Férias offline

Desligar durante as férias tornou-se mais difícil com as novas tecnologias. Smartphones e redes sociais lideram a lista de culpados, com consequências que podem ser muito negativas.

A cena repete-se todos os anos. Chega o ansiado período de férias e a família ruma a um destino há muito planeado para uns dias de descanso. É o momento de ter tempo para aquilo que mais se gosta de fazer. Impõe-se relaxar o corpo e a mente e aproveitar os momentos de lazer. Mas eis que tablets, smartphones, redes sociais e afins, sempre à mão, perturbam os planos idealizados. Parece cada vez mais difícil conseguir desligar das preocupações, do trabalho, dos horários fixos e da «lógica laboral».

Vive-se hoje «a era da solidão acompanhada», diz a psicóloga Sofia Simão. Apesar de existirem tantas redes sociais e uma cada vez maior facilidade de interação, as pessoas «nunca se sentiram tão sozinhas», pelo que é manifesta a necessidade de estar permanentemente ligado e de preencher «um vazio que se intensifica no período de férias». Tal tendência acompanha ainda as novas exigências laborais e a necessidade que «as pessoas têm de controlar tudo o que as rodeia», acrescenta Dina Guerreiro, também psicóloga.

Um estudo realizado pela agência de viagens online eDreams, publicado em abril do ano passado e intitulado On/Off: Férias e Smartphones, conclui que nove em dez turistas europeus utilizam o telemóvel durante as férias e 76 por cento dos inquiridos revelaram que o acesso à internet sem fios é muito importante. Apenas 16 por cento dos portugueses afirmaram não usar qualquer rede social durante as férias. Ficou ainda a perceber-se que o facto de um hotel não ter wi-fi disponível é um problema e pode mesmo constituir uma influência negativa no ato da reserva.

Até que ponto é que o facto de estar constantemente disponível em tempo de férias é prejudicial ao indivíduo e respetiva família? Muitas pessoas só tendem a procurar ajuda depois de algo grave ocorrer, como ter um acidente de carro, adormecer ao volante ou sofrer um enfarte. Quando um indivíduo não consegue retirar qualquer prazer das atividades de lazer e fica a maior parte do tempo submerso em questões laborais, a ajuda profissional pode ser essencial. «Podemos estar perante os chamados workaholics, que são, em regra, cidadãos isolados, que encontram no trabalho o ansiolítico natural», afirma Dina Guerreiro.

Antes de mais, há que tomar consciência de que existe de facto um problema que prejudica a saúde física e psíquica. O tratamento varia de pessoa para pessoa podendo passar pelo acompanhamento individual e da família respetiva no sentido de a capacitarem e dotarem de ferramentas para lidar da melhor forma com o problema. «Se observamos constantemente em clima de descanso comportamentos como: recorrentemente a pessoa vai à internet ver o seu e-mail; passa grande parte dos dias ao telefone; fala com recorrência no seu local de trabalho, nas atividades que desenvolve, entre outros, então estará na altura de abordar o assunto e tentar perceber as motivações do indivíduo para ter este comportamento», alerta Dina Guerreiro.

Ao entrar neste círculo vicioso, o indivíduo não consegue avaliar a prioridade das solicitações e tenta responder a tudo, estando sempre disponível e entrando facilmente numa espiral de stress num momento que deveria ser aproveitado para relaxar e recarregar baterias. Ao mesmo tempo, pode não perceber o quão prejudicial o seu comportamento pode ser. É por isso importante que os familiares próximos estejam atentos e avaliem o quanto o compromisso com o trabalho de determinada pessoa está interferir na sua saúde física e mental, bem como nas relações em família que deveriam ser potenciadas em tempo de férias.

Ainda assim, nem tudo são más notícias. Nem sempre é contraproducente estar ligado ao mundo em tempo de férias. «Acho radical considerar que é totalmente errado estar ligado e disponível durante as férias pois existem pessoas que, em função da sua profissão (por exemplo, os freelancers), poderão inclusivamente perder trabalhos se estiverem vários dias ausentes e desligados.»

