«Uma mulher não precisa de ser masculina para se afirmar no futebol»

Mónica Jorge é diretora para o futebol feminino da Federação Portuguesa de Futebol. É a única mulher a desempenhar esse cargo, e chegou até ele pela garra que pôs em dar notoriedade ao futebol feminino. Aos 36 anos, acabados de fazer, essa continua a ser a sua missão: trazer o futebol, mas no feminino, para as bocas do mundo. E do outro, nomeadamente da prestação da seleção no Mundial do Brasil… não fala.

Quantas vezes  na vida  lhe  apeteceu  ser rapaz?
Tantas vezes! [risos] Bem… Algumas… Mas não foram muitas. Tenho muito orgulho em ser mulher.

Se fosse rapaz, e estando dentro do futebol, tinha mais mediatismo…
Ou podia ser bailarino e ter ido para o ballet! Houve momentos em que senti isso, não nego. Não quando era criança, porque sempre fui bem aceite quer com os meus primos quer nas brincadeiras de rua. Sempre que chegava a casa a minha mãe dizia-me: «Mas porque é que tu não nasceste rapaz? Onde é que tu andavas às tantas da tarde em vez de estares a estudar?» Era uma expressão que ela usava, mas a verdade é que nunca senti vontade de ser igual a eles. De fazer a mesma coisa que eles faziam, senti. Se eles eram capazes de subir às árvores e de passar o rio de um lado para o outro, eu também era. O desafio era fazer o que eles faziam, mas não ser como eles. Talvez agora, estando mais velha, pense mais no porquê de não ter nascido rapaz.

E o que mudou?
Se eu fosse rapaz talvez tivesse feito as coisas de outra maneira. Em certas tomadas de decisão as mulheres são menos racionais, os homens são mais práticos. Sempre que há alguma situação profissional que temos de resolver, seja ela positiva ou negativa, a mulher tem sempre tendência a decidir com o coração, e às vezes eu não gosto disso. Porque é que eu não sou como os homens que tomam uma decisão e não há volta a dar?

Uma equipa masculina é diferente de uma feminina?
Sim. No entanto, há parecenças. As raparigas do Norte são como os rapazes do Norte, muito mais práticos, mais agressivos, é muito mais fácil dirigi-los porque uma pessoa pode estar irritada e eles nem ligam. Já a rapariga do Sul é como o rapaz do Sul, muito mais sensível, não gosta que falemos a gritar… Entre rapazes e raparigas existem fundamentalmente duas grandes diferenças: a curiosidade e o ponto de vista emocional. Elas perguntam tudo, às vezes até demais [risos]. Do ponto de vista emocional, tanto pode dar para o lado negativo como para o positivo. Precisamos de falar muito com elas, de dar muita atenção… No entanto, o espírito de sacrifício de uma mulher é muito maior. Quando está envolvida em algo que acredita, quando sente que existe um compromisso entre todos pelo mesmo objetivo, tem uma dedicação de 150%. Quem lida com as mulheres precisa de ter esta aproximação mais forte.

O futebol é algo altamente competitivo, sobretudo para os homens. As mulheres quando entram na modalidade têm consciência de que existe um patamar que elas não vão conseguir atingir?
Depende se falamos do contexto nacional ou do internacional. Aqui somos amadoras, mas já temos algumas jogadoras portuguesas a atuar no estrangeiro com estatuto semiprofissional. Uma ou outra já foi mesmo profissional. E aí é igual: há objetivos que o clube traça e elas ganham dinheiro pela concretização dos mesmos. É claro que não são valores astronómicos como os jogadores masculinos ganham, mas já há jogadoras da seleção alemã, da brasileira ou da sueca que já conseguem tirar muito dinheiro no futebol feminino. Algumas ganham mais do que profissionais da primeira divisão portuguesa. Essas jogadoras têm patrocinadores, uma marca que as representa, e além do salário no clube recebem do patrocinador e da seleção. Temos empresários e empresárias.

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E as jogadoras já têm isso na cabeça quando entram para esta área ?
Em termos nacionais, não. Inicialmente, o que elas tentam é jogar na melhor liga possível e, ao mesmo tempo, exercer uma profissão que seja possível de conciliar com a competição.

A Mónica nunca chegou a jogar profissionalmente…
Joguei a nível distrital e em futsal, porque era o que eu tinha perto de casa, em Coimbra.

