A namoradinha da França é meio portuguesa

É apaixonada por Portugal, terra da mãe, e estrela da comédia sentimental que deixou os franceses loucos. A Família Bélier estreia-se nesta semana entre nós.

Louane, 18 anos, sorriso de menina bem-comportada. Estrela em A Família Bélier, viu o seu primeiro álbum vender já 400 mil exemplares, o que fez dela pop star. Apesar do apelido Pinto dos Santos, apenas arranha o português. Em francês fala mais à vontade. E é precisamente nesse idioma que faz beicinho quando percebe que não tem agenda para vir a Portugal promover A Família Bélier, o filme que em França espantou tudo e todos quando em quatro meses ultrapassou os sete milhões de espetadores e lhe valeu o César de melhor esperança feminina.

Em A Família Bélier, Loaune interpreta uma adolescente de província e filha de um casal de surdos que descobre um dom: o canto. Ironia das ironias, numa família onde o dia-a-dia é tratar do gado e fazer queijo, entre muita linguagem gestual, a rapariga é descoberta pelo seu professor de liceu que percebe que a sua voz pode levá-la longe. O realizador do filme descobriu Louane quando esta tinha 16 anos e estava a concorrer ao programa televisivo The Voice, que acabou por não ganhar, mas que a levou a conquistar França, graças a uma voz arrebatadora e à sua própria história: quando atuou no programa dedicou a canção ao pai, que já tinha morrido. Mais tarde, perderia a mãe.

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«Sinto que Portugal é também a minha casa porque a minha família está lá. Tenho boas memórias da minha infância, das temporadas que passo na zona de Aveiro. Metade da história da minha família foi construída em Portugal. O que é curioso é que tenho sangue polaco, brasileiro e alemão, mas as origens portuguesas são as que mais prezo… Sinto-me muito próxima de Portugal, ao contrário dos meus irmãos», diz sem ponta de tragédia, cantando a capella um êxito de Miguel Araújo. «Ah, isto é o Miguel Araújo? Nem sabia mas estou sempre a cantar esta canção ao meu primo quando estou em Aveiro… A verdade é que não conheço assim tanta música portuguesa, apenas o que ouço na rádio, quando estou em Portugal.»

Como cantora, o seu vozeirão no filme presta-se à canção ligeira francesa tradicional, neste caso cover do imortal Michel Sardou, embora no seu álbum, Chambre 12, o registo seja mais pop. Uma pop leve e juvenil, com letras românticas e uma produção estilizada. Qual é a prioridade, cinema ou música? «As duas. Nunca vou escolher! Quero continuar a fazer cinema e música.» Há muitos anos, Vanessa Paradis disse o mesmo e hoje continua entre os palcos e os plateaux.

Alguma da imprensa francesa cada vez que se refere a Louane menciona sempre a sua transformação física. Do The Voice até ao presente, a cantora-atriz perdeu muitos quilos. Fala-se mesmo do seu caso como um exemplo de combate à obesidade juvenil. Agora, à nossa frente, está uma mulher de 18 anos com as formas perfeitas. «Adorei a experiência do The Voice, mudou a minha vida e abriu-me uma série de portas, entre as quais o convite para o filme e a assinatura de contrato na Universal! Mas já cantava em público desde os 8 anos, na zona de Lille… Ou seja, com ou sem The Voice, era isto que queria fazer. Sempre quis ser cantora!», diz com um sorriso inocente. Essa inocência não ficará abalada com todo este reconhecimento? O que terá sentido quando venceu o César e dedicou este Óscar da Academia francesa aos pais, já desaparecidos? «Não dá para imaginar, é tão, tão irreal! Ainda agora não percebi o que aconteceu. Teve de ser o realizador, Eric Lartigau, a alertar-me que tinha de me levantar para ir receber o César. Claro que depois chorei imenso e dediquei o prémio aos meus pais. Foi incrível porque a minha mãe tinha morrido recentemente e poucos sabiam disso.»

Para A Família Bélier, Louane aprendeu língua gestual a alta velocidade – é assim que comunica com os pais ficcionais. Um ano depois da rodagem confessa que está um pouco esquecida, embora frise ter sido uma experiência que a mudou. Uma das razões do fenómeno de popularidade do filme passa precisamente pela estranheza de os diálogos serem sem palavras. Diálogos tão divertidos como enternecedores. Aquela família tanto pode discutir sobre problemas vaginais como vibrar instintivamente com a música.

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Por acaso ou não, Louane fala sem grandes aparatos gestuais. Quando lhe perguntamos pela escolha de Louane como nome artístico, revela-nos um segredo: «O meu nome é Anne, mas decidi colocar um pouco de Louise, a minha irmã. Foi mesmo uma ideia minha, uma espécie de homenagem, mas ela não gostou nada. Agora vai habituar-se, é tarde de mais para mudar. Dá jeito ter um nome artístico, protege-me, impede que as pessoas encontrem a minha conta pessoal do Facebook. Permite-me também distinguir uma série de coisas: quando estou com os meus amigos sou a Anne, quando estou a trabalhar a Louane.»

Apesar de ainda abalada pela tragédia familiar, garante que está a aproveitar a sua juventude, mesmo com uma agenda profissional carregada. A namoradinha de França diz que é muito bom finalmente ter uma casa só sua e ainda está a saborear as benesses de viver sozinha em Paris pela primeira vez, sobretudo quando sempre viveu com uma família grande (quatro irmãs e um irmão). Todavia, a conversa ruma sempre para Portugal. «Por muito que goste de Paris, quero sempre voltar a Portugal. Quando acabei a rodagem do filme estava um pouco triste e pedi para ir para lá. Sinto-me sempre bem ali, é o meu refúgio, adoro essa minha família.» E seria capaz de cantar em português? «Sim, mas não conheço muitas canções portuguesas.»

Quanto ao choque da fama, confessa que não é a coisa mais divertida do mundo: «É apenas uma mudança de vida. O meu primo português, quando vem a França e sai comigo à rua, é que se diverte imenso com isso. Farto-me de rir quando ele olha para as pessoas que me reconhecem e diz que sou sua prima! De resto, o mais chato é a imprensa cor-de-rosa.»

Em Portugal, desde quinta-feira que também pode começar a ser reconhecida. A Família Bélier chegou aos cinemas de todo o país com grande força promocional para aproveitar o balanço de sucessos recentes como Que Mal Fiz eu a Deus? ou Samba. Louane, a partir de agora, já não vai ter tanta facilidade em passar incógnita no seu segundo país.