«Cantar é uma exposição absoluta»

Aos 50 anos e com 25 de carreira na área da moda e da representação, Ricardo Carriço aventura-se na música. O projeto O Meu Mundo, iniciado em 2014 com o lançamento do disco de estreia e a realização de diversos show cases, soma e segue nas lojas, nas plataformas digitais e ao vivo, com a digressão iniciada neste ano. Na próxima quarta-feira dá um concerto em Cascais, na Festa do Mar, e brevemente lança um novo disco de originais.

A música esteve sempre lá, no seu mundo, desde os coros gregorianos e a criação da primeira banda à participação em 1991 no Festival da Canção. Mas nunca «a sério». Até que, aos 50, Ricardo Carriço, ex-manequim reconhecido e ator feito, decidiu avançar. E, como em tudo o que faz, agiu sem meio-termo. Porque a vida não pode ser monótona. Porque não quer chegar aos 60 a lamentar o que deixou por fazer. Assim nasceu O Meu Mundo, o seu primeiro projeto musical. Quis ser designer; descobriu a passerelle ainda aluno de liceu nos Açores, desejou ser ator, e conseguiu. Viveu tempos felizes, passou fases de angústia e de pouco trabalho, experimentou horas malditas. Foi um miúdo «terrível e extrovertido», protegido por uma mãe aliada, aluno mediano fixado em Fórmula 1, no Tintin, nos livros de Os Cinco e na Mafalda de Quino. De infância alegre, apesar do afastamento do pai, uma ausência que, anos depois, transformaria em cumplicidade sem fim. Desde sempre, reage mal à falta de educação, nutre um desprezo olímpico pelo «diz que disse» e remete à transparência quem lhe faz mal, mas é preciso um grande esforço para o ver do avesso. Antes de mais, é «um tipo porreiro».

Fale-me do seu mundo, desta nova aventura.
_O meu mundo é aberto. Gosto de partilhar coisas e as cantorias sempre me acompanharam, desde os coros gregorianos e a criação, em 1985, da primeira banda – os Ibéria – à participação em 1991 no Festival da Canção, com os Blocco (graças a Deus, a Dulce Pontes ganhou e nós ficámos em segundo ). A partir daí, a música recolheu-se, esteve meio esquecida até que há uns tempos comecei a ser desafiado por amigos músicos. A Deolinda Bernardo, fadista castiça e uma mulher extraordinária, o Miguel Jesus e, mais recentemente, o Rogério Charraz. De repente, o bicho acordou. E eu, que não gosto de deixar nada por fazer, aceitei o desafio. Fiz 50 anos. Não quero chegar aos 60 e pensar que não fiz algo que gostaria e poderia ter feito.

Com a carreira de ator consolidada, cantar é um risco?
_Pensei nesses riscos e ponderei-os. Mas gosto de desafios.

É um ator que canta ou sente-se cantor?
_Por enquanto, sinto-me um ator que canta mas quero sentir-me cantor. Não gosto de ficar pelo meio-termo. Em nada.

Em palco, a cantar, também representa?
_A máscara do ator é um escudo invisível que serve de proteção. A cantar temos de ser nós. Há, claro, quem crie personagens. Mas, para mim, cantar é uma exposição total, absoluta, sem máscara.

Partiu para esta nova fase com que expetativas?
_Ponho-me sempre na posição de quem começa do princípio. Nunca penso «aqui estou eu, Ricardo Carriço». Sei que ajudaria, poderia abrir muitas portas, mas prefiro a posição de quem está agora a começar. E faço-o sem expetativas. Quero, sim, que o trabalho em cima do palco seja o mais generoso e profissional possível.

Falou-me há pouco no canto gregoriano e na primeira banda. No entanto, há 30 anos escolheu a moda. Poderia ter sido a música?
_A minha primeira vocação foi o design. Por isso fiz o curso de Design de Interiores e Equipamento Geral, no IADE. Um interesse que já vinha dos tempos em que frequentava as oficinas de pintura no Museu Condes de Castro Guimarães, em Cascais, e no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

Quando é que aparece a moda?
_No liceu, quando uma amiga me convidou para fazer uma passagem de modelos de escola, para angariar dinheiro para a viagem de finalistas. Nem percebi bem o que me estava a ser proposto. Mas fiz.

E gostou.
_Achei engraçado. Depois, uma outra amiga, dona de uma loja, começou a incentivar-me. «Tens jeito, vai à procura.» E fui.

