Tenho um bebé. E agora?

O que fazer se o bebé não dormir bem? E se chorar muito? E se a amamentação não for um momento maravilhoso de cumplicidade, mas uma prova dura e dolorosa? Para lidar com estas e outras questões, uma terapeuta de bebés escreveu um guia para ajudar os pais.

QUEM É CONSTANÇA CORDEIRO FERREIRA?
É licenciada em Ciências da Comunicação, mas o interesse por assuntos ligados à maternidade foi mais forte. Conselheira de aleitamento materno reconhecida pela OMS e UNICEF, tem vários cursos de formação em áreas como choro, toque terapêutico, massagem para bebés, traumas perinatais e transição para a parentalidade – temas que aborda no Centro do Bebé, de que é fundadora. Os Bebés também Querem Dormir (ed. Matéria-Prima) é o primeiro livro.

Com a chegada de um bebé, a vida de um casal muda completamente. É um choque. Como é que se previne isso?
O que é avassalador é o embate com a realidade de ter um bebé nos braços. É preciso trabalhar o lado emocional, conversar sobre isso ainda durante a gravidez. Os medos que temos, como nos imaginamos a ser pais… Passar menos tempo na preparação racional, nas listas, nas compras, e mais tempo na preparação emocional.

Isso pode prevenir alguma tensão no casal?
Às vezes estamos privados de sono, cansados, inseguros. Isso cria tensões, discussões. Estamos muitas vezes sozinhos, a família está longe. Durante uns tempos não podemos fazer tudo como fazíamos antes, mas podemos fazer outras coisas. Temos de improvisar e navegar um pouco o caos. São dores de crescimento. É melhor passar por elas de mãos dadas. Aos poucos encontraremos o novo ritmo, agora a três. Eu proponho atividades que gerem bem-estar entre pai-mãe-bebé, para encher a família de paz, de ocitocina… a hormona do amor. É um novo namoro.

Quais são as principais dificuldades dos pais depois de nascer uma criança? Choro? Sono? Cólicas? Amamentação? Como é que a terapeuta de bebés os ajuda?
No útero, o bebé tem embalo, temperatura constante, proteção, alimentação… tudo sem pedir nada, 24 horas por dia. E nasce com a expectativa de continuidade. O foco passa por ajudar a família e o bebé a fazer uma transição suave para o mundo cá fora. Há bebés que choram muito, outros recolhem-se em si mesmos e dormem muito. Outros dormem de dia e não de noite. No caso dos que choram muito, é preciso acalmá-los, ajudá-los a gerir os estímulos… Em quase todos é preciso compreender a razão do comportamento e ajudá-los a sintonizarem-se com o ritmo fora do útero. Ter um bebé deixa-nos mais expostos, mais «em carne viva». Há que viver isto sem medo. E conviver saudavelmente com a sensação de nos sentirmos vulneráveis. As nossas sociedades têm um paradigma de bebé imaginário que come e dorme com grande eficácia e autonomia.

Por isso é que há pais que dizem que ninguém os avisou que seria assim?
Exatamente. Se conhecêssemos melhor a biologia e a fisiologia das nossas crias, talvez não fôssemos tão apanhados de surpresa. A boa notícia é que a biologia também nos preparou para sermos pais. E podemos usar as comodidades das sociedades modernas a nosso favor: há informação disponível, há números de telefone para pedir ajuda. Podemos tentar ter o melhor de dois mundos. O que eu digo aos pais ainda na gravidez é que vai ser revolucionário, vai ser transformador, que há momentos de absoluta maravilha, tal como há momentos em que vamos achar que não vamos conseguir. É normal.

Quando é que os pais a contactam, habitualmente? Com que idade média do bebé?
É variável. Eu trabalho com bebés desde que nascem até aos 18-24 meses. Tenho também casais a procurarem-me durante a gravidez. As questões da amamentação, por exemplo, surgem nas primeiras semanas. No primeiro trimestre é frequente a questão do choro inconsolável, das cólicas, dos bebés que são difíceis de acalmar. O impacto de termos um bebé que chora inconsolavelmente é brutal para a harmonia familiar e não há muita gente a entender e a saber apoiar neste campo. Cada vez mais pais me procuram por causa das questões do sono. Até com bebés mais crescidos. Querem uma alternativa aos métodos de treino de sono, que passam quase sempre pelo bebé a chorar e os pais em stress durante o processo.

Ainda há quem defenda que se deve deixar as crianças a chorar por algum tempo.
Diz-se que é preciso criar «bons hábitos». De que hábitos se fala quando se sugerem estratégias infindáveis de «pousa-levanta», bebés a chorar no berço e pais instruídos a não lhes pegar? Chega a dizer-se que «é normal» um bebé vomitar depois de um episódio de choro para supostamente «ser ensinado a dormir». É surreal, antiético. Os pais são instruídos a evitar o que durante milhares de anos serviu para adormecer pacificamente os bebés. O primeiro erro é fazermos do adormecer um momento de conflito.

