Pacientes com imaginação

Aprendem a desenrascar-se, lutam para concretizar sonhos e, perante as limitações das suas doenças, encontram soluções. Depois, partilham-nas no Patient Innovation com outros pacientes, médicos ou cuidadores, em qualquer parte do mundo. O site português foi um dos semifinalistas num concurso de ideias da Universidade de Harvard.

Conceber uma plataforma global, na qual pacientes e cuidadores pudessem par­tilhar conhecimentos e ex­periências. Este foi o ponto de partida de Pedro Olivei­ra para a criação do Patient Innovation, um site de tro­ca de ideias, soluções e conhecimentos na área da saúde. «Hoje em dia, muitas das inovações não partem das empresas, mas dos utilizadores», diz o coordenador do Programa Avançado de Empreende­dorismo e Gestão da Inovação da Católica–Lisbon. «Criam-nas para responder às suas próprias necessidades.»

O professor associado da Universidade Católica já se interessava pelo tema, mas nunca o tinha aplicado à saúde. Depois de começar a fazer pesquisas, encontrou o caso de Tal Golesworthy. O engenheiro mecânico inglês que tinha síndroma de Marfan, uma malformação no coração ­que apresenta risco de vida, concebeu ele próprio a válvula que lhe foi implantada, evitando assim a única solução disponí­vel até então para esse problema congé­nito: a cirurgia. Desde 2005, o modelo já foi usado para outros trinta pacientes com a mesma condição. A maior parte das soluções de pacientes não têm este nível de sofisticação técnica. Mas a espetacularidade das ideias tanto pode estar na complexidade como na imensa simplici­dade. Outro exemplo: «Uma das soluções mais simples consiste em servir as refei­ções dos portadores de demências num prato branco», diz Pedro Oliveira. Pôr de lado os pratos com padrões é suficiente para reduzir, em muito, o tempo que du­ra a refeição e a tranquilidade com que é feita. «É quase embaraçoso de tão óbvio: o doente deixa de perder tanto tempo a tentar espetar o garfo nas flores desenha­das.» Estas e outras soluções, que partem dos pacientes ou cuidadores, interessam também aos especialistas.

A génese do Patient Innovation é exata­mente esta: permitir a troca de ideias e ex­periências, que possam ajudar outras pes­soas. Pacientes, cuidadores ou médicos. A médica Helena Canhão é uma das con­sultoras da plataforma. É ela que faz a tria­gem de todas as soluções carregadas nesta espécie de rede social, conferindo a segu­rança necessária numa área tão delica­da como a saúde. «Pensa-se que há mui­ta ortodoxia na medicina, mas o que exis­te realmente é um grande receio acerca da segurança», diz a reumatologista do Hospital de Santa Maria. Por isso exclui medicação ou outras sugestões conside­radas potencialmente perigosas. «As solu­ções desenvolvidas pelas pessoas que vi­vem a situação não são fáceis de encontrar noutro local e funcionam de forma com­plementar.»

Desde que entrou online, o PatientInnovation viu publicados 242 posts com soluções inovadoras, oriundas de Portugal, Reino Unido, África do Sul, Estados Unidos e Austrália. Tantas e tão boas que se justificou a criação de um prémio para as melhores. Algumas já estão escolhidas e serão divulgadas em fevereiro. A Universidade de Harvard, nos EUA, também reconheceu o potencial da plataforma e elegeu-a – entre 475 ideias – como uma das 18 semifinalistas do Harvard Health Acceleration Challenge. «A nossa candidatura foi a mais comentada e a mais aplaudida», diz Pedro Oliveira.

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CARLOS NOGUEIRA
Paraplégico

O PROBLEMA. Uma poliomielite aos 14 meses levou-lhe o controlo das pernas. Es­tá habituado à cadeira de rodas, mas isso não o limitou. Já saltou de paraquedas, fez canoa­gem, parapente e surf adaptado. Há cerca de quatro anos, durante um evento de surf adaptado, «um grupo de pessoas, quase todos meus amigos», não pôde concre­tizar o sonho de entrar na água e surfar. Eram tetraplégicos e portadores de doenças neuromusculares incapacitantes. Algum tempo mais tarde, conheceu César Lopes, tetraplégico. Um dia o amigo de Marvão confessou-lhe que desejava poder voltar a to­mar um banho de mar. «Prometi-lhe que ia quebrar-lhe o jejum de mar que vivia há mais de vinte anos. E que também o ia pôr a surfar.»

A SOLUÇÃO. A Prancha dos Césares é o produto do esforço de Carlos e outros que, tal como se lê na inscrição nela gravada, ousaram sonhar. Entre eles o brasileiro Taiu, ex-surfista de competição e tetraplégico, que lhe forneceu indicações técnicas; o shaper Su­fi que, sem custos, lhe deu forma, a Associação Salvador que assumiu os custos dos ma­teriais, a Escola Superior de Tecnologias de Saúde de Lisboa que fez o molde da cadeira, a empresa Creative Factory que a construiu. Resultado: a prancha de surf para o César, e para todos os Césares como ele, é a primeira adaptada para tetraplégicos na Europa. Em 2014 foi ao mar de maio a novembro, na praia de Carcavelos, com todos os que qui­seram surfar. Próximo objetivo: mais duas pranchas, uma a norte e outra a sul do país.