Tudo isso em Angra do Heroísmo, Açores, para onde o pai foi trabalhar e onde viveu dos 15 aos 18 anos.
_Tive de me separar de todos os meus amigos para chegar a um local onde os continentais não eram bem-vistos. Não foi fácil, mas, contas feitas, fiz nos Açores bons amigos. O meu irmão João, o último a ir ter connosco, mandava informação sobre os primeiros eventos de moda da Ana Salazar. Eu achava cada vez mais piada a esse mundo.

Sempre soube que tinha boa figura ou foi descobrindo?
_Não fazia a mínima ideia. Fui descobrindo.

Quando é que decide que vai ser esse o caminho?
_Pouco depois de regressar a Lisboa, tinha 18 anos. Num jantar de Páscoa, em casa dos meus avós, anunciei a decisão. O meus avós ficaram surpreendidos, os meus irmãos riram, e a minha mãe disse uma frase que guardei para sempre: «Se o Ricardo quer ser manequim, que seja um dos melhores». Devo-lhe essa confiança . E o apoio.

Não lhe pediu um curso clássico?
_Foi a única coisa que me pediu – que tirasse um curso para o caso de a moda correr mal. Tirei-o enquanto trabalhava como manequim. A moda em Portugal estava no início. Fiz primeiro o curso de modelo fotográfico e só depois passei para a passerelle.

O contrário de um percurso normal de manequim.
_É uma característica minha. Mais tarde como ator comecei pela televisão, só depois fui para o teatro. Ando sempre ao contrário.

E ainda chegou a trabalhar como designer?
_Mais ou menos.

Na moda esperava encontrar que tipo de ambiente?
_Fui sem ideias pré-definidas. Encontrei um ambiente muito familiar, as pessoas eram muito próximas umas das outras. Integrei-me depressa e bem. Nunca fui pessoa de me enfiar num canto.

Quem eram os grandes manequins dessa altura?
_Paulo Madeira, Dalila Martins, João Carlos, Paulo Silva, Tó Romano, José Manuel Trindade, Ana Moura – era o meu grupo. Dos estilistas era a Salazar, o Zé Carlos, o Augustus, a Carmen Modas.

Faltava-lhes na altura as redes sociais e o boom das revistas de moda.
_Não sei se faziam falta. Mesmo sem esses meios éramos muito conhecidos. Lisboa era nossa, o Porto também. Chegávamos a um restaurante ou a uma discoteca e abria-se o corredor. Não pagávamos em lado algum. Repare, começa na altura o conceito de top model e nós éramos os primeiros em Portugal com esse estatuto.

 Como lidou com esse fenómeno?
_Pode subir um pouco à cabeça e não é bom. Uma coisa é puxar pelos galões quando é absolutamente necessário, quanto mais não seja para marcar posição. Outra é o deslumbramento. Passar de uma vida calma para um mundo onde tudo nos é permitido pode levar a isso.

Como descreve esses tempos?
_Muito felizes, muito divertidos, de descoberta.

Sacrifícios tais como dietas, zero?
_Zero. Sempre fiz tudo e mais alguma coisa. Nem havia a mania dos ginásios. Eu tinha andado na ginástica olímpica – e era bom, com muita flexibilidade – e sempre fora magro. Tinha essa sorte genética. Só mais tarde, com quarenta e tais, regressei aos ginásios.

Eram os anos 1980, de ouro, em Lisboa, onde tudo acontecia.
_A cidade era um guronsan. Recuperava-se a ela própria. As mentalidades estavam a mudar, a informação corria-nos para as mãos. Lisboa bombava, disponível para todas as novidades, e dava-nos tudo a que tínhamos direito.

Ganhava-se bem.
_Na altura ganhava muito bem.

Reações da família a esse sucesso?
_A dada altura assustaram-se, mas, quando perceberam que a coisa não resvalava para o disparate, relaxaram.O meu primeiro cachet – um anúncio ao Ritz Light – rendeu-me 750 contos. Entrei em casa com o maço de dinheiro na mão e atirei-o ao ar. Não sei se foi o gesto ideal, mas passei a pagar o meu curso e todas as minhas despesas.

A curta duração da carreira de manequim levou-o à representação?
_Não foi uma preocupação, e, de resto, tinha o meu curso. O que se passou foi o seguinte: em dado momento, estava ainda no auge da minha carreira, dei uma entrevista a uma revista da Marinela Gusmão, dizendo, a certa altura, que gostaria de ser ator. Passados dois dias recebo um telefonema do Tó Zé Martinho a propor-me um casting.

