Há mais vida académica para além das praxes

O sucesso na universidade começa na boa integração dos alunos. Pelo segundo ano, os caloiros do ISCTE-IUL, em Lisboa, foram recebidos com um programa de boas-vindas que envolveu professores, associação de estudantes, antigos alunos e empresas. Quatro dias de projetos, workshops, prémios, voluntariado, festas e música. Para evitar lamentáveis episódios de praxe académica como o ocorrido na semana passada na praia de Faro.

QUEM É SUSANA CARVALHOSA?
Pró-reitora e professora no Departamento de Psicologia Social e das Organizações do ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa), licenciou-se em Educação Especial e Reabilitação na Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa. Onze anos depois doutorou-se em Psicologia na Universidade de Bergen (Noruega). A prevenção da violência e do bullying em contexto escolar é uma das suas áreas de investigação.

Lembra-se de como foi recebida no seu primeiro dia de estudante universitária?
_Lembro-me perfeitamente da primeira aula na Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa, dos muitos colegas sentados no auditório e de como aquilo me pareceu imenso e bastante ameaçador.

Existiam praxes?
_Existiam. Não só nos primeiros dias. Aconteciam vários momentos de praxe ao longo do primeiro ano letivo.

Aderiu, na altura?
_Aderi. Algumas atividades de praxe acabavam por ter uma certa piada. Uma vez, quando saímos da piscina, depois de uma aula, percebemos que não tínhamos roupa para trocar. Entrámos na faculdade em fato de banho para recolhermos as nossas roupas…

Imagino que não tenha sido muito agradável.
_Sim, na altura não foi. Viemos a saber depois que era uma prática de há muitos anos.

Ainda fazem sentido as praxes tradicionais?
_As atividades de integração que fomentem o conhecimento entre os alunos é algo que faz muito sentido. Agora, a forma como muitas vezes essas atividades são feitas, em formato de praxe, agressivas, onde há alguma humilhação e abuso de autoridade, não faz sentido de maneira nenhuma. A passividade, o olhar para o chão, o não colocar perguntas, são indicações contrárias às competências que queremos num aluno do ensino superior.

Terminou há poucos dias o IULCOME, um programa de receção aos caloiros lançado pelo ISCTE, com workshops, trabalho de equipas sobre temas previamente escolhidos, apresentações, ações de voluntariado, festas, música. No balanço final, pode dizer-se que a prática desses quatro dias comprovou as boas intenções do programa?
_Neste ano, o programa estava no calendário de todas as escolas do ISCTE. Não houve aulas, exatamente para dar a possibilidade de participação aos docentes, como tutores, e aos alunos, tanto os novos como os mais velhos, envolvidos como mentores. Foi um trabalho desenvolvido ao longo do ano letivo passado para que pudesse resultar em pleno de acordo com a avaliação feita na primeira experiência.

A participação dos alunos é obrigatória?
_Não, a participação é voluntária. No programa de inscrição e de matrícula, é-lhes perguntado se querem participar – existe um link para o calendário de atividades. O grande objetivo é promover o sucesso académico…

Sucesso académico que começa a ser construído, na sua opinião, logo pela integração dos novos alunos?
_Não podemos esperar que um aluno esteja atento nas aulas se nos seus primeiros dias não faz ideia de como funciona o sistema de e-learning, onde é que são as salas, como é que faz uma pesquisa na biblioteca. A sua atenção não vai estar concentrada na aprendizagem porque tem um motivo de preocupação, que é este mundo novo que se lhe depara. Tudo isto é preparado nestes dias. É um conjunto de competências que adquirem, conhecendo os colegas, os docentes, os espaços e os serviços que o ISCTE tem ao dispor. Ontem [21 de setembro], quando começaram as aulas, os alunos estavam preparados para o que ia acontecer.

No fundo, é a universidade a apresentar o cartão de boas-vindas.
_Exatamente. Há investigação que nos diz que um dos fatores que dificultam o sucesso académico é a transição para o ensino superior. Facilitar e promover a integração é determinante. Para um sucesso pleno, o aluno tem de desenvolver também um conjunto de competências relacionais que potenciam depois os bons resultados académicos, como, por exemplo, saber colocar perguntas aos professores ou trabalhar em equipa. Tem de ter formação sobre criatividade para conseguir apresentar respostas diversificadas aos desafios colocados pelos docentes. Tem de ter formação em empreendedorismo, sobre os passos e tudo o que deve considerar para implementar as suas ideias.