E que diferenças existem desse tempo para agora?
Antes jogava-se pelo lúdico, pela brincadeira e não havia aquele compromisso de a atleta ter treinos todos os dias e jogos ao fim de semana. Neste momento, apesar de se preservar um pouco do lado lúdico, a chegada das jogadoras à seleção nacional, aliada à exigência dos treinadores e da própria competição internacional, leva a que sejam elas próprias a assumir um compromisso de atletas, de treinar todos os dias e de respeitar um contrato com um clube. Logo a partir das sub-16 nós exigimos isso mesmo a quem é constantemente chamada à seleção, de forma que se possam superar do ponto de vista  competitivo. Essa exigência faz que cresçam com uma mentalidade mais competitiva e de maior dedicação à modalidade.

Portugal tem o menor número de atletas femininas de alta competição da Europa, algo que se estende ao futebol. Existe explicação para esta diferença?
Eu acho que é uma questão cultural. Nos países nórdicos há uma mentalidade completamente diferente quando comparada com o Sul da Europa, como Portugal, Espanha e Grécia. Por outro lado, nos países nórdicos existe uma cultura em que tanto homens como mulheres têm muito melhor acesso à atividade física, nomeadamente aos desportos coletivos. Aqui nós temos o hábito de associar as mulheres a desportos individuais, como o atletismo ou o judo. Não existe um processo de continuidade para os desportos que se praticam na escola, enquanto nos outros países essa continuidade é feita. Pode ser que futuramente consigamos aproximar o desporto escolar do processo federativo. Porém, já estamos muito melhor do que estávamos. Atualmente, já se veem pais a ir ver as filhas praticar o seu desporto, seja ele qual for. Na minha geração isso não acontecia, a minha mãe nunca me acompanhou nessas coisas.

Como começou esse seu interesse tão forte pelo desporto?
Toda a criança que sinta interesse pelo desporto, ou tem uns pais que a influenciam ou tem… os primos. E muitas das raparigas que vêm das aldeias, que brincam na rua, acabam por entrar nas brincadeiras dos rapazes. Foi isso que me aconteceu. Só tinha uma irmã de 4 anos, que era muito pequenina, então tinha de brincar com eles. Nem que fosse só jogar à apanhada, como eu fazia em Coimbra, ao pé do rio Mondego. Alinhava em tudo o que fosse assim mais ativo. Depois havia o futebol. O meu pai nessa altura já era sócio da Académica, e como não tinha filhos levava-me aos jogos. Comecei a ir para lhe fazer companhia – gostava dos tremoços, do ambiente –, mas depois acabei por entrar naquela mística da Briosa. Comecei a perceber o jogo, as táticas… E o futebol acabou por ser uma paixão acima de qualquer outra modalidade.

Em que clubes jogou?
No Ribeirense, no Santa Clara e no São João. Eram os clubes que existiam ali à volta e aos quais eu tinha capacidade de me deslocar de bicicleta. Os meus pais não tinham possibilidade de me levar ao outro lado de Coimbra. Depois acabei por ir para Desporto no 11.º ano.

O desporto sempre foi o objetivo ou quando era pequena queria ter outra profissão?
O primeiro objetivo foi a dança, porque quando era mais pequena adorava dançar. Quando fui para a escola e descobri as pessoas de desporto, comecei a identificar-me com elas, e então decidi que queria ser professora de Educação Física. Depois quis entrar para a Polícia Judiciária. Tinha uns amigos que se tinham candidatado e era uma profissão que juntava o desporto à psicologia. Acabei por entrar para Desporto em Rio Maior, apesar de a Matemática, que eu detestava, me ter complicado a vida. A Escola de Rio Maior era pioneira em algumas modalidades. E eu escolhi futebol de alto rendimento.

Porquê?
Ainda nem sei bem porque escolhi aquilo, porque eu nem sabia a saída que tinha! Sabia apenas que gostava de liderar equipas, mesmo no desporto escolar já era eu que organizava a equipa. Era a única aluna da turma. Ainda pensei em desistir, porque sendo uma mulher no futebol não sabia se teria futuro ali, e, tendo a possibilidade de trocar de modalidade, ponderei fazê-lo. Mas o professor Peseiro nunca me deixou sair.