Vila Faia é de 1982, Palavras Cruzadas de 1987 e foram as primeiras telenovelas portuguesas. O Ricardo chega em 1990, no momento certo.
_Logo de entrada, fiz as séries A Grande Mentira, em que se estrearam Julie Sargeant, Sofia Sá da Bandeira, Rui Luís Brás, entre outros, e Claxon. Depois, fiquei três anos parado. Nem representação nem moda.

Porquê?
_É uma reação tipicamente portuguesa, deixei de estar num único lado e isso não caiu bem. Foi uma fase de angústia, confesso. Várias vezes me perguntei se teria feito algo de mal. Mas eu tenho uma característica – sei esperar. E não me tenho dado mal com ela. E portanto esperei.

Como ocupou a espera?
_Exercendo a minha profissão. Criei ainda, com a Ana Borges, uma marca de fatos de banho e malhas. Eu trabalhava no departamento de marketing da empresa e a minha vida, aos 27 anos, era estar fechado num escritório. Pelo meio, fui relações-públicas de uma discoteca e nesse ano, em 1991, concorri com os Blocco ao Festival da Canção. Mas nunca me afastei do meu caminho – a moda e a representação.

Até que um dia…
_Até que um dia recebo uma chamada da Filipa Garnel a informar que o Nicolau Breyner queria falar comigo. E é assim que chega a minha primeira telenovela: Cinzas. A partir daí foi sempre a andar.

O que recorda desse reinício?
_A sorte de lidar com atores como a Mariana Rey Monteiro, o António Cortez, o Manuel Cavaco, e tantos outros, todos eles mais velhos e sábios. Foram o meu conservatório.

Acha que não valia a pena frequentar a Academia?
_Ainda pensei entrar para o Conservatório, sim, mas nessa fase a minha vida ganhou um ritmo alucinante. O José Fonseca e Costa e outros conhecedores diziam-me que esperasse, que o Conservatório, na altura com um registo muito formal, só me traria vícios.

Moda versus televisão e representação. Já eram à época mundos próximos?
_Bastante. Mas havia alguma ausência de styling na TV. Os atores eram mais conservadores. Ouvi muitas vezes «lá vem o manequim».

O bom aspeto foi-lhe prejudicial?
_O que eu queria era ter a aceitação da classe. Não sendo modelo, talvez tivesse tido menos a provar.

Mas a boa aparência também traz benefícios ou não?
_Traz, claro.

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Há uns meses, Ricardo Carriço sentiu necessidade de se livrar do cabelo comprido e da barba, que realçavam a «mancha branca». A Notícias Magazine fotografou a mudança de visual.

Foi dos primeiros a fazer a ligação da moda à representação, uma forma nova de iniciar a carreira, sem passar pelo Conservatório e pelo teatro. Hoje é vulgar.
_Hoje é vulgar com uma diferença – foi introduzida na equação a palavra «famosos». Uma coisa é ser ator, outra coisa é ser «famoso». Quando cheguei à televisão queria ser ator. De resto, a profissão de manequim ajudou-me muito no teatro. Eu já estava habituado a ter os olhares em mim.

Sempre lidou bem com «os olhares em si»?
_Aprendi a lidar. Há quem se faça à pose, mas para mim isso é não saber lidar com a exposição. Tento reagir com normalidade. Numa tournée, houve uma miúda que ficou admirada porque me viu relaxado a fazer umas brincadeiras. Como se esperasse a tal pose.

Mas há sempre uma pose numa figura pública.
_Claro que nem tudo se pode fazer e sobretudo dizer. Tal como aguento os olhares, aprendi a anular-me, quer em palco, profissionalmente, quer na vida pessoal. Sei que à mais pequena coisa iriam logo apontar-me o dedo. Por exemplo, hoje, tenho muito cuidado com as opiniões políticas.

Porquê?
_Opiniões políticas nas várias áreas artísticas, mal a coisa vira, pagam- se caro. Em Portugal é assim que funciona. É preciso manter a verticalidade, mas também aprendera lidar com esta realidade.

