Vagão Portugal

Há outra vez muita gente a vir de comboio de França. Os que não conduzem, os que vivem longe dos aeroportos, os que querem poupar nas portagens, no combustível. Em agosto, o Sud-Expresso enche-se de emigrantes. Uma linha onde cabe boa parte da história do nosso país.

O comboio entra na estação de Irún com meia hora de atraso e os passageiros que nele viajam estão nervosos. «Ainda vamos perder o expresso para Lisboa, oh carago», refila José Amieiro, portuense  da  Ribeira,  58  anos  de idade e 40 de emigração. «Ai isso é que não, que eu quero ir para a terra», e Conceição Carrasco Neves convoca o marido para começar a preparar a bagagem: «Despacha-te Armando.» O marido, 72 anos de dores nas costas, começa a empilhar malas e sacos. «Isto tem de ser rápido, mas eu chamo-me Armando, descidas apressadas, o cais torna-se um mar de gente. À gare espanhola chegam (quase sempre de TGV) os que vêm de Paris e de Lyon, de Nantes e de Genebra. Aqui fazem o transbordo para o Sud-Expresso, que os há de levar a casa. «Logo que uma pessoa entra na carruagem, é como se já estivesse em Portugal», diz alguém – e todos concordam.

A grande linha da emigração portuguesa está a voltar aos tempos de glória. Se em 2000 o jornal Públicodizia que o Sud-Expresso estava à beira do fim, com a redução da circulação para três viagens semanais, os números parecem estar agora a virar. Dos 50 mil passageiros anuais que faziam a linha em 2005, quando a circulação diária já tinha sido reestabelecida, os números subiram para 68 900 em 2013. Já no primeiro semestre de 2014 foram transportados 37 200 passageiros, um aumento de 17,8 por cento. «Estima-se que o Sud, durante este ano, tenha uma procura na ordem dos 75 000 passageiros», diz Bruno Martins, do gabinete de comunicação da CP. «Entre 2011 e o momento atual, os resultados operacionais deste comboio melhoraram em cerca de 50 por cento.» Os números são animadores, mas ainda não pagam as despesas da linha. Mesmo este ano, que é um ano bom, a empresa não pensa cobrir mais de 70 por cento dos custos do Sud-Expresso.

A  companhia  de  caminhos-de-ferro  portuguesa defende que este aumento de fluxo se deve à renovação das carruagens que a empresa fez em 2010. Há vagões-hotel, com camas e nalguns casos chuveiros, além de os assentos de segunda classe serem mais espaçosos. A bordo do Sud, a conversa é outra. Os emigrantes que escolheram a ferrovia fizeram-no por poupança, de dinheiro ou de tempo. «Vivo em Poitiers, a 350 quilómetros de Paris», diz Isabel Marques, 40 anos. «A terra do meu pai é de Pombal, fica a 170 quilómetros de Lisboa. Se eu fosse de avião tinha de ir a Paris, apanhar um voo para Lisboa e mais transportes para Pombal. Assim meto-me no comboio e já está.» O Sud-Express, há de perceber-se durante esta reportagem, continua a servir quem vive no meio do caminho, em cidades mais pequenas, e passa férias longe dos grandes centros urbanos. Os que moram em Bordéus, ou Toulouse ou Limoges. E que vão para a Guarda, ou Viseu ou Coimbra.

No caso de José Luís Pontes, 52, a questão é outra. «Vivo em Lourdes e sempre me habituei a passar de carro para Portugal.» Como estava perto dos Pirenéus, a viagem até à Póvoa do Varzim era rápida – nove, dez horas no máximo. «O problema é que a gasolina aumentou muito, e as portagens, sobretudo em Portugal, são demasiado caras.» No limite, um passageiro pode viajar de comboio de Irún até Lisboa por 27,60 euros, se aproveitar as promoções. Em média, para um adulto em cadeira, o trajeto custa 69 euros. «E não é só isso», diz Pontes. «A viagem no Sud-Expresso é uma alegria. Já a fiz tantas vezes e já conheci tanta gente que o comboio tornou-se parte do ritual de ir passar férias à terra.»