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Fotografia de Leonel de Castro/Global Imagens

JOAQUINA TEIXEIRA
Mãe de Gonçalo, portador de síndroma de Angelman

O PROBLEMA. O síndroma de Angel­man afeta o desenvolvimento. Para me­lhorar a qualidade de vida do filho Gon­çalo, portador da doença, Joaquina dedi­cou-se a esta área. Hoje é vice-presidente da Raríssimas – Associação Nacional de Doenças Mentais e Raras. São muitos os desafios, mas ela destaca dois: estimular o Gonçalo para andar e controlar os pro­blemas de sono associados à patologia. «Quando ele tinha 4 anos andava deses­perada porque embora o normal já fosse ele não dormir, quando o pai tinha de es­tar uns dias fora, em trabalho, ele chora­va durante toda a noite.»

A SOLUÇÃO. Joaquina espalhava balões pela casa e o fascínio de Gonçalo por eles estimularam-no a manter-se de pé para os conseguir agarrar – e, assim, começar a andar. Quanto ao problema de sono, so­bretudo nas ausências do pai, lembrou-se de «uma figura que pudesse deitar junto dele para parecer que era o meu marido». Foi a uma sexshop e comprou um boneco insuflável. Vestiu-lhe o pijama do marido e, quando ele não estava, enfiava o boneco na cama com o Gonçalo. Resultou, o filho sossegava e dormia melhor. Chegaram a usar o boneco mesmo com o marido em casa: «Ele ia deitar-se um pouco com o Gonçalo e quando saía deixava o boneco no seu lugar.»

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DIOGO LOPES
Doença de Charcot-Marie-Tooth

O PROBLEMA. Quando, aos 5 anos, aprendeu a tocar piano, não sabia a importância que isso viria a ter na sua vida. Aos 10, chegou o diagnóstico: Charcot-Marie-Tooth, uma doença pouco conhecida até entre alguns médicos. «Andava há cinco anos a fazer fisioterapia às mãos sem saber.» Com o piano.  A do­ença neurodegenerativa provoca, com o passar do tempo, da­nos na condução dos impulsos elétricos através dos músculos, o que resulta, a longo prazo, em debilidade e atrofia muscu­lar com consequentes problemas ortopédicos, sobretudo nas mãos e nos pés. Agora com 15 anos, Diogo já escreveu um livro, ContraBaixo (ed. Alfarroba) e fundou uma associação de apoio aos portadores da sua doença.

A SOLUÇÃO. «Ao contrário de muitas pessoas da sua idade, o Diogo ainda não tem deformidades ósseas nas mãos, possivel­mente, graças ao piano», diz a mãe, Susana Moura. Isto foi o que o Diogo partilhou no arranque da plataforma, mas entretanto, chegou a vez de, também ele, ter conhecido uma ideia que lhe pode mudar o futuro. Chegará o dia – quem sabe quando – em que a progressão da doença implicará a perda de forças nas per­nas e uma operação ao pé. Pressionar os pedais do piano vai dei­xar de ser possível. Ivan Owen, um antigo manobrador de ma­rionetas, concebeu um dispositivo através do qual o Diogo po­de acionar o pedal colocando o joelho para o lado. Recebida a ideia, Diogo já reuniu com dois engenheiros do Instituto Supe­rior Técnico que, partindo da ideia de Owen, estão a estudar a criação de um dispositivo móvel através do qual seja possível acionar os três pedais do piano.

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ISABEL PEREIRA DOS SANTOS
Atrofia das pernas causada por sequelas de poliomielite

O PROBLEMA. Teve poliomielite aos 18 meses e isso obrigou-a sempre a adaptar-se. Pragmática, vive sozinha e está habituada a desenrascar-se. Cos­tuma andar de canadianas ou, se es­tá mais cansada, de cadeira de rodas. «Há dois anos parti um pulso e não po­dia pôr-me de pé com as canadianas.» Quando saiu do hospital e foi para casa tratou logo de perceber se podia ficar sozinha. Percebeu que as transferên­cias – da cama para a cadeira ou desta para a banheira, por exemplo – seriam o principal problema. Também sen­tia, desde sempre, alguma dificulda­de com a mobilidade na casa de banho.

A SOLUÇÃO. «Quando cheguei do hos­pital, pensei no que tinha em casa. Fui à cozinha buscar uma tábua de banca­da» (sim, daquelas de cortar a carne e os legumes). Experimentou, viu que fun­cionava e percebeu que não valia a pe­na gastar setenta euros numa tábua de transferências. Com uma tábua de co­zinha de três ou quatro euros fazia o mesmo. Para se movimentar com mais facilidade na casa de banho vai man­dar construir de raiz uma bancada a to­do o comprimento da altura da cadeira de rodas. Assim faz apenas uma trans­ferência e consegue depois movimen­tar-se só com a força dos braços entre a sanita, zona para secar e vestir e duche. «Se funcionar bem, vou também fazer o upload desta ideia na plataforma para partilhar com os outros.