Já queria ser treinadora?
Sabia que era muito difícil ser treinadora. Até porque na altura nem sabia que existiam seleções femininas. Sempre pensei que ia trabalhar com rapazes. Mas tinha esperança de que, por ser mulher e ser diferente, houvesse oportunidades para mim no futebol masculino. Entretanto tive a sorte de ter a possibilidade de ir estagiar para a seleção de futebol feminino. Enviei o meu currículo e, como na Federação precisavam de um selecionador novo e de alguém que fizesse a ligação entre o treinador e o balneário, acabaram por me chamar para acompanhar o professor Nuno Cristóvão. Fui continuando e ao fim de 14 anos ainda aqui estou. Tirei os II, III e IV níveis de Treinador, até que sete anos depois surgiu o convite para ser selecionadora. O Dr. Gilberto Madaíl a telefonar-me devia ser porque tinha feito asneira [risos]! Mas não, perguntou-me se queria assumir o cargo.

E que mudanças trouxe à seleção nacional de futebol feminino?
Decidi que estava na hora de mudar de imagem, de chamar a atenção, que as jogadoras tinham de mudar a sua forma de estar. Era o momento de o futebol feminino deixar de ser uma coisa lúdica e passar a ser algo mais sério. Não tinha uma boa imagem junto da comunicação e dos media e havia que mudar o que estava mal.

Que imagem era essa?
A de maria-rapaz. Mas isso tem que ver com a nossa cultura. O objetivo era que as jogadoras cuidassem um pouco mais da aparência, não haver vergonha de ser feminina só porque se é atleta. Às vezes parece que elas pensavam que para se afirmarem no futebol tinham de ser mais masculinas. Então, começámos a desafiar a jogadoras, a dizer para elas pintarem as unhas e deixarem o cabelo estar comprido. Dizer às atletas para não terem vergonha de serem como são. Se são mulheres e gostam de ter o cabelo curto, tudo bem. Mas mesmo a essas dizíamos para se pentearem e se arranjarem. Se o jogo dava na televisão havia que passar uma boa imagem, pois as crianças que hoje assistem aos jogos são os pais que amanhã vão pagar para que a filha jogue futebol.

Elas tinham essa noção?
Não. Ninguém as educou no sentido de que era preciso passar uma imagem diferente. É óbvio que houve quem achasse que aquilo era uma palermice e que elas tinham de ser aceites pelo que eram.

A afirmação das mulheres na modalidade faz-se então mais pelo feminino do que pelo futebol?
Eu própria era maria-rapaz e ainda hoje gosto de andar de calção e chinelos. Mas sempre me esforcei por preservar uma imagem cuidada. Se formos desleixadas prejudicamos a imagem do futebol feminino. As atletas mais novas, que nós reeducámos logo aos 16 ou 17 anos e que agora estão na seleção principal, desenvolveram esses cuidados: pintam unhas, usam base. E não é por isso que deixam de ser agressivas ou lutadoras. Continuam a ser quem são, mas têm cuidados, e as outras raparigas copiam isso. As raparigas de 13 ou 14 anos que andam nas redes sociais e gostam de uma ou outra jogadora reparam que essa atleta tem uma boa imagem. Estou-lhes sempre a dizer para não terem vergonha de serem mulheres e que não há necessidade de terem gestos masculinos só para se afirmarem.

Quando chegou à Federação Portuguesa de Futebol – da qual é diretora – deparou-se com um ambiente muito machista?
Na altura em que entrei era um pouco mais, mas é natural. Como posso dizer às pessoas para mudarem a mentalidade se as próprias não choram, que as meninas têm determinadas funções e os rapazes outras. Não podemos mudar uma cultura assim de repente.

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Mas o futebol é ou não um ambiente profundamente masculinizado?
Sim, é. Mas na política é igual. A mulher começou a entrar na política por quotas. E depois, até por uma questão de marketing, por ficar bem, começou a ganhar o seu espaço. É um bocadinho como no futebol, apesar de achar que não temos de roubar espaço ao homem. A mulher tem de conquistar o seu espaço e encontrar o seu lugar. E acredito que com competência e determinação podemos lá chegar.

E para isso acontecer não seria melhor se estivesse mesmo no futebol masculino?
Já há algumas mulheres a ocupar cargos no futebol profissional. Podem não ser muito mediáticas, mas andam por aí e com funções importantes. Muitas vezes são elas que equilibram os projetos. Ao chegarem a um certo patamar, abrem certas portas para outras mulheres. Eu, ao ser ao diretora da Federação, abri portas a que outras associações convidassem mulheres para a direção. Daqui a três ou quatro anos até pode não ouvir-se falar de mim, mas enquanto fui uma referência permiti que se abrissem portas a outras pessoas. É isso que também digo às jogadoras: é importante deixar um legado para as gerações futuras.