Falou dos desafios dos professores. A sua participação também é voluntária?
_Também. No final do ano letivo foi enviado um e-mail para todos os docentes e estudantes com o programa que iríamos desenvolver em setembro, o tipo de tarefas e um formulário de inscrição.

O número de alunos e de professores inscritos aumentou em relação a 2014?
_Todos os números duplicaram. No ano passado tivemos 15 docentes envolvidos, neste ano estiveram 30 a acompanhar as equipas. Inscreveram-se praticamente 500 alunos, metade do número total que entrou este ano no ISCTE. Em 2014 não chegámos aos 300.

Durante o programa, segundo percebi, as equipas de cinco alunos são desafiadas a apresentar trabalhos sobre um tema previamente escolhido.
_Há cinco temas diferentes e as equipas são alocadas a cada um deles: «Desenvolvimento social», «Portugal no mundo», «Sustentabilidade e ambiente», «Aldeia global» e «Quotidiano universitário». Tivemos cem equipas, vinte cada tema, constituídas por alunos de diversas licenciaturas. É interessante ver projetos comuns de estudantes de Ciência Política, Psicologia, Gestão, Finanças, Engenharia ou Telecomunicações.

Uma vez que os novos alunos ainda não se conhecem, quem é que forma as equipas?
_São formadas pela organização. Quando os estudantes, no primeiro dia, fazem o check in ficam a saber qual é o tema e quem é o mentor. Os tutores, por sua vez, acompanham duas ou três equipas do mesmo tema. No último dia, dois dos melhores projetos apresentados de cada tema foram a uma final e um júri, constituído por antigos alunos, elegeu o melhor. Neste ano tivemos uma outra inovação: os próprios alunos votaram online, em direto, após as apresentações dos projetos…

Todos os alunos assistem às diferentes apresentações?
_Sim. Tivemos uma aplicação informática desenvolvida para a votação em direto. Houve um projeto vencedor em cada tema.

Que prémios recebem?
_Entidades externas, como empresas e outras instituições, disponibilizaram-se para oferecer prémios às equipas vencedoras. Um é igual para todas: a possibilidade de apresentarem os seus projetos, já a partir de 8 de outubro, no Greenfest, um evento a nível nacional.

Consegue destacar um ou dois projetos?
_Todos foram muitíssimo interessantes, mas posso destacar dois, sim. Sobre o tema «Quotidiano universitário», foi apresentada uma aplicação informática, a ISCTE for You, para facilitar a vida e a comunicação na universidade. Dentro do tema «Sustentabilidade e ambiente», uma equipa desenvolveu o The Bud’s Project, para recolha e reutilização das beatas de cigarro espalhadas por vários locais.

Quem são as empresas associadas aos prémios?
_São empresas ligadas ao GRACE [Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial], que convidámos a associarem-se. Oferecem aos alunos visitas às suas instalações e pequenos-almoços com os seus diretores. A BP, a Michael Page e a Resiquímica.

O objetivo deste ano foi cumprido?
_Os objetivos de curto prazo foram integralmente cumpridos. O feedback dos novos estudantes foi muito positivo. Os estudantes mais velhos confessaram ter pena de não ter tido estas atividades no seu tempo. Os professores, por seu lado, ficaram desde o primeiro dia a conhecer os estudantes e apegados às suas ideias e projetos. Foi também importante a participação de antigos alunos do ISCTE. Lançámos o desafio e tivemos noventa respostas positivas. Vieram, ao final da tarde, comentar as ideias e os projetos dos mais novos, que ouviram respostas como «essa ideia é muito interessante, mas nunca vão conseguir implementá-la» até «se o vosso projeto não ganhar, podem vir falar comigo que eu tenho todo o interesse em implementá-lo». Tivemos ainda um debate sobre empreendedorismo jovem, em que profissionais formados no ISCTE contaram o seu percurso e os seus projetos de sucesso. E vieram representantes de nove instituições do ensino superior de todo o país.

Serviu-lhes de amostra para uma eventual replicação da ideia?
_Sim, puderam conhecer um pouco melhor toda a dinâmica desta atividade na perspetiva de, se assim o entenderem, replicarem as experiências mais positivas nas suas próprias instituições.

Não existiram praxes neste ano no ISCTE?
_Houve atividades de praxe no campus no dia anterior ao início do IULCOME. Tínhamos conhecimento, foi permitido e os alunos foram avisados