O poder dos bons hábitos

Ao levantar-se toma duche, o pequeno-almoço, vê e-mails, lê o jornal ou vai correr? Julgamos controlar os nossos hábitos, mas na maior parte do tempo são eles que nos controlam a nós. Saber como funcionam para mudar os piores a nosso favor é assunto para vários livros.

Acordar cedo, passear o cão, beber um litro de água, tomar café de manhã, escovar os dentes, ser pontual, ler na cama. Os nossos dias estão repletos de gestos que não nos damos conta de executar, ao ponto de passarem sem sabermos bem como gastámos o nosso tempo desde que saímos de casa até ao deitar. «É um dos maiores benefícios do hábito: permite-nos desligar de comportamentos repetitivos para pensarmos noutras coisas, como planear viagens ou aprender uma língua nova», explica Jeremy Dean, doutorado em psicologia e autor do recém-publicado Porque Fazemos o Que Fazemos. «Os nossos hábitos, automáticos e inconscientes, mantêm-nos seguros mesmo quando a mente consciente anda distraída.» Olhamos para os dois lados ao atravessar a rua, ainda que tenhamos a cabeça nas férias em Paris. Usamos luvas para mexer no forno apesar de alheados a pensar se o peixe assou demais. É com os maus hábitos que queremos mudar que tudo se complica.

«A maioria das nossas rotinas diárias parece resultar de decisões ponderadas, mas mais de 40 por cento são fruto de hábitos», confirma Charles Duhigg, jornalista do The New York Times e autor do livro A Força do Hábito – a pesquisar para o qual reparou, e corrigiu, uma péssima rotina em si mesmo: a de comer um bolo no bar todas as tardes, o que lhe valeu cinco quilos a mais. «Apesar de cada hábito ter pouco impacto sozinho, com o tempo aquilo que comemos, dizemos aos nossos filhos, decidimos poupar/gastar ou a frequência com que fazemos exercício tem grande influência na nossa saúde, produtividade, finanças e felicidade.» Qual foi a primeira coisa que fez hoje ao levantar-se? Tomou um duche, o pequeno-almoço ou viu e-mails? Que caminho seguiu para o trabalho? E de volta a casa: calçou uns ténis e foi correr ou jantou frente à televisão? «Nenhuma destas decisões foi uma verdadeira escolha», reitera Duhigg. «São hábitos.» Compreender como funcionam torna mais fácil criar outros novos e melhores.

Estudos diversos mostram que é comum os hábitos enraizados passarem por cima das nossas intenções conscientes, sobretudo em circunstâncias que nos são familiares: quem nunca foi à casa de banho lavar os dentes e acabou a pentear-se? Ou foi ao frigorífico buscar Nutella e acabou com um copo de leite na mão? «Numa casa nova, fazer uma sandes torna-se uma provação à medida que, conscientemente, temos de pensar onde estão as facas e os pratos», observa Dean, ciente de que tendemos a realizar as mesmas ações nos mesmos contextos em todas as áreas da nossa vida. Num novo emprego é igual: ao sentirmo-nos deslocados, falham-nos os modos de nos comportarmos como era costume. «Se juntarmos isso ao tempo que demora até os hábitos se formarem, não admira que achemos difícil mudar os nossos comportamentos quotidianos.»

No caso de Duhigg, o hábito de comer o bolo de chocolate entre as 15h00 e as 16h00 era causado pela recompensa de uma distração passageira e não pela fome. Entender o ciclo motivou-o a pôr um alarme para as 15h30, passar pela secretária de um amigo e conversar dez minutos com ele, até o gesto se tornar automático. «O segredo é assumir que apenas podemos modificar o comportamento e não extingui-lo, identificar o gatilho e a recompensa, e escolher depois um comportamento melhor que pareça conduzir a uma recompensa idêntica», diz o jornalista. Quando um hábito nasce, o cérebro deixa de participar plenamente na tomada de decisões e concentra-se noutras tarefas. Não sabe distinguir os bons hábitos dos maus, o que requer uma grande dose de repetição e força de vontade para criar novas rotinas – como mudar de dieta ou correr – que se sobreponham às antigas – comer bolachas ou refastelar-se no sofá. «Nem sempre é fácil ou rápido. Mas é possível», garante.