É importante, então, haver mais casos como o da Helena Costa – que infelizmente acabou mal?
Sim. Em Itália já tinha sucedido algo do género, na terceira divisão. É sempre bom para a classe. Haverá agora um olhar mais atento a novas treinadoras que cheguem a outros patamares.

Gostava de estar no lugar dela?
Neste momento não acontecem coisas no masculino que eu já nem apanho.

Como por exemplo…
Notícias! Perguntem-me tudo do futebol feminino, porque do futebol masculino já há coisas que me passam ao lado. O difícil está em fazer que o futebol feminino evolua, principalmente numa cultura em que antigamente não se queria que as mulheres jogassem futebol. O desafio é saber como é que o departamento de futebol feminino vai conseguir investir na modalidade com poucos recursos, já que as seleções femininas não trazem retorno financeiro. É uma luta constante, feita de altos e baixos.

Acha que o facto de ser mulher a ajudou a integrar a lista de Fernando Gomes para a direção da Federação Portuguesa de Futebol?
O convite que me fizeram foi sempre com o objetivo de liderar o futebol feminino. Ninguém vai convidar uma pessoa para um cargo diretivo só por ser mulher, ainda para mais sendo o nosso presidente uma pessoa tão profissional e exigente Só quem não o conhece é que pode pensar que ele me convidou só por ser mulher. Noto uma grande preocupação da parte dele com o futebol feminino. Ele telefona assim que os jogos acabam para saber o resultado. Eu não estava nada habituada a isso. A exigência que ele impõe puxa por nós.

Podemos afirmar que o seu objetivo não passa pelo futebol masculino?
Neste momento não passa e não sei se algum dia passará. Estou a gostar de desempenhar a função de diretora da Federação. Vou para o masculino para ter chatices? Eu já trabalhei com rapazes, mas sempre numa faixa etária entre os 13 e os 16 anos. Nunca fui desrespeitada, muitas vezes eles até olhavam para mim como uma irmã ou uma mãe. Mas no futebol profissional as coisas mudam, até por haver muitas nacionalidades e culturas diferentes dentro de um plantel.

Como aconteceu com a Helena Costa, que acabou de demitir-se do Clermont Foot 63?
Não gostava de falar sobre isso.

No futebol vertem-se os problemas que as mulheres têm no mundo, como a falta de direitos?
Sim, vou dar um exemplo. Nós recebemos recentemente a Coreia do Norte na Algarve Cup, e foi algo estranho perceber que o único momento de liberdade que elas tinham era no campo. Até os festejos dos golos eram controlados. Dá a sensação de que enquanto elas estão a jogar e a ter contato com outras pessoas fora do meio a que estão habituadas é o único momento em que elas são felizes. Só tinham dez minutos para estar fora dos quartos e não podiam ver televisão. Ao ver aquela realidade, eu e as jogadoras da seleção portuguesa sentimo-nos as pessoas mais sortudas do mundo. Uma das coisas boas do futebol é podermos avaliar certos padrões culturais que nos fazem valorizar a realidade em que estamos inseridos.

Enquanto diretora do Futebol Feminino, qual é o seu maior desejo para a modalidade?
Ter uma fase final de um Campeonato da Europa em Portugal e que a nossa seleção chegasse às dez melhores da Europa. Estamos no 25.º lugar e os três primeiros postos são ocupados pela Alemanha, pela França e pela Suécia.

O que falta para lá chegar? Talentos?
Não! Nós apurámo-nos em dezembro para o Campeonato da Europa de Sub-17 com uma seleção que foi feita em janeiro de 2013, com uma base de recrutamento de 300 atletas a nível nacional. Até a UEFA ficou espantada com o que fizemos. Talento há, e muito. Há dois anos já tínhamos apurado a seleção de sub-19 para o Europeu.

Existem muitos talentos escondidos no nosso país?
O problema não é o talento estar escondido, mas sim dar continuidade à prática desportiva. Nas escolas há sempre raparigas a jogar futebol. E quem joga tem qualidade. Estamos num país do futebol. O problema é arranjar competições para elas, esse é o desafio. As associações já estão a trabalhar nessa área, nós já estamos a promover competições para as mais pequeninas a nível distrital, até para que mais clubes possam ser criados e haver formação.

