avançar com o número exato de idosos que irão beneficiar com a iniciativa dos três especialistas, estando a resposta dependente da disponibilidade e do interesse das instituições que acolhem idosos.

A EQUIPA GALARDOADA

CÉSAR MARTINS
Especialista em dermatologia, investigador, autor de publicações científicas e assistente graduado da especialidade no Serviço de Dermatologia do Hospital Distrital de Santarém (HDS). Depois de escolher medicina percebeu que queria «ajudar os outros aliviando-lhes o sofrimento».

ANA FILIPE MONTEIRO
É médica interna de dermatovenereologia no Serviço de Dermatologia do HDS. Optou por esta especialidade por ser «muito abrangente com doentes de todas as idades». Sempre quis ser médica. Desde pequena «gosta de ajudar os outros e conversar com as pessoas.

MARGARIDA RATO
Foi no secundário que começou a sonhar com medicina. O facto de poder realizar procedimentos cirúrgicos, diagnóstico e curativos pesou na opção de dermatovenereologia. É médica interna no serviço de dermatologia do HDS. «Sinto grande compensação diária na profissão que abracei.»

O PRÉMIO
Pelo terceiro ano consecutivo, a Fundação La Roche-Posay, em parceria com a Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV), atribuiu um prémio com o objetivo de apoiar os dermatologistas empenhados em tornar as suas competências e conhecimentos acessíveis a um público mais vasto. No valor de dez mil euros, o Dermatologist from the Heart, divulgado durante o XV Congresso Nacional de Dermatologia, no Porto, no mês passado, premeia o projeto mais altruísta e generoso, focado na melhoria da qualidade de vida dos doentes. Neste ano estiveram a concurso 13 projetos com a participação de 23 dermatologistas envolvidos em temáticas como dermatite atópica, fotoproteção, prevenção de cancro cutâneo, psoríase, entre outros. Isabel Viana, vice-presidente da SPDV e membro do júri, considera que «o prémio é a aproximação dos dermatologistas à sociedade civil e o incentivo à solidariedade social através do apoio de ações variadas e contribui para levar a dermatologia a populações mais carenciadas e com difícil acesso à especialidade».