Ou seja, não se sinta mal se tiver de responder a um ou outro e-mail que não possa esperar pelo final das férias, mas a partir do momento em que sinta que a sua qualidade de vida piora com a necessidade de estar sempre atualizado, preste atenção aos sinais. «Muitos destes comportamentos assentam numa dependência face à internet e às tecnologias que a pessoa não consegue contornar e gerir por si mesma.»

A ciberdependência tem sido estudada um pouco por todo o mundo, existindo uma investigação portuguesa realizada no ano passado e coordenada por Ivone Patrão, do Instituto Superior de Psicologia Avançada (ISPA), que veio demonstrar que mais de 70 por cento dos jovens – entre os 14 e os 25 anos – apresentam dependência da internet. O estudo Os Jovens e o Uso Problemático da Internet, em parceria com a Nottingham Trent University, veio ainda demonstrar que 13 por cento dos casos mais graves levam a situações de isolamento ou de agressividade. Estes sintomas são verificados em consultas de psicoterapia conforme constata Sofia Simão: «Os casos de pacientes que chegam ao consultório com um esgotamento devido ao trabalho são cada vez mais frequentes.»

A médio/longo prazo, esta dependência em relação ao trabalho pode ter consequências muito graves: aumento dos níveis de stress, ansiedade, frustração, baixa resiliência, irritabilidade, cansaço, desânimo, alterações de humor e até mesmo «conduzir à depressão (quando existe um profundo desfasamento entre as expetativas da pessoa e a realidade). São também cada vez mais frequentes os casos de esgotamento devido à incapacidade de se desligar do trabalho, o que poderá desembocar num descomprometimento e na falta de entusiasmo com o mesmo e com a vida em geral», reforça Sofia Simão. Estes comportamentos podem transformar-se numa «enorme bola de neve», da qual dificilmente se consegue sair sem ajuda especializada. «Todas as relações do indivíduo podem ser colocadas em causa», acrescenta Dina Guerreiro.

Esta problemática dos tempos modernos tem levado a que alguns autores se dediquem a estudá-la. A inglesa Lynda Gratton soma vinte anos de investigação sobre a interligação entre as pessoas e as organizações. Num artigo intitulado The Third Wave of Virtual Work, publicado em coautoria com Tammy Johns, na Harvard Business Review, em janeiro de 2013, refere que «os especialistas preveem que, dentro de poucos anos, mais de 1,3 biliões de pessoas vão trabalhar de forma virtual». No livro da sua autoria The Shift: The Future of Work Is Already Here, publicado em maio de 2011, Lynda Gratton já referia o facto de o trabalho consumir grande parte das nossas vidas e a velocidade com que o mesmo está a mudar tem um impacto extraordinário na vida ativa de cada um de nós em todos os lugares. A também professora de Gestão na London Business School referiu num outro artigo o quanto as novas tecnologias estão a alterar o trabalho, alertando para a denominada «angústia digital» que ocorre quando estamos «desligados do mundo». Andamos literalmente com a internet no bolso e temos acesso a tudo em qualquer dia, hora e lugar. Esta facilidade coloca alguns problemas quando se tenta usufruir de tempos de descanso, tornando-se um grande desafio ficar off quando todos os outros estão on.

COMO DESLIGAR DO TRABALHO
Existem algumas estratégias que podem ser colocadas em prática. Experimente e usufrua da melhor forma do tempo de descanso. » Parar de pensar no trabalho durante as folgas ou férias é adquirido num processo gradual, até que passará a fazer parte da rotina e a ser integrado naturalmente no seu dia-a-dia.» Ocupe-se em atividades de lazer, como por exemplo, a leitura, a pintura, o cinema, as artes em geral.» Invista em relações de qualidade, combine atividades com amigos e familiares.» Responda apenas aos e-mails de trabalho muito urgentes.» Deixe o computador, o tablet ou o telemóvel de lado e estabeleça um tempo específico para as atividades profissionais, e só se forem imprescindíveis.» Dedique-se à prática de atividade física regular ou a um hobby de que goste e para o qual habitualmente não tenha tempo.

(Fonte: Dina Guerreiro e Sofia Simão, psicólogas clínicas)