Os clubes grandes já têm escalões de formação de futebol feminino?
O Benfica e o Dragon Force, que pertence ao FC Porto, já têm. O Sporting só tem formação de futsal, futebol 11 ainda não. Mas todos eles já começam a pensar nisto, até por uma questão de marketing e de seguir uma aposta que já foi realizada por outros grandes clubes europeus. Ter os três grandes no futebol feminino é um dos nossos objetivos.

Que é a sua jogadora preferida?
Tenho algumas, mas há uma que eu já admirava antes de a ver ao vivo, e quando a vi passei a gostar ainda mais, que é a Marta. Apesar de não ter ganho as últimas Bolas de Ouro da FIFA, acho que é um talento excecional. Vê-la jogar ao vivo é impressionante. Joga no lado esquerdo e no lado direito, com os dois pés, é rápida, explosiva. Acho que ninguém mais do que ela merecia ganhar as cinco Bolas de Ouro que já conquistou. Pode agora não estar na sua melhor forma, mas continuo a dizer que é muito difícil jogar contra ela. Nós tivemos o privilégio de jogar contra o Brasil há cerca de ano e meio e é muito difícil parar aquela jogadora. Quando deixar de jogar vai ser complicado para o Brasil arranjar outra como ela.

Qual é a diferença entre o jogo masculino e o jogo feminino?
A principal diferença está na capacidade física. Há quem não goste do que eu vou dizer, mas eu acho que o futebol feminino nunca vai ser igual ao futebol masculino. É a mesma coisa que dizer que, no atletismo, os 100 metros femininos vão ser iguais aos 100 metros masculinos. É impossível. O corpo da mulher é uma coisa e o do homem é outra. Pode é aproximar-se muito de altos patamares competitivos. Nos últimos anos, o futebol feminino tem evoluído muito mais do que o masculino. As atletas já correm mais, estão fisicamente muito bem trabalhadas, com uma maior inteligência tática e maior capacidade de decisão. Tem havido jogos com uma intensidade fantástica. Mas não é tão explosivo como o futebol masculino. Nem é tão agressivo nem  em tantas paragens .

Não há tantas faltas?
Há faltas, mas a mulher faz menos show-off. Há menos tempos mortos, apesar de já haver mulheres que começam a cair e a aproveitar-se das faltas. Mas é como eu digo: pode ser espetacular, pode ter golos fantásticos, ser mais rápido e mais atlético, mas, a menos que eu esteja enganada, nunca chegará ao nível do futebol masculino. Nem me parece que tenha de ser igual… Não podemos andar anos e anos a compararmo-nos com o masculino. Eu defendo isso, apesar de haver quem seja mais extremista.

E qual é a sua referência a nível de treino?
E se eu disser que não tenho ninguém? Admiro algumas pessoas no desporto, mas nenhuma que eu siga como referência. A nível de treino até posso admirar um ou outro, mas não me identifico.

Quem era o seu jogador preferido quando era mais pequena?
Gostava muito de alguns jogadores que via na seleção nacional, como o Jorge Costa, do FC Porto. Tinha uma atitude bravia em campo e gostava de o ver jogar. Adorava também o Paulo Futre, entusiasmava-me o facto de ser tão rápido e passar por todos os adversários. Admirava-os pela personalidade em campo, por se mostrarem emocionalmente estáveis. Mas nunca tive aquela febre dos ídolos, de chegar perto deles.

Já falou dos cuidados com a imagem que as suas jogador as têm de ter perante os media. Não acha que existe agora uma pressão enorme sobres os jogadores de futebol?
Não acho que os cuidados com a imagem tenham que ver com a pressão.

Os jogadores homens há 15 anos também não cuidavam da imagem…
É verdade, começaram a cuidar precisamente devido ao marketing e aos direitos de imagem, que são coisas relativamente recentes.

De onde acha que vem esta loucura tão grande que existe pelo futebol em Portugal?
Acho que as pessoas aliam-se muito ao futebol para esquecer alguns problemas que têm em casa. São momentos de alegria que as pessoas gostam de partilhar. Ainda agora na final da Taça de Portugal, às oito da manhã, as imediações do Jamor já estavam cheias. Às vezes nem sei se as pessoas vão para assistir ao futebol ou para estar no convívio. É um momento do povo, e enquanto estão ali esquecem as dificuldades que trazem. Sendo nós um país tão pequenino e com uma ligação tão forte ao futebol, acaba por ser natural que muitas das maiores alegrias provenham daí.

