Só para viajantes

Quantas fotografias e vídeos das suas férias tem armazenados no computador, num labirinto informático onde é difícil encontrar o que quer que seja? A pensar nisso, um grupo de jovens do Porto criou a nomadmovement, a primeira rede social para viajantes, onde nada se perde e tudo se transforma – em novas viagens.

Correr a Europa em InterRail deslumbrou João Monteiro mais do que supuha ser possível. Percorreu-a de mochila às costas com três amigos, de avião até à Polónia e depois de comboio pelo Leste Europeu até à Croácia, Grécia e Itália, antes de regressar ao Porto com o coração a mil. Em 35 dias não deixaram monumento ou rua por visitar. Anotavam num diário pormenores que queriam contar aos amigos mais tarde. Fotografavam com duas máquinas para não perderem pitada. Filmavam tudo e mais alguma coisa. João sonhava com o álbum que faria daquele verão de 2009, nada de guardar os registos no computador e perder-lhes o rasto, como sempre acontece. Ao chegar ao presente sem saber do material, decidiu que lhe convinha criar uma rede social diferente das outras, onde os viajantes pudessem partilhar em tempo real com o mundo as suas experiências, sem lugar à desordem. A nomadmovement testa agora os últimos pormenores para arrancar em força no início de fevereiro.

«A dispersão de conteúdos do nosso InterRail, quando quis voltar a eles mais tarde para rever a viagem, deixou-me um vazio que ajudou a que a ideia se formasse, embora o projeto só tenha crescido a sério na minha cabeça em dezembro de 2013», situa o mentor e marketeer da nomadmovement, 24 anos e formado em economia. «Tinha acabado de vir de Madrid com vontade de partilhar a cidade; tinha notas e imagens espetaculares das minhas viagens anuais de esqui em Andorra. Percebi que ficaria tudo perdido em pastas, discos rígidos, redes sociais, e achei que já era altura de conceber uma plataforma que permitisse aos utilizadores registarem as suas viagens em texto, fotografias e vídeo. No fundo, fazerem na hora um diário online organizado cronologicamente.»

Um par de meses depois, a 18 de janeiro de 2014 – João recorda esse dia memorável com o orgulho de um pai que viu a filha dar os primeiros passos –, houve encontro em casa do amigo Pedro Mendes para se ver futebol e discutir o futuro. «Conhecemo-nos desde a infância, os nossos pais já eram amigos e eu sabia que ele programava bem», conta o empreendedor, confiante nas capacidades do web developer de 31 anos, que convidou logo para integrar a equipa. Pedro aceitou e levou consigo Vasco Vinhas, seu colega no curso superior de informática e sócio na empresa de tecnologia EZ4U, web developer de 31 anos como ele. Por sua vez, João convidou Francisco Sousa Otto, economista de 23 anos de quem é amigo desde os 12 (fizeram juntos a escola, a faculdade e o InterRail), que assumiu a parte financeira da nomadmovement.

«O Pedro e eu fizemos uma viagem de seis meses ao Chile, entre 2010 e 2011, e sentimos como nunca a necessidade de uma plataforma como esta que estamos a ultimar agora», sublinha Vasco, que na altura gostaria de ter lido os diários dos que se aventuraram antes dele quando planeava as suas escapadelas para os Andes (é doido por montanhas). Enquanto isso, o amigo voava a baixo custo para Buenos Aires, ali ao lado, e formigava por não poder dar constantemente conta do preço dos alojamentos e dos transportes que apanhava, dos restaurantes, das impressões dos lugares por onde passava, das coisas que via e desejava comparar. «Este tipo de exploração de cidade sozinho, a pé, é algo que me agrada bastante, muito mais do que as montanhas e árvores do Vasco», reconhece o programador. «Temos perfis distintos na nomadmovement, interesses e palavras-chaves diferentes para quem procurar experiências como as que nós vivemos. Mas a verdade é que há espaço de sobra para toda esta variedade.»

Em novembro, indo buscar coragem ao tumulto que os agitava, candidataram-se ao programa para startups do Web Summit, o maior evento de inovação europeu realizado em Dublin, na Irlanda, para o qual foram selecionados. «Mostrámos o projeto lá fora, para testar respostas, e o feedback foi espetacular», aponta João Monteiro, ainda hoje empolgado com o momento em que o CEO do Tumblr, David Karp, pediu que lhe enviassem um e-mail quando a nomadmovement estivesse pronta para os ajudar no mentoring. «Também em Londres fomos às faculdades falar com conhecidos e com amigos de conhecidos, para saber o que acham da nossa rede, e as reações motivaram-nos.» O grupo passou no teste com distinção, além de sair reforçado em dois elementos: Matilde Espregueira, 26 anos e responsável de marketing a viver em Londres (já a conheciam por ser irmã de um amigo de João e Francisco); e Sarah Smith, australiana de 32 anos recomendada por Matilde, que ficou como copywriter.

«Basicamente, a ideia aqui é criar um nicho, um ecossistema amigável, de modo a que os viajantes possam partilhar o seu percurso num ambiente estruturado», explica Vasco Vinhas, satisfeito com os dois mil registos até à data e com o pouco que falta limar em termos de ferramentas e usabilidade. «Existem redes sociais ao pontapé mas, ao falar-se de política e futebol e cinema, tudo ao mesmo tempo, não temos forma de ver nada como deve ser. Quem faz uma viagem gosta de prepará-la, planear o destino e o orçamento. E depois gosta de revivê-la, organizar álbuns, mostrá-los aos amigos e até a desconhecidos que partilhem o mesmo interesse, calcular as milhas percorridas, marcar no mapa os lugares por onde passou e sentir aquela emoção de novo», diz.

As vivências dos próprios criadores agudizaram-lhes a intuição para os passos a dar com a nomadmovement: primeiro, afinar uma página funcional em inglês, universal, disponível em breve também em português de Portugal e do Brasil e em espanhol – o alemão e o francês seguem-se a seu tempo; alimentar parcerias com agências de viagens e bloggers nómadas conhecidos, como João Paulo Peixoto, único português a ter estado em todos os países do mundo, ou Inácio Rozeira, famoso por dar a volta à Índia num sidecar e à América do Sul numa carrinha pão de forma; expandir para o Reino Unido, Austrália, EUA e Canadá (geradores de tendências), Europa, América Latina e outros que o mercado quiser; ter dez mil utilizadores registados ao fim de um mês e cem mil no primeiro ano, um objetivo ambicioso mas não impossível, segundo os jovens.

«Lançámos uma campanha de crowdfunding que nos valeu dois mil euros e esse dinheiro vai ser empregue numa aplicação móvel. Já que a nossa rede foi pensada para os viajantes e sabemos que usam o telemóvel para tudo hoje em dia, achámos que mereciam uma app à medida», revela João, tão empolgado com esta nova etapa como se se preparasse para descer ao centro da Terra. «A necessidade da app tem sobretudo a ver com a produção de conteúdos na mobilidade», concretizam Vasco e Pedro, os homens que executam. «Se aceder agora à nomadmovement no telemóvel, o que existe responde muito bem aos dispositivos móveis, mas não lhe permite fazer upload do conteúdo. Estamos a tratar disso.» Nunca se sabe se, no futuro, será este o clique a desencadear a nossa próxima viagem de mil milhas.