COMO EM CASA
De Paris até Irún, a viagem tinha sido relativamente silenciosa. «Continuam a vir muitos portugueses, no verão são a maioria», diz Thierry Kollar, 16 anos de revisor no TGV entre Paris e a fronteira com Espanha. «Mas antigamente tínhamos famílias inteiras, falava-se mais português do que francês dentro do comboio. As coisas mudaram,porque as segundas e terceiras gerações de emigrantes não se notam tanto.» Na maior parte dos casos não se sabe quem é quem, ou de onde vem. Os portugueses diluem-se na multidão. Mas, assim que o Sud arranca em direção de Lisboa, o cenário muda. E começa a festa.

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Ainda não se contam cinco minutos de marcha e já as garrafas de Super Bock rodam para o balcão da carruagem-bar. No menu há salada de polvo, bacalhau à lagareiro, bife à portuguesa. Tudo cozinhado por José Magalhães, 51 anos de vida e 31 de Sud-Expresso. «Temos vinho português, licores portugueses, comida portuguesa. As pessoas quando chegam aqui começam logo a matar saudades de casa. Pela boca, que é o caminho mais curto para a alma.» Até meados de 2013 havia um vagão-restaurante, que foi suprimido por falta de clientes. Mas o bar é um rebuliço – e mais cedo ou mais tarde todos os passageiros parecem convergir para ali.

José Amieiro já ocupou um dos bancos, «venha de lá esse bacalhau». Vira-se para o lado, cumprimenta os que chegam, às tantas já conhece toda a gente do bar. As conversas são inevitavelmente as mesmas: sobre a crise, sobre o futebol, sobre a terra. Há que perceber uma coisa: as raízes são o cartão-de-visita de um emigrante – e, mais do que estabelecer diálogo falando sobre o que fazem, os passageiros deste comboio firmam cumplicidade elogiando as suas aldeias, e as festas de agosto. Mas Amieiro é do Porto, não tem uma povoação suficientemente pequena para justificar um entrosamento largo. Sem problemas, que ele não é tipo para se atrapalhar. Vê passar um homem com um casaco de fato de treino do FC Porto e exclama «alto e para o baile». Puxa para baixo a camisa, onde traz tatuado do lado esquerdo do peito o brasão do clube nortenho. Na metade direita do tórax, o logótipo da Federação Portuguesa de Futebol. E pronto, já há conversa para a noite toda.

Até às duas da manhã há serviço assegurado no bar. As refeições saem primeiro, depois vendem-se sobretudo bebidas. Se o bar estiver cheio à hora de fecho, os copos continuam a encher-se – e hoje é uma noite dessas. Como no verão o tráfego aumenta, José Torres, 60, vem dar uma ajuda na cozinha. É transmontano de Murça, tem seis irmãos rapazes e todos trabalham na CP. Ele faz a supervisão geral do serviço, dá indicações de onde fica cada camarote, recolhe bilhetes e abre as camas para os passageiros que preferiram o vagão-hotel a um lugar sentado. E tem isto tudo pronto até à meia-noite.

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É a essa hora que o Sud-Expresso se encontra em Medina del Campo com o Lusitânia, que cumpre a rota de Madrid a Lisboa. Aí as duas composições unem-se e passam a ser puxadas por uma mesma locomotiva, operação que demora dois cigarros a cumprir, qualquer coisa como quinze minutos. Na estação, José Torres encontra dois irmãos, Elísio, de 56 anos, e Mário, de 44. Vêm a bordo do expresso de Espanha, a cumprir as mesmas funções que ele. «Moramos todos perto uns dos outros e estamos nas rotas internacionais da CP, sempre que nos encontramos é uma alegria.» Os homens aproveitam para pôr a conversa em dia. «Deixaste alguém em França», perguntam-lhe. «Cinco passageiros, queriam embarcar mas já não tinham lugar.» Elísio coça a cabeça, já se sabe que é uma tragédia.

José há de explicar mais tarde que não há nada que lhe custe mais do que barrar a entrada a um emigrante. «As pessoas às vezes tentam vir à última hora e já não há lugares disponíveis. Custa muito porque sabemos que são pessoas que estão fora a trabalhar, estão longe da família.» Adiar o regresso é um coração em cacos, está visto. Mas o Sud não estica, tem 124 lugares sentados e 80 em camas. E hoje vai à pinha.