É uma grande responsabilidade estar no futebol num país como o nosso?
É uma grande responsabilidade que está em cima de toda a Federação, ainda para mais quando temos a seleção nacional A masculina nos quatro primeiros lugares do ranking mundial. É natural que nos tenhamos de focar no futebol. Temos os melhores jogadores do mundo, os melhores treinadores do mundo e os melhores árbitros do mundo, o que ainda aumenta mais a pressão.

Há quem entenda que o futebol não tem nada para ensinar. Quando a Mónica dá palestras, o que explica a quem a ouve?
Eu tento sempre fugir do futebol e levar as coisas para o nível pessoal. Há uma coisa que a atividade desportiva ensina desde cedo às crianças: têm de conviver em grupos e respeitar ideais e os colegas. Uma criança que tenha estas noções fica diferente. O que eu passo, da minha experiência enquanto selecionadora e agora como diretora, é que este processo além de ensinar também reeduca.

Mesmo quando há egos envolvidos?
No futebol feminino não se põe tanto essa questão, mas no masculino é diferente. Alguns clubes já têm acompanhamento psicológico, em que os jovens são obrigados a estudar e já não vivem só do sonho de virem a ser futebolistas. Nós também já temos essa preocupação, porque o futebol feminino não dá dinheiro a ninguém, é um hobby. Todas elas querem ser profissionais, mas eu digo-lhes para não pensarem nisso e para se concentrarem nos estudos. Depois do 12.º ano podem pensar em ir lá para fora, ou mesmo se quiserem ir antes, pelo menos que aprendam a língua local. É óbvio que também há jogadoras que deixam a escola cedo, e aí temos de ter um olhar crítico sobre a situação, porque a partir do momento em que elas confiam em nós tendem sempre a perguntar a nossa opinião. Também há situações difíceis: as meninas que têm pais, as que têm papás e as que nem pais têm. Quem joga futebol feminino tanto pode vir de uma classe média alta como de uma classe média baixa, o que acarreta diferentes comportamentos. Muitas vezes temos de fazer o papel de psicólogas, de mãe e de irmã. No futebol masculino há possibilidades financeiras para haver esse acompanhamento psicológico, mas no feminino, infelizmente, os clubes não têm capacidade para manter esse suporte. O que pretendemos é que as raparigas cheguem aqui crianças e saiam daqui mulheres, mas bem orientadas. Se for preciso castigar alguém, castigamos. Se alguém tiver de deixar de ser convocado por mau comportamento, deixa. Ou se adota essa postura ou não se adota. Educar é fundamental. Só chega à seleção nacional quem quer aprender, autovalorizar-se e ter alguns valores. Se não tem, tentamos ajudar… Mas é muito difícil porque não estamos com eles todos os dias.

O que pensa agora a sua mãe, que anteriormente lhe chamava maria-rapaz,  sobre o facto de a Mónica valorizar tanto o desporto no feminino?
Agora é a primeira a elogiar o que eu faço. Antes ela dizia sempre que o desporto não dava dinheiro, possivelmente porque queria algo que me desse um futuro melhor. De facto, o futebol feminino não dá dinheiro, apesar ser um privilegiado por estar aqui neste momento. Mas agora é a primeira a valorizar o nosso trabalho e acompanha tudo nas redes sociais, dá força às jogadoras quando elas estão lesionadas… Ela mudou muito a sua opinião relativamente à mulher no desporto, porque antigamente ela nem queria saber. Agora vai ver os nossos jogos, até já lhe disse para ela não voltar a gritar porque enerva-se muito [risos].

Ela já gostava de futebol?
Ela não era grande entusiasta, via futebol na televisão mas não ligava muito. A partir do momento em que eu vim para a seleção, e começou a interagir num meio mais familiar, começou a entusiasmar-se e às vezes até diz que eu não posso ir ver jogos com ela porque fico muito alterada. O meu pai, apesar de já ter falecido há dois anos, sempre foi mais entusiasta. Sempre me apoiou, acho que os pais nesse aspeto são mais liberais do que as mães.