Quem era o miúdo a quem chamavam «veneno»?
_Um miúdo terrível, muito alegre e extrovertido, aluno mediano que adorava a Fórmula 1, o Tintin, Os Cinco e os livros da Mafalda. Recordo uma infância muito agradável. Apesar da ausência muito prolongada do meu pai, a nossa vida funcionava muito bem. Primeiro em Cascais, hiperprotegidos, depois em Lisboa, se possível ainda mais protegidos como alunos d’Os Maristas. Até que um belo dia, tinha eu uns 6 anos, a minha mãe anunciou que precisávamos de aprender a dar e a levar uns socos. Fomos então para a escola secundária dos Olivais, um bairro socialmente transversal. Fiz lá grandes amigos, que ainda hoje encontro se lá passar.

Deu e levou muitos socos?
_Muitos, e aprendi rapidamente. Mesmo em casa. Andava sempre à tareia com o meu irmão do meio, o João. Dois teimosos, ainda hoje. Com o Zé, mais velho, a relação era pacífica. Depois, nos fins de semana, voltávamos a Cascais e aí era ordem de soltura.

Que significava…
_Significava passatempos perigosos como ir para o castelo, andar de baixo das rochas, em verdadeiras expedições exploratórias. A minha mãe chegou a ir connosco. Sempre teve tanto de conservadora como de aliada.

E o pai ausente?
_Mais fisicamente do que outra coisa, mas de facto era a realidade. Por volta dos 20 anos, criámos uma cumplicidade enorme. Chegou tarde, mas valeu a pena.

O que aconteceu?
_Uma noite, em que ficámos os dois em Lisboa, pedi-lhe que me levasse aos locais da juventude dele. Foi muito bom, fizemos o circuito completo, capela a capela. Acabámos já manhã, no Cais do Sodré, com uma boa dose de grão na asa. A partir desse dia, bastava-nos um olhar para saber o que o outro estava a pensar ou a sentir.

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Voltando à carreira – nunca se arrependeu de nada?
_Nunca. O meu lema é simples: quando não sei o que fazer, fico à espera que a vida mostre o que tem reservado para mim.

Guião, equipa, nome do realizador: numa proposta o que pesa mais?
_Tudo isso. Detesto equipas incompetentes.

É fácil dirigi-lo como ator?
_Sou uma esponja. Tenho bom feitio, não sou uma pessoa pesada, não trago chatices para a equipa.

E quando se zanga?
_Não queiram ver-me zangado. É raro, mas quando acontece é uma chatice: viro o arco. E ou as pessoas me explicam muito bem a razão das suas atitudes ou deixo de as ver. Passam a transparentes. Por exemplo, o «diz que disse» tira-me do sério.

Tem havido muito «diz que disse» sobre a sua vida?
_Não, fecho a porta. Não dou azo. Não me exponho.

E os que abrem a porta, podem queixar-se?
_Há alguns casos que são patológicos. Há quem ache que por não aparecer numa edição de uma revista já está esquecido. Esses casos são realmente complicados e alimentam o circo que se instalou quando se começou a achar graça à intrusão na vida dos outros. Por cá, ainda há algum respeitinho porque o «se te apanho numa esquina levas um banano» ainda é levado a sério.

Já recorreu a ameaça?
_Não foi preciso, ainda. Mas veja-se isto: há uns tempos estava na praia com um casal amigo e os respetivos filhos. Dois dias depois, uma revista titulava «Ricardo Carriço com amiga misteriosa».

Recentemente, no programa Alta Definição, revelou ter sido durante anos adito em cocaína. Porquê a confissão?
_Senti necessidade de o fazer. Porque foi por esse motivo que me envolvi no Confluência, um projeto em que sempre foi essencial aprender a conviver com a verdade de cada um. Nos ensaios, em improviso, partilharam-se todas as verdades. Para uns fui pai, para outros irmão, para outros ainda, confessor. Ao ser-me perguntada a razão do meu envolvimento no projeto, não podia mentir. Foi um processo ao qual me agarrei, a convite da Maria Helena Torrado, para me afastar e desviar do vício fácil que estava à minha volta de mão beijada.

Adição, neste caso, significava…
_Cinco gramas por semana. Não precisava daquilo para nada, fui apenas atrás da moda. Como ir beber um copo. Consegui – eu e alguns amigos dessa época – sair antes que acabasse mal.

Que papel desempenhou a escritora Maria Helena Torrado?
_A Maria Helena foi a pessoa a quem abri o jogo. Conhecemo-nos em casa de amigos e estivemos a noite inteira a conversar. Começou aí uma amizade extraordinária que se manteve para lá do meu divórcio. Primeiro, menti-lhe, depois, omiti-lhe, no final, foi a pessoa a quem contei toda a verdade.