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E quanto tempo demora, afinal, a criar um hábito? O que é preciso? As respostas às million-dollar questions do processo não são consensuais, embora um estudo da University College London citado por Dean, em que se pediu a 96 participantes que escolhessem um comportamento – correr 15 minutos à noite, comer uma peça de fruta ao almoço, fazer 50 abdominais ou beber um copo de água ao pequeno-almoço –, tenha concluído que houve uma variação significativa no tempo que levou a enraizar o hábito, dependendo do que cada um tentou fazer. «Muitos autores resumiam tudo a 21 dias, fosse fazer exercício, deixar de fumar ou dar cambalhotas, mas a resposta mais simples é que, em média, passaram 66 dias até à formação de um hábito», conclui o psicólogo inglês. Vinte dias chegarão para beber o tal copo de água, mas não para comer a fruta (o dobro do tempo) ou para os abdominais (ninguém os automatizou em 84 dias).

Inês Afonso Marques, psicóloga clínica e coordenadora da área infantojuvenil da Oficina de Psicologia – onde se apercebe da importância dos primeiros anos na formação de bons hábitos –, atesta que os 21 dias habitualmente referidos não são lei, pelo contrário: «Esse tempo é variável consoante a pessoa, o comportamento em questão e as circunstâncias contextuais, pelo que tanto pode demorar uns dias como vários meses.» Fundamental é desejar mudar e comprometer-se com isso (seja a ganhar um hábito bom ou a livrar-se de um mau), traçar um plano de ação que não se fique pelas intenções vagas e encontrar na agenda espaço e motivação para as novas rotinas: quanto mais repetirmos um comportamento, maior a probabilidade de este se tornar instintivo. «O que ocorre em termos cerebrais é, no fundo, uma reprogramação de novas redes neuronais associadas a esses comportamentos», diz.

A INTENÇÃO FAZ A FORÇA
Em Vencedoras Por Opção: Incerteza, Caos e Sorte, os autores Jim Collins e Morten T. Hansen demonstram que o sucesso ou fracasso das empresas, tal como o das pessoas, são mais determinados pelas “escolhas” que fazem do que por questões ligadas à genética ou ao acaso. Stephen R. Covey propõe a mesma ideia n’Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes, oito anos na lista dos mais vendidos após ser lançado nos EUA (em 1990) e considerado um dos livros mais influentes do século XX no mundo dos negócios. Sendo o hábito simultaneamente um modo de comportamento, de pensamento e de efeito que provoca, Covey defende que certos hábitos numa pessoa – ser proativa, começar com o objetivo na mente, dar primazia ao mais importante, pensar em vencer para consegui-lo, compreender para ser compreendido, “sinergizar” e afinar o instrumento – determinam o fundamental da sua eficácia (ou ineficácia).

«Como as nossas escolhas são influenciadas pelos nossos padrões de pensamento, e esses padrões são justamente os que estão associados aos nossos hábitos, eu diria que vencer ou fracassar constituem, de facto, hábitos», sublinha Mário Ceitil, vice-presidente da Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas (APG) e coautor de Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes Para Principiantes, em conjunto com Emanuel Teodósio e Maria João Pantaleão. À semelhança de Covey, o especialista acredita que o aspeto central que determina a maior ou menor probabilidade de mudança é, verdadeiramente, querer mudar e fazer algo para isso. «Podemos ter características que facilitem a mudança ou a dificultem, mas não é isso que determina aquilo que as pessoas são e sim o que podem fazer com esses recursos.»

Acima de tudo, insiste, a compreensão de como as rotinas controlam o nosso comportamento pode ajudar as pessoas a mudarem, a par do trabalho com a natureza automática e inconsciente dos hábitos. Estudos psicológicos, filosóficos, neurocientíficos e neurolinguísticos dão-nos pistas sobre como agir ao nível dos hábitos alimentares, do sono, da boa forma física ou até das dinâmicas empresariais e, aqui, um elemento importante a ter em conta é saber evitar a autossabotagem – particularmente associada à falta de comprometimento com a mudança, à falta de crença no sucesso ou a um planeamento desajustado (definindo objetivos vagos ou demasiado exigentes).

«Em vez de pensar “Vou ficar em forma e para isso tenho que me mexer”, a pessoa pode definir a mudança dizendo “Vou sair quatro dias por semana na paragem antes da habitual e caminhar dez minutos”. É importante assumir pequenos passos e mudar um de cada vez», avisa Inês Afonso Marques. A investigação mostra ser mais fácil criar novos hábitos do que eliminar os antigos, visto que repetir um dado comportamento molda e ativa certas “vias cerebrais” (através das quais os neurónios comunicam entre si sobre aquele comportamento) que se cristalizam com o tempo. «Acabar com um hábito é mais complicado porque essas vias, apesar de enfraquecidas pela falta de uso, podem reativar-se com pequenos gatilhos.» É a situação de muitos ex-fumadores que entre amigos, ao cederem a um cigarro, dão margem a que o hábito regresse. A boa notícia de sermos aquilo que fazemos repetidamente, já dizia Aristóteles para animar os esmorecidos, é que também a excelência é um hábito ao alcance de todos.