A VIDA SOBRE CARRIS
João Carlos Machado, 51, está tão habituado ao percurso que já sabe que não pode brincar em serviço – vem em média uma semana por mês a Portugal, para ver a família. É dono de uma empresa de construção, vive em Bruxelas e escolhe o comboio porque tem um medo que se pela de andar de avião. «Estive num voo de Luanda ao Lobito onde o trem de aterragem não baixou. Não houve feridos, mas jurei para nunca mais.» A mulher inscreveu-o num curso da TAP para perder o medo aos aviões, mas ele nada. «Eu até gosto do comboio, já tenho os meus rituais.»

Assim que chega vai ao bar pedir para lhe guarda­rem o jantar, «senão toca-me peixe.» Nos primeiros tempos trazia o computador carregado de filmes, mas deixou-se disso. De Bruxelas a Paris lê os jornais, de Paris a Irún ataca um livro e daí até Lisboa «é para o convívio». Escolhe sempre um compartimento com cama e nunca abdica de umas horas de sono. Primei­ro no bar, depois na cabina, põe a conversa em dia, fala da Europa e de Portugal. «Nunca me despeço de nin­guém, porque eu saio em Lisboa e a maioria dos pas­sageiros sai nas Beiras. Mas às vezes reencontro al­guém, e já conheço os empregados do bar, e isto aca­ba por ser o meu estágio para a vida com a família.»

Armando Neves Ferreira e a mulher, Conceição, são bem capazes de ser os únicos que passaram a via­gem inteira sem fazer uma excursão à carruagem-bar. Tínhamo-los encontrado em Irún, com medo que o atraso do TGV de Paris os fizesse perder o transbor­do. Trouxeram farnel. «No tempo em que usávamos o comboio era assim, vinha-se com a comida de casa, não havia cá bacalhau para ninguém.» Durante anos preferiram o carro, vinham eles e os filhos, dois géme­os chamados Adérito e Arsénio. Mas os rapazes cres­ceram e Armando já não conduz. O comboio serve-lhes para ir e vir a Pombal, e vão ficar o verão inteiro.

Armando foi para França em 1966, a salto. «Eu ti­nha 25 anos e não queria a vida dos meus pais, que era uma vida de miséria. Conheci uns passadores que prometeram levar-me para Paris. Juntei uns trocos e fui.» Despediu-se dos pais e de Conceição, com quem já namorava há um par de anos. Prometeu que haveria de vir buscá-la. Um carro buzinou à porta de casa, era o sinal. 29 de dezembro, um frio dos diabos. Não levou mais que uma trouxa com uma muda de roupa, um par de sapatos, um pão e um chouriço.

Os passadores tinham-lhe pedido uma fotografia, rasgaram-na a meio. «Deixaram metade com o meu pai e a outra comigo. Assim que passássemos para Es­panha eu entregava-lhes a outra metade e eles davam-na ao meu pai, era sinal de que tinha corrido tu­do bem.» O caminho entre Pombal e o Sabugal decor­reu sem problemas, era lá que se iam encontrar com o grupo grande. «Havia quatro passadores, 72 homens e uma mulher para passar.» Disseram-lhes que teriam de andar em fila indiana, e nem um pio. «Íamos atra­vessar o rio mas estava cheio, tivemos de andar mais umas três horas para passar a fronteira numa ponte.» À chegada à outra margem entregou a fotografia. Es­tava em Espanha.

«Um dos homens recusou-se a entregar a foto, dis­se que só a dava quando chegasse a França. Então os passadores mandaram-no ponte abaixo. A partir daí, ninguém disse nada, ninguém fez perguntas.» Já caminhavam há duas horas do lado de lá fronteira. Estava a amanhecer mas de repente viram-se os faróis de dois jipes: era a Guardia Civil espanhola. «Dispersou toda a gente, dos 73 ficámos 11 juntos. Andámos o dia todo e ninguém tinha comida, depois lá demos com uma aldeia, que tinha um café.» Uma sandes de queijo para cada um, e que bem lhe soube. Ali ficaram à espera, sem saber o que fazer. «E ao fim do dia apareceu um dos passadores, tinham conseguido reunir o grupo inteiro nuns currais.»

