Hillary Clinton. Ou melhor… Hillary Rodham

Notícias Magazine

Sabiam que a Hillary usa brincos de mola? Ah, pois é. Diz que ela tem medo das infeções nas orelhas – e por isso nunca as furou. E os fatos calça e ca­saco de cores variadas, que já deram origem a memes na internet e artigos de revistas, conhecem? São um artifício de mulher poderosa ou uma tática de mulher pragmática? O cabelo… Já me ia esquecendo do cabelo. Curto, mais menineiro. Comprido, com ganchinhos, agitado para trás numa conferência de imprensa – ui, a tinta que correu por causa dele…

Pronto, já falei de moda – o assunto que traz esta revista ao leitor, esta semana – e de Hillary – o assunto que aqui me traz esta semana. E assim, de uma cajadada, arrumei com o tema. E libertei Hillary da questão moda. É importante libertar uma mulher que é candidata a um dos cargos mais influentes do mundo de um tema que inevitavelmente a vai perseguir nessa empreitada. Isto parece conversa feminista, mas não é. É a crua verdade dos factos que a história nos ensina: quando é candidata ao que quer que seja, uma mulher está em desvantagem porque tem de corresponder a muito mais cate­gorias do que um homem nas mesmas circunstâncias. E essas categorias po­dem ser tão irrelevantes para o assunto como se é bonita ou feia, charmosa, veste bem ou mal, está gorda ou magra. Um dia, talvez nos libertemos dessas categorias. Isso ainda não aconteceu. Há exceções que confirmam a regra e Angela Merkel é uma delas – está tão distante destes assuntos que quando eles se levantam batem contra a carapaça do seu poder real.

Vamos entrar num período interessante, na política americana, ca­da vez mais estatística, em que todas as décimas contam como pormenores em que se pode revelar o diabo. De forte simbologia e momentos semióticos. Vai ser muito educativo observar, deste lado mais cínico do Atlântico, como o mun­do vai evoluir, mais uma vez, através do motor americano. Qual irá ser o grau de «ser mulher» que a campanha de Hillary trará para a liça? O assunto será apresentado como «de mulheres», da humanidade, do ponto de vista da gestão – quando há mulheres a mandar as empresas são mais lucrativas – ou ainda com a forma moderninha do «sou mulher e então?» – num muito americano «so what?!». Que partes da biografia de Hillary irão ser os calcanhares a que se agarrará a matilha republicana – que, é preciso não esquecer, tem neste mo­mento entre os seus mais proeminentes candidatos a candidatos alguns dos mais conservadores? Irão ser referidas sub-repticiamente questões de géne­ro? Ou as políticas externas americanas? O défice ou a cama? Monica Lewinsky ou Bin Laden?

Há duas ironias que são a marca de água desta candidatura. A primeira é que ela é o segundo round. Hillary perdeu há nove anos as primárias para Obama, e isso aconteceu precisamente no campo da simbologia: entre a pos­sibilidade de ter o primeiro presidente negro e a primeira presidente mulher os democratas preferiram dar aos Estados Unidos a primeira. A segunda iro­nia prende-se com a própria biografia da candidata: ela já foi a mulher que abandona a carreira, a sua vida, para se dedicar à do homem com quem era ca­sada. Quando Bill e Hillary casaram, em 1975, ela manteve o seu nome de sol­teira, Hillary Rodham. Era uma advogada de sucesso no Arkansas e os jornais referiam-se a ela como Miss Rodham, Ms. Rodham ou Rodham. Quando o ma­rido foi eleito governador – o tema tornou-se assunto e, em 1980, o opositor Frank White – que fazia questão de se referir em discursos à sua mulher como «Mrs. Frank White» – ganhou. Quando Bill anunciou, em 1982, que ia candi­datar-se de novo ao cargo, Hillary já era Rodham Clinton. Só a vitória poderá apagar esta mancha – e tornar Hillary de novo num exemplo mundial.

[Publicado originalmente na edição de 19 de abril de 2015]