Foi difícil?
_Depende sempre da pessoa que temos pela frente. Admito que por vezes sou demasiado franco e honesto. Nem todos merecem. Não é o caso da Maria Helena, uma amiga extraordinária.

Porquê a alguém que nem sequer o conhecia bem? Ou foi por isso?
_Às vezes, é mais fácil falar com pessoas que não conhecemos bem mas que nos transmitem uma enorme confiança e maturidade.

Afirmou recentemente numa entrevista que não imagina partilhar a sua casa com outra pessoa. Precisa de espaço só para si?
_É verdade, adoro viver sozinho, mas não sei. Neste momento não quero pensar no assunto. Estou à espera de que a vida me mostre o que fazer. Para já é um dia de cada vez.

Onde se vê daqui a uma década?
_A trabalhar.

E nos tempos mais próximos?
_Depois dos concertos deste verão, e do próximo, dia 26, em Cascais, está previsto o lançamento de um novo disco de originais durante o último trimestre deste ano.

Fez televisão e só depois teatro. As telenovelas marcam um ator, retiram credibilidade?
_No início da minha carreira, muitos atores criticavam quem fazia telenovelas. Hoje, todos esses críticos estão a fazer telenovelas. Para mim, é simples: ou se é bom ator ou se é mau ator. Isso é que conta, e todos os trabalhos merecem o mesmo respeito. A formação clássica é importante? É, claro. E eu tive a sorte de ter trabalhado com atores maravilhosos e de saber ouvi-los.

Profissionalmente a quem agradece a sua carreira?
_Armando Cortez, Manuela Maria, Manuel Cavaco, Nicolau Breyner, Carlos Daniel, Mariana Rey Monteiro foram decisivos na minha formação. Eu não sou de pedir favores ou de dizer «estou aqui». Mas fui capaz de ouvir e aprender com um série de atores da escola antiga, conscientes, no entanto, das mudanças que teriam de ser feitas.

Vê os mais novos olharem para si, hoje, com uma certa deferência?
_Nesta última novela fui surpreendido por alguns miúdos que me falavam com essa tal certa deferência. Foi engraçado e estranho ao mesmo tempo. Não estava nada habituado, além disso acho que ainda estou na fase de aprender. E ainda me falta fazer tanta coisa.

Talvez porque não sente os 50 anos. Como lida com o envelhecimento?
_Bem, julgo eu. Há uns meses, com o cabelo comprido e barba, notava-se mais a mancha branca. De repente, tive necessidade de tirar tudo. De facto, na minha cabeça estou longe dos 51 anos que estão aí à porta, nem julgo corresponder ao que em miúdo achava ser um homem de 50. Um velho.

Onde mais sente a idade?
_Numa ou noutra articulação.

Já se impede de vestir alguma peça de roupa?
_Não. E estou-me nas tintas para o que possam pensar. Os 40 trazem a capacidade de dizer não sem rodeios; os 50, a falta de pachorra para a maioria das opiniões alheias. O que eu mais aprecio? Pessoas bem-educadas. Fujo da má educação a sete pés.

A idade traz também a perda. Inevitavelmente, é-se confrontado com a morte de quem gostamos.
_A primeira grande cacetada foi no dia em que vi destruir o quarteirão onde morava a minha avó para contruir um bunker horrível. Parte do meu passado passou a existir só na minha memória. As lágrimas caíam-me cara abaixo . Depois foi tudo muito rápido: perdi a minha avó, o meu avó e o meu pai em pouco tempo. Com o meu pai, fui o primeiro a saber, coube-me informar a família. Tinha um jantar em casa. Recebo já tarde um telefonema do hospital a informar que o meu pai, na hemodiálise, ia viver cinco minutos cruciais. Quando o telefone voltou a tocar, soube antes de atender. No hospital, as enfermeiras choravam. O meu pai era muito divertido, muito alegre, «o melhor doente que tivemos», disseram-me. Tenho a quem sair.

Deixa-se de ser o filho, passa-se a ser o próximo.
_A vida é uma passagem para qualquer coisa. O mais certo é termos vindo à universidade tirar um curso. E vamos passar todos. Uns melhor; outros pior, que o inferno não existe. Não acredito que isto fique por aqui. Eu não tenho filhos e por isso de mim ficará a minha história. Mais ou menos conhecidos, todos deixaremos uma história. Creio que a minha é a de um gajo porreiro. Gostaria de ser lembrado assim.