E os hábitos dos adultos – nomeadamente dormirmos pouco – também influenciam?
Há ainda um enorme desconhecimento sobre a fisiologia normal do sono dos bebés. Eles estão muito mais conetados com o ritmo da Terra do que nós. Entre as oito e as doze semanas, os bebés já têm adquirido o seu ritmo circadiano, estão regulados para as 24 horas, para o dia e a noite. De noite não se veem animais a correr pela rua fora, como se fossem quatro da tarde. O ritmo biológico, influenciado por fatores como a luz, a temperatura e as hormonas, diz-nos que a noite é um tempo de repouso, descanso, imobilidade. Nós, adultos, estamos habituados a adormecer por exaustão, a levar os nossos problemas e medos para a cama. O bebé não consegue fazê-lo. Precisa de adormecer cedo, quando o sol começa a descer, e vai acordar cedo, quando o sol começa a levantar-se. É preciso saber ver os sinais do que o bebé nos está a pedir, trabalhar os encadeamentos, o ritmo, os rituais, e aquilo que eu chamo de interruptores de relaxamento.

O que é isso, exatamente?
São, basicamente, estratégias de relaxamento específicas que resultam com aquele bebé. É o que permite que o bebé adormeça tranquilamente. Eles estão muitas vezes mais certos sobre o sono do que nós. Adormecem melhor se estiverem relaxados, com a pele e o coração cheios de contacto, convívio, experiências boas. Pedem ajuda se estiverem com medo. Não aceitam ficar sozinhos se estiverem assustados. No fundo, tudo aquilo que nós próprios devíamos estar a fazer também, independentemente da nossa idade.

O que faz, ao certo, uma conselheira de aleitamento?
É alguém que fez formação específica em amamentação para poder prestar apoio especializado às mães que amamentam, caso surjam dificuldades. A formação de conselheiras de aleitamento materno é um projeto da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da UNICEF, é igual em todo o mundo e faz parte da missão de promoção do aleitamento materno.

A OMS recomenda o aleitamento materno exclusivo até aos seis meses. A maior parte das mulheres que a contacta tem esta noção?
As mulheres que me procuram para as ajudar nesse aspeto querem muito amamentar. De um modo geral, existe esse conhecimento junto das mães. Continua é a haver um hiato entre a divulgação das recomendações da OMS e o apoio e suporte prático às mães para que o consigam cumprir. E depois há o lado pessoal: quando uma mãe tem dores, é difícil imaginar-se a fazer aquilo durante seis meses em exclusivo. É preciso tirá-la da dificuldade, levá-la ao lado bom da amamentação, dizer-lhe que não vai ser sempre assim, que vamos ultrapassar e vai ser bom. Não pode haver pressão sem haver apoio.

As dificuldades podem ser muitas… Isso devia ser explicado antes? Nos cursos de preparação para o nascimento, por exemplo. Ou pode ter um efeito contrário à promoção do aleitamento materno?
Podem ocorrer dificuldades, sim. Dores ao amamentar, gretas, dúvidas sobre a quantidade do leite produzido, ou o que pode ser feito se o aumento de peso do bebé não está a ser satisfatório, entre muitas outras questões. Mas é tão contraproducente pintar um cenário cor-de-rosa, como é pintá-lo de negro. O que as mulheres têm de saber é que se amamentar implica dor, desespero ou insegurança, é preciso pedir ajuda. A maioria das dificuldades de amamentação resolve-se bastante rapidamente com o apoio certo.

Continua a haver muita informação mal veiculada sobre esse tema? No seu livro diz que é natural que muitas mulheres recebam informação que não só não as ajudará como poderá fazê-las duvidar de si próprias.
Tem de se olhar para o enquadramento histórico. Entre os anos 1970 e 90 houve uma quase dizimação completa da cultura do aleitamento materno. Até aí era uma coisa banal, alimentava-se os bebés dessa forma, havia conhecimento, partilha de saberes. Depois as marcas de leite artificial entraram em força no mercado com um marketing agressivo. Conseguiram fazer crer que o leite da lata era melhor do que o leite da mama.

O que é falso. Aliás, segundo as recomendações da OMS, o aleitamento artificial até aos seis meses só deve ser feito se houver indicação médica, certo?
Eu acho que sim. Mas nos casos em que a mulher quer amamentar. A vontade da mulher deve ser respeitada. No contexto de há duas ou três décadas, muitas mulheres queriam, mas isto coincidiu com a altura em que começaram a trabalhar fora de casa, ainda sem proteção social de licença de maternidade. Ou seja, muito dificilmente conseguiriam amamentar os filhos, quando voltavam ao trabalho um ou dois meses depois do parto. Muitos de nós, bebés dos anos 1970 ou 80, fomos muito pouco amamentados. E perdeu-se o conhecimento que permitia amamentar. Hoje continua a dizer-se às mães para darem mama de três em três horas, 15 minutos de cada lado. Isto faz que a produção não seja regulada pela demanda do bebé mas pelo relógio. Em inúmeros casos é a chave para o fracasso. As mães vão-se cruzar com muita gente que ainda veicula informação errada. E quando as recomendações derem mau resultado, vão duvidar de si próprias e da capacidade de alimentar os seus filhos. A informação e o apoio certos ajudariam a mudar isto.

Apoio, também do outro progenitor?
Sem dúvida. Quando falamos ainda na gravidez, eu quero sempre os homens presentes para falar de amamentação. Eles são muitas vezes os maiores defensores do sucesso da amamentação, reforçando a confiança na própria mulher.

Há mais bebés complicados ou pais complicados?
Eu nunca encontrei pais ou bebés complicados. Acho que há famílias, pais e bebés, em stress e o stress é um ciclo contagioso. É preciso pará-lo, zelar para que todos possam ter as suas necessidades atendidas e tempo para se conhecerem. Porque ser pai e mãe é simples, mas paradoxalmente é complexo. É uma viagem um pouco alucinante, mas maravilhosa, na verdade.