Os flashes depois dos 40

Um geógrafo e técnico superior da administração pública que, depois dos 40, se fez modelo, surfista e blogger? Sim, existe. Chama-se Francisco Cipriano, tem 45 anos, cabelo grisalho cortado ao estilo dos anos 1930 e uma barba carismática, como ele.

Nasceu e cresceu no Bombarral, onde aos pais tinham um negócio familiar, mas cedo percebeu que o futuro não passava pela terra natal. «Sentia uma espécie de limitação, sabia que havia um mundo para descobrir e que tinha, logo que fosse possível, de sair dali. Gosto de lá voltar, de visitar amigos e familiares, mas é só», diz Francisco Cipriano, que escolheu Lisboa como destino, quando chegou o momento de fazer os estudos superiores.

Mestre em Geografia e Planeamento Regional e Local, pela Faculdade de Letras, começou a trabalhar na Direção-Geral do Desenvolvimento Regional, atual Agência para o Desenvolvimento e Coesão, tendo parte da sua carreira estado ligada às políticas públicas, gestão e implementação de programas e projetos estruturais da União Europeia e dos Fundos Comunitários, em Portugal. Entre 2000 e 2013, coordenou equipas ligadas ao Ministério do Ambiente dos governos de Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates e Pedro Passos Coelho, até que, no ano passado, pediu uma licença sem vencimento para integrar a equipa que estuda e acompanha as oportunidades de cofinanciamento de projetos através de fundos europeus, da Fundação Calouste Gulbenkian.

 

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Mas a vida profissional nunca bastou a este homem que queria explorar o mundo. «Pode parecer um cliché, mas viajar está-me no sangue. Desde que comecei a ter capacidade económica que visito países, cidades, lugares longínquos, que me abrem os horizontes e me fazem verdadeiramente feliz. Já estive nos quatro cantos do mundo, da Austrália à Islândia, Japão, Sri Lanka, passando pela Patagónia ou pela Jordânia.» Uma veia de explorador que não se esgotou nas viagens. Nos anos 1990, teve o seu primeiro contacto com o mundo da moda quando foi convidado para fazer trabalhos pontuais como modelo, devido à sua imagem de executivo. «A publicidade gostava de mim. Durante algum tempo, achei que era suficiente, até começar a ter verdadeiro interesse por esta área. Queria mais, mas ainda não sabia como chegar a esse mais», conta.

Descobriu-o em 2009, quando fez 40 anos e uma lista de desejos a concretizar a partir desse dia. O primeiro do resto da sua vida. Conversou com a mulher, expôs-lhe os seus projetos e anseios e deu início a uma nova fase, primeiro pessoal e mais tarde profissional. «Os 40 anos marcaram um marco na minha vida. Mudei de visual, deixei crescer a barba, contactei agências de modelos e propus-me para fazer trabalhos, sabendo que o que queria experimentar era a passerelle e os editoriais. Foi um percurso gradual até que, em 2014, comecei a ver realizados os meus objetivos, com a participação no desfile do Nuno Gama na ModaLisboa.»

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Nos últimos cinco anos, escalou o Kilimanjaro, começou a surfar regularmente, escreveu um guia sobre surf – Portugal Surf Guide – com António Pedro Sá Leal, criou um blogue sobre viagens e fotografia, o Tricky Traveler (www.trickytraveler.blogspot.com), e participou no Project60, do fotógrafo Brock Elbank, que queria fotografar 60 pessoas com barba, num projeto que se transformou em campanha de sensibilização para o cancro da pele e que estará em exposição na Somerset House, em Londres, em março deste ano. «Sou um curioso e um auto didata. Percebi desde cedo que se quero fazer aquilo de que gosto tenho de ser perspicaz e ir à procura das oportunidades. Desisti de ficar à espera, arregaço as mangas e arrisco.»

Este seu lado aventureiro tem-lhe permitido concretizar sonhos e ideias. A palavra medo não faz parte do seu dicionário. Admite que a sua imagem chama a atenção e conta que já lhe pediram para tirar a barba para um anúncio e que recusou porque esta é a imagem que quer manter, até deixar de se identificar com ela. Gosta de moda, gosta da diferença, gosta de sentir que tem a liberdade de escolher o que quer e o que não quer, apesar de ter a noção de que «há limites» e de que, a nível profissional, «há regras» a respeitar, sem fundamentalismos.

2014 foi o ano em que verdadeiramente começou a estar na moda e a chamar a atenção, em particular por ser já um homem «de barba feita» e por cultivar um estilo urbano clássico. Mudou de agência de modelos, da Just para a Central Models, por sentir que não estava a ser bem trabalhado e rentabilizado. «Não sou modelo profissional nem desejo, de repente, assumir esta carreira, mas gosto de estar envolvido nela e trabalho para isso.» Atrai o interesse de fotógrafos importantes internacionais, como foi o caso de Brock Elbank, mas também de Heike Himmel, David de Olalde ou Tim Collins.

O trabalho com este último resultou de uma conversa inicial através do Facebook e acabou por se realizar em Lisboa com o investimento do próprio Francisco Cipriano: «Era a única forma de o viabilizar. Acredito que quando queremos muito uma coisa conseguimos concretizá-la, mas é preciso ir à luta.»