Atravessou toda a Espanha a pé, garante, 14 dias de marcha. De dia escondiam-se nos abrigos das ca­bras, à noite seguiam a passo estugado. «Passámos para França e, uns quilómetros depois, lá estava um camião que nos levou a Paris. A Paris não, a Cham­pigny.» A localidade nos subúrbios de Paris era o bi­ddonville dos portugueses. Uma cidade de lata e mi­séria, onde desaguavam os que fugiam da guerra, da pobreza e da perseguição do Estado Novo. «Dormi essa noite na rua, mas arranjei trabalho e safei-me. Consegui tirar lá o passaporte e voltei a Pombal para me casar com a Conceição.»

Ela acabaria por se reunir definitivamente ao mari­do em 1973, com os garotos já nascidos. Depois veio a Revolução dos Cravos e foi então que os Neves come­çaram a usar o Sud-Expresso. Naquele comboio res­piraram o primeiro ar de liberdade de um país sem ditadura. «Já podíamos entrar e sair, sem medo de ninguém. É disso que me lembro neste comboio», diz Armando, «de ir pela primeira vez ao meu país e não ter medo de nada, nem de ninguém.»

QUANDO A HISTÓRIA VAI DE COMBOIO

O trajeto entre Paris e Lisboa – passando por Hendaya, Irún e Vilar Formoso – foi de fuga, emigração, tristeza e também de revolução.

A ligação entre Portugal e o resto da mun­do não voltou a ser a mesma depois de 21 de outubro de 1887. A inauguração do Sud-Expresso fazia parte de uma revolução que nunca chegaria a concretizar-se. Muito antes de a Europa se tornar uma União, um belga chamado Georges Nagelmackers so­nhou com a ideia de um continente unido de uma ponta a outra pela ferrovia. O homem tinha fundado a Companhia Internacional de Wagon-Lits em 1872, o Expresso do Oriente em 1883 e, no ano seguinte, estabeleceu um plano: ir de Lisboa a São Petersburgo sem nunca mudar de comboio. Um Sud-Express, de Lisboa a Paris, e um Nord-Express, de Paris à Rússia. As duas linhas existiram, mas em boa verdade nunca houve um Nord-Sud Express. Sempre foi necessário mudar de carruagem na capital francesa.

A viagem inaugural reuniu tamanha pompa que acabou por durar 12 dias, porque a cada paragem havia honras de Estado. Nesses primeiros tempos a volta era larga: a rota começava em Calais para receber os pas­sageiros que vinham de Inglaterra, rumava a Paris, Bordéus e entrava em Espanha pela fronteira de Irún. Depois descia a Madrid e a Sevilha, entrando em Portugal pelo Sul. A bordo seguiam diretores das companhias de caminhos-de-ferro, embaixadores e jornalis­tas de toda a Europa. Um artigo da Ilustra­cion Española, recuperada pela revista His­tória em 1979, dava conta da impressão que causava: «O comboio desliza pelos carris à velocidade vertiginosa de 60 quilómetros por hora, deixando no ar um alvo penacho de fumo.»

O Diário de Notícias cobriu a chegada do Sud a Santa Apolónia com grande destaque. Durante mais de uma semana, a primeira página era ocupada maioritariamente por notícias da chegada da grande máquina, das novidades de França, da impressão que Lisboa causava entre os passageiros estrangeiros. Foi Eduardo Coelho Júnior, filho do fundador do jornal, que cobriu o acontecimento: «A viagem faz-se comodamente alojado numa carruagem elegante, sem solavan­cos nem ruído, podendo dormir-se a noite na mais fofa cama, tendo durante o dia um largo salão para passear, o espaçoso restau­rante onde se almoça e janta, sem pressas nem sustos. Viva o Sud-Expresso», lê-se na edição de 25 de outubro de 1887.

