Regresso a casa

George Mendes começou a carreira em restaurantes franceses mas, nos últimos anos, tornou-se o maior embaixador da gastronomia nacional dos EUA. Na semana passada, o chef luso-americano inaugurou uma cervejaria portuguesa em Nova Iorque.

O chef caminha no centro de uma nuvem de pó. Uma dúzia de trabalhadores lixam, furam, serram, colam, pregam e o homem continua a mostrar o espaço. «Aqui vamos ter os mariscos», aponta para uma zona do bar que ocupa grande parte do espaço. «Vais poder comer ao balcão, beber um copo de vinho ou uma cerveja depois do trabalho.»

George Mendes, 42 anos, continua a descrever a seleção de cervejas que vão deslizar pelo balcão, o chão de madeira, os azulejos brancos e azuis, o forno a lenha, os pormenores da ementa. Com cada palavra, como se a poeira assentasse, os papelões desaparecessem, os plásticos fossem removidos, surge o restaurante prometido: uma cervejaria portuguesa no centro de Manhattan. «Sempre soube que queria fazer este conceito, com cozinha portuguesa rústica, mas na altura estava concentrado no Aldea», diz, sobre o restaurante com estrela Michelin que abriu em Nova Iorque em 2009. «Depois apareceu esta oportunidade»: um grande espaço, no cruzamento da Sexta Avenida com a Rua 29, nos limites do bairro de Chelsea, onde o Lúpulo abriu portas nesta semana.

Mendes é filho de emigrantes de Ferreirós do Dão, Tondela, que se mudaram para os Estados Unidos em 1969. Cresceu em Danbury, no Connecticut, onde via a mãe e as tias cozinharem ementas elaboradas para os grandes almoços de família com «25 ou 30 pessoas». Depois do secundário, estudou no Instituto Culinário da América, em Nova Iorque, onde se licenciou, e passou 17 anos entre a Europa e os Estados Unidos, aprendendo a profissão com os melhores mestres culinários do mundo – mas distanciando- se dos sabores da sua infância.

Do Bouley, em Nova Iorque, onde conheceu o mentor, o chef David Bouley, foi para o L’Arpege, em Paris, aprender com Alain Passard. De regresso aos Estados Unidos, tornou-se chefe executivo do Le Zoo e depois trabalhou com Sandro Gamba no Lespinasse, em Washington, DC.
Em 2003 voltou a cruzar o oceano, desta vez para trabalhar com o basco Martin Berasategui, em Espanha, no restaurante com o seu nome que recebe três estrelas Michelin desde 2001. Na Península Ibérica, estava a aproximar-se do estilo que iria definir a sua carreira, mas quando regressou a Nova Iorque foi trabalhar na cozinha norte-americana do Tocqueville. Foi apenas em 2009, quando saiu para começar o seu próprio restaurante, que a viagem de regresso a casa deu uma volta decisiva.

«O Aldea foi o primeiro passo para me aproximar das minhas raízes.» Com uma cozinha rústica mas refinada, o restaurante conseguiu uma estrela Michelin nos últimos quatro anos. E ótimas críticas da New York Magazine e do The New York Times. Mendes também foi distinguido várias vezes, inclusive com a nomeação como um dos «10 Novos Melhores Chefs» da revista Food &Wine.

No outono passado, Mendes publicou My Portugal: Recipes and Stories (ed. Stewart, Tabori & Chang), em que tenta apresentar aos norte-americanos o mundo da culinária portuguesa através de 125 receitas. Partilha também histórias da infância e relatos de viagens para encontrar familiares, investigar as origens dos seus pratos preferidos e entender melhor o mundo em que os pais nasceram.

O luso-americano foi a Portugal toda a sua vida, mas as viagens que fez para escrever o livro, entre 2012 e 2014, que o levaram do Douro ao Algarve, passando por Lisboa e Alentejo, foram as que mais o marcaram. «Foram muito inspiradoras e influenciaram o meu percurso.» Um dos lugares que visitou foi um pequeno restaurante na aldeia dos pais, gerido por João «Faia» Martinha, um ex-emigrante nos EUA, onde teve um restaurante que a família de Mendes costumava visitar. Depois de se reformar, regressou a Portugal. Durante anos, Mendes quis experimentar o seu novo espaço, na Casa do Povo de Ferreirós do Dão. Quando finalmente aconteceu, em 2013, «foi uma experiência emocional» para o luso-americano.

«Não tinha ideia de que a comida do Faia, que experimentara quando era criança, me iria influenciar tanto. É muito poderoso ser chef durante tanto tempo, redescobrir este estilo de cozinhar tantos anos mais tarde e perceber que foi ali que tudo começou.»

Depois de dois anos a escrever o livro, a cozinha portuguesa estava na sua mente mais do que nunca. «Estava menos preocupado em agradar a um paladar nova-iorquino moderno, sem medo de trazer mais cozinha regional e clássica.» Foi nesse momento que surgiu a oportunidade para o Lúpulo.

Depois de o Alfama, em Midtown, ter fechado em 2013, e de o Pão, no Soho, ter encerrado no início deste ano, o Lúpulo abre portas num momento em que não existem restaurantes exclusivamente portugueses em Manhattan. Com participações em dezenas de eventos, visitas regulares a programas de televisão, dois restaurantes e um livro, Mendes está a tornar-se o grande embaixador da cozinha portuguesa nos Estados Unidos.

«Já começamos a ter uma identidade separada de Espanha, mas precisamos de mais restaurantes, mais eventos a celebrar a comida, a cultura, os vinhos.» Muitos dos clientes no Aldea são pessoas que visitaram Portugal e procuram repetir parte da experiência. Outros vêm à aventura. Para quem nunca experimentou esta cozinha, o chef acredita que a semelhança com outras culinárias é vantajosa. «A cozinha portuguesa tem uma alma distinta, mas tem sabores familiares a quem já provou comida espanhola ou italiana. Quando um cliente prova e sente as semelhanças, o azeite, o alho, a cebola, as ervas aromáticas, isso ajuda.»

No menu do Lúpulo há bacalhau à Gomes de Sá ou à Brás, caldo verde, sopa de pedra, sardinhas grelhadas, polvo no forno e muitos pratos de marisco e carnes grelhadas. O chef está entretanto a tentar recriar no novo restaurante o tipo de «experiência autêntica » dos longos almoços de infância no Connecticut. Para o conseguir, comprou um galo de Barcelos, como o que tem no Aldea, e batizou-o de Alexandre, em honra do pai, já falecido. Foi com o mesmo objetivo, de recuperar memórias de um tempo perdido, que recrutou a melhor das armas: Fernanda Mendes, a mãe. «Ela está a preparar-se para ver o que estamos a fazer. Como qualquer mãe portuguesa, vai ter ideias para partilhar.»