Mais um nicho de mercado para sairmos da crise

Notícias Magazine

No domingo passado, na já tradicional marcha de orgulho gay em Nova Iorque, muitas bandeiras arco-íris, muito beijo e abraço, muita lantejoula. Desta vez ainda mais porque se celebrava a recente decisão do Supremo Tribunal que considerou anticonstitucional proibir casamentos entre gays em qualquer estado do país. A marcha desceu a Baixa de Manhattan, muita cor, até chegar à esquina entre a Quinta Avenida e a Rua 15, onde por trás de barreiras metálicas estava um grupo com cartazes de protesto: «O judaísmo proíbe a homossexualidade.» Eram, apregoavam, do Comité Judaico de Ação Política, um grupo de judeus ortodoxos de Brooklyn, paramentados com talets e tzitzits , xailes de oração com franjas. Um pormenor bizarro (e olhem que era preciso ser bizarro para se destacar no ambiente de excentricidade que percorria a cidade): aqueles contramanifestantes pareciam estar mais habituados ao sombrero e a trajes pomposos dos mariachis. De facto, eram mexicanos contratados.

Um jornalista do New York Times foi saber se eram sefarditas de Guadalajara ou asquenazes de Tijuana, mas não. Eram mexicanos que nem sabiam o que era o Talmude. Homens alugados para manifestar ou contramanifestar, assim lhes diga quem os aluga. No caso, o Comité Judaico queria marcar uma posição sem expor os seus a Sodoma e Gomorra. Os rabinos de Brooklyn não queriam que os yechivah boys, os jovens estudantes dos livros sagrados, assistissem ao pecado a desfilar. E os alugados lá foram, com o mesmo estado de alma sereno dum editorialista a quem o diretor manda escrever sobre o governo: «Por ou contra, chefe?» Naquela tarde, a palavra de ordem era contra. «Deus criou um Adão e uma Eva, não um Adão e um Elviro», diziam os cartazes dos mexicanos.

Mais do que a conjunção de shalom com gente de «olés!», ilha submersa numa multidão de homens de mão dada apertados em fatos de licra e mulheres a beijarem-se na boca, mais do que estes abraços e choques de civilizações, interessa-me o nicho de mercado. Nos Estados Unidos, existem empresas onde é possível alugar manifestantes. Uma tal Crowds on Demand (Multidões a Pedido), com escritórios em Nova Iorque e em todas as grandes cidades americanas, fornece a mão-de-obra para gritar o que o cliente quer. Massas protestárias ou massas laudatórias, como as camionetas que desde sempre arrebanharam nos municípios alentejanos ou beirões para vir à capital assobiar os governos ou aplaudir os governos. A novidade americana é que o aluguer não é feito por partidos ou pelo Estado, mas destina-se à iniciativa privada.

De grupos de pressão, como o referido Comité Judaico, mas também dum qualquer indivíduo com ganas de que lhe acariciem o ego. Tal como os cronistas que compram cliques para lhes insuflar a popularidade, um visitante de Los Angeles tem a possibilidade de se passear com a ilusão, dada a si próprio e aos transeuntes, de que é uma estrela. A Crowds on Demand fornece, por dois mil dólares, uma dezena de paspalhos a aplaudir, quando o cliente visitar o Passeio da Fama, em Hollywood. Dois guarda-costas e dois fotógrafos a fazer pipocar as máquinas estão incluídos no preço e ajudam a completar a ilusão. A dezena de paspalhos parece pouco? Olhem que não, isso são os pagos. Porque mal o movimento se inicie, aparecem grupos de verdadeiros (e gratuitos) turistas chineses ou japoneses que, entre gritos e aplausos, convencem todos, até o próprio, de que passa por ali o dono dum Óscar.

Confesso, eu estaria tentado a comprar os serviços duma empresa dessas. Como sou tímido, queria uma coisa subtil. Ia à loja do Nespresso e, ao sair, quatro ou cinco garotas olhavam instintivamente para o ar, como se fosse cair um piano. Nenhuma palavra era dita, mas eu subiria o Chiado convencido de que me confundiram com o George Clooney. Pago 50 euros.

[Publicado originalmente na edição de 5 de julho de 2015]