No dia seguinte, uma descrição exaustiva dos menus, alta gastronomia francesa. Consommé de volaille à la Royale, filet de boeuf glacé à la Renaissance e sole à la Join­ville, «servidos em 150 talheres e loiças que fariam corar o hotel de Bragança». Os con­vidados foram recebidos com a banda da guarda municipal a tocar o hino real, e uma multidão acorreu a Santa Apolónia para esperar tão ilustres passageiros. Primeiro os discursos, depois as visitas. Coelho Júnior confessa ter levado um grupo de jornalistas espanhóis e um jornalista francês a ver os Jerónimos, primeiro, e depois ao teatro. Há de ter sido uma noite proveitosa, porque no dia seguinte uma boa parte do jornal trazia notícias dos dois países.

A comitiva ainda haveria de ir visitar Sintra, visitas a Monserrate, Seteais e à Pena, mais um banquete com trufas, e carne de vaca com foie gras. Eduardo Coelho Júnior have­ria de ser convidado pelo próprio Nagelmackers, dono da Wagon-Litz, para cumprir a viagem de regresso, pelo menos até Madrid. Num longo artigo, o jornalista lamenta a má sorte de não poder acompanhar a comitiva, já que a sua mulher adoecera subitamente. Mas Luís de Mendonça e Costa embarcou, ao serviço da Occidente, a Revista Illustrada de Portugal e do Extrangeiro. Além de várias gravuras do interior do comboio, as suas descrições são pormenorizadas. «Mesmo no inverno, quando a chuva cai a torren­tes e o vento açoita as árvores fazendo-as vergar, devem concordar que é agradabilís­simo ir ali, muito quentinho, muito cómodo, a perpassar os horizontes. A Companhia Internacional dos Wagon-Lits bem se podia chamar a companhia das comodidades universais, benemérita do nosso sono e do nosso estômago.»

Em 1892 a mesma companhia abre o hotel Avenida Palace, com uma porta direta para o cais do Rossio. E, a partir daí, a Europa começou a desembarcar de forma con­tínua em Lisboa – e a cidade começou a reivindicar o estatuto de capital europeia na sociedade da Belle Epoque. Como da capital portuguesa saíam muitos vapores em direção à América, do Sul e do Norte, o Sud-Expresso consolidou a ideia de uma ci­dade que era um entreposto, cada vez mais cosmopolita.

A circulação foi interrompida de 1914 a 1921, por causa da I Guerra Mundial, e novamente em 1930, culpa da Guerra Civil espanhola. Quando reabriu, os comboios de Paris passaram a ter terminal no Estoril, onde a alta sociedade fazia as suas festas, jo­gava no casino e conspirava a tragédia de 1939-45. Nesses anos, no Sud-Expresso vinha gente de todo o lado. O embaixador americano em Paris apanhou o comboio para Lisboa quando a Alemanha invadiu a França, em 1940, e daí tomou o barco para Nova Iorque, onde o aguardava o presidente Roosevelt. Calouste Gulbenkian cumpriu o mesmo percurso em 1942, para fugir de represálias nazis. A sua ideia era seguir para os Estados Unidos, mas acabou por ficar, até morrer em 1955. Nesses anos, por fer­rovia, chegou a Lisboa a II Guerra Mundial. Sem soldados, mas com muitos refugiados e espiões.

O comboio voltaria a fazer história em 1974. No dia 25 de abril, Mário Soares embarcou no Sud-Ex­press para Lisboa, onde chegaria no dia seguinte para ser aclamado por uma multidão em San­ta Apolónia. Chamou-lhe «o comboio da liberdade». Na década anterior, um milhão de portugueses tinha emigrado e, se nos anos de ditadura as composições eram controladas pela PIDE, em tempos democráticos a rota passou a ser usada maciçamente pelos que tinham fugido.

A 11 de setembro de 1985 marcaria no­vamente a história de Portugal, desta vez de forma trágica, protagonizando o maior acidente ferroviário ocorrido no país, o de Alcafache, que tirou a vida a mais de cem pessoas ao colidir com um comboio regio­nal na Linha da Beira Alta.

Na história do Sud-Expresso conta-se uma boa parte da história do país. Como se fos­se uma ilha que se separou do resto de Por­tugal e andasse, para trás e para a frente, a lembrar-nos de quem somos.