Donos de casas desesperados

Sabe se a cama onde dorme oito horas diárias, durante 20 ou 30 anos, está exposta a radiações naturais ou artificiais? Acorda com energia? E o seu local de trabalho é sadio? A Habitat Saudável «cura» lugares doentes e constrói outros de raiz para tratar da sua saúde.

Nas horas que passava a con­ceber projetos de arquitetu­ra, a cabeça cheia de normas aprendidas na universida­de, Marcelina Guimarães suspirava por métodos de trabalho que se enquadrassem mais na sua sensibilidade para com o planeta. Parecia-lhe absurdo não haver lugar no país para o conceito de arquitetura integrativa, quan­do é tão comum no estrangeiro. Miguel Fer­nandes, o marido, geógrafo, sentia o mesmo vazio, sobretudo ao fazer uma pós-gradua­ção em Higiene, Segurança e Saúde no Tra­balho que o alertou para o facto de as nos­sas casas, a localização e os materiais com que são construídas terem efeito no bem-es­tar humano. Após muita formação em sabe­res tão diversos como a geobiologia, o feng shui tradicional ou a geometria sagrada, co­nhecidos há milhares de anos por quem vi­ve em harmonia com a natureza, criaram a Habitat Saudável em março de 2014. Uma empresa que projeta e harmoniza espaços para cuidar da sua saúde.

«Os primórdios da ideia surgiram há cer­ca de três anos, quando percebemos que a casa onde vivíamos na altura, alugada na Maia, nos estava a causar alguns desequi­líbrios físicos. Resolvemos então procurar um especialista em Portugal que pudesse estudar a nossa própria habitação», conta Miguel, de 35 anos e fundador da Habitat Saudável com Marcelina. «Em pesquisas que fomos fazendo, descobrimos a medici­na do habitat e a geobiologia, uma ciência com raízes ancestrais cujo objetivo é con­tribuir para a criação de bons sítios para se viver e trabalhar. Aquilo era a nossa cara, enquadrava-se totalmente na nossa filoso­fia de vida. Fazia-nos sentido saber mais so­bre o tema para aplicar em casa mas, como não encontrámos ninguém, decidimos ser nós a trilhar esse caminho.»

Quanto mais aprendiam da relação en­tre espaços e a vida no interior – casas sau­dáveis nutrem os seus habitantes em todos os aspetos; casas doentes podem induzir e acelerar processos de degeneração e dis­túrbios –, mais se identificavam com a ar­quitetura que hoje praticam: integrativa, para além da forma, que aplica ao habitat contemporâneo conhecimentos ancestrais que os ensinam a compreender a manifes­tação do campo magnético da Terra no meio ambiente. Geobiologia e bioabitabili­dade, feng shui, sustentabilidade e geome­tria sagrada sustentam o trabalho que fa­zem em habitações, empresas, espaços co­merciais, clínicas, hospitais e até jardins e pátios, no sentido de equilibrarem e orga­nizarem lugares com que as pessoas inte­ragem no dia-a-dia. Os projetos tanto po­dem ser criados de raiz, com licenciamen­to de arquitetura integrativa, como passar por uma visita a casa do cliente apenas pa­ra um estudo geobiológico – do quarto de uma criança, por exemplo, caso sofra de insónias ou falta de concentração.

«Muitas das pessoas que nos procuram, porque leram ou ouviram falar, já fazem es­ta associação entre o espaço e os sintomas ou doenças persistentes que as afetam», adianta a arquiteta. Aos 32 anos, a sua men­te – como a de Miguel, que evoluiu do sa­ber/ensino da geografia (descrição da terra) para a geobiologia (estudo das influências da Terra sobre a vida) – parece ter-se alar­gado a outras realidades nada esotéricas, apoiadas por conhecimentos milenares e ciências como a física quântica. «Segundo o médico alemão Ernst Hartmann, funda­dor da geobiologia ou biologia das constru­ções, 70 por cento das doenças têm algum componente causal ou periférico dos espa­ços. É um número preocupante, sobretudo por ainda haver tanta gente sem noção dis­to. A boa notícia é que todas as casas têm solução», diz.

nm1182_geobiologia01

No caso da sua primeira habitação tur­bulenta na Maia, o casal adiou os planos de se mudar que já tinha em mente enquanto não retirou dela todos os ensinamentos. «No quarto onde dormíamos, tínhamos a cama sobre um cruzamento de linhas Hartmann – uma rede geomagnética que envolve o pla­neta – e a própria cama tinha um estrado me­tálico com uma estrutura de elevação, pro­fundamente nefasto porque funciona como antena de captação dos campos eletromag­néticos em redor para aquele ponto concre­to», recorda Miguel Fernandes. A agravar o problema, tinham em frente da janela um poste de alta tensão e um transformador que os convertia em recetores inocentes.

«Os sintomas associados a este tipo de questões são muito típicos: dores de cabe­ça sistemáticas que desaparecem ao longo do dia; despertarmos mais cansados do que quando nos deitamos; acordar regularmen­te entre as duas e as quatro da manhã, altu­ra em que a radiação terrestre é mais inten­sa e sentida ao nível físico pelas pessoas mais sensíveis», aponta o geobiólogo, sublinhan­do que a própria Organização Mundial de Saúde definiu, em 1982, a síndrome do edi­fício enfermo. «Nos casos mais graves pode­mos falar em fibromialgias, doenças neuro­degenerativas, cancros e abortos sucessivos, muito associados à permanência em espaços doentes, nomeadamente o quarto.» Marce­lina concorda: «Temos clientes que chegam desanimados porque já recorreram à medi­cina alternativa, examinaram tudo e mais alguma coisa e não encontraram resposta. E às vezes basta alterar a posição da cama.»

Foi isso mesmo que fizeram, mais al­gumas recomendações acessórias no sentido de diminuir os campos elétri­cos de baixa frequência do quarto, num caso de infertilidade prolongada de um jovem casal que os procurou, deses­perado com a dificuldade em engravi­dar e os abortos espontâneos. Marce­lina e Miguel analisaram a casa, des­cobriram que a cama estava sobre uma linha de água subterrânea sobreposta a um cruzamento de linhas Hartmann (que emitia radiações naturais), a jun­tar a um cabo elétrico particularmente ativo à cabeceira, de uma instalação que percorria a parede contígua ao quarto e os sujeitava a radiações artificiais. «Vie­mos a saber entretanto que estão à espe­ra de bebé. Ao nível da realização pesso­al deles, esta abordagem fez toda a dife­rença. Aconselhamos sempre as pessoas a serem seguidas pelo médico em caso de doença, mas é verdade que não é possível curá-las se continuarem expostas à fonte que originou o mal-estar.»

As rotinas de vida na Habitat Saudável não fatigam os dois especialistas, fascina­dos com o manancial de informação faculta­do pela natureza: nela tudo é belo, complexo e funcional, desde a organização geométri­ca das hélices do ADN à forma das galáxias. A singularidade de cada cliente que depois os contacta, de norte a sul do país, é outro aspeto do seu trabalho que os faz querer sa­ber mais acerca do mundo. Simplesmente não conseguem perceber como é que Por­tugal está ainda tão atrasado em matéria de geobiologia, quando ela é tão comum na ar­quitetura em Espanha, França, Alemanha e outros países mais desenvolvidos. «Sem­pre fomos uns curiosos», adianta a arquite­ta, para quem a natureza é sábia. Quem é curioso procura. Quem procura, encontra. «Se esses princípios de harmonia serviram as grandes catedrais, servem com certeza para as nossas habitações.»