Sozinhos em casa

Um português, um inglês e um argentino juntaram-se para ajudar estudantes a arranjar casa para viver no estrangeiro. Graças à Uniplaces, de Miguel Santo Amaro, a dor de cabeça do início do ano letivo – sobretudo para alunos Erasmus – acabou. A empresa de arrendamento universitário já chegou a Espanha e ao Reino Unido.

Miguel Santo Amaro podia jurar que sempre fez is­to, tão natural lhe é pen­sar em reservas de aloja­mento para estudantes universitários. Mas tu­do começou no final de 2011, quando pre­cisou de encontrar casa no Porto para dois amigos estrangeiros (os atuais sócios) de­pois de alguns anos a estudar em Inglater­ra. Miguel descobriu como o método tradi­cional era difícil para jovens em terra estra­nha, que vinham sem falar a língua nem ter onde ficar. «Havia uns quantos anúncios em árvores e nas paredes das faculdades, alguns canais online rudimentares e pouco mais», diz, admirado ainda hoje com a falta que fazia a possibilidade de alugar um apar­tamento pela internet durante uns meses, pronto a habitar, de forma simples e segu­ra. Como é que os estudantes encontravam cama sem uma plataforma que centralizas­se toda a informação referente ao arrenda­mento universitário? Era um mistério.

Sendo assim, porque não pensar ele nis­so? Esse foi o ponto de partida. Em junho do ano passado, Miguel Santo Amaro, o inglês Ben Grech e o argentino Mariano Kostelec lançaram a Uniplaces. Na altu­ra, estavam longe de pensar que, menos de um ano e meio depois, estariam prestes a angariar 2,8 milhões de euros para a ex­pansão internacional.

«Este é um mercado informal, que cres­ceu muito em oferta e procura», diz Miguel. «Mas não existe uma marca de referência mundial que tenha acompanhado a expan­são do programa Erasmus de há 27 anos para cá. A Comissão Europeia incentiva que vin­te por cento dos estudantes passem por uma experiência de intercâmbio até 2020, mas não existe uma plataforma que facilite es­se processo e as mudanças de habitação daí decorrentes.» Antes de pensarem no tele­móvel que terão de ter, na internet, no segu­ro, na viagem, aos estudantes interessa sa­ber quando poderão ter casa e em que condi­ções. «Esse é o custo maior associado a uma temporada no estrangeiro. Percebe-se que queiram assegurar essa parte antes de irem para um novo país.»

Foi ao tirar uma licenciatura em Finan­ças na Universidade de Nottingham, Ingla­terra, que o empreendedor portuense de 25 anos se tornou amigo de Ben Grech, colega de curso. Ben já conhecia Mariano Kostelec (ambos um ano mais velhos) do tempo em que o engenheiro informático estudara em Londres e admirava o trabalho do argentino na expansão asiática da Groupon, o site de e-commerce que oferece promoções diárias pa­ra angariar clientes aos estabelecimentos lo­cais. Mais tarde, Miguel e Mariano conhe­ceram-se em Pequim, quando o português visitou um amigo, recrutado precisamen­te para a Groupon chinesa. Percebeu que os três iriam acabar a trabalhar juntos.

«A nossa história é um bocadinho inver­sa à que é habitual na indústria: não começá­mos com ideia-equipa-produto. Foi a equipa que foi testando vários projetos e a Unipla­ces surgiu», diz Miguel. Escolheram o Porto pelo sol, a vontade de ajudar o país em crise e porque teriam mais margem para errar do que noutra grande cidade, mas procurar alo­jamento para Ben e Mariano foi um sarilho.

«Surgiu aí um primeiro interesse nesta questão da reserva de alojamento para estudantes universitários, sobretudo estrangeiros.» Quando o amigo Francisco Silva, então presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, lhe pediu ajuda para um grupo desnorteado de alunos em busca de casa, decidiram criar a plataforma virtual. Com ela venceram em 2011 o StartUp Weekend Lisbon, um concurso para jovens empresas a dar os primeiros passos e mudaram-se para a capital.

«Os estudantes que vão para fora não o fazem só pelo ensino. Tem que ver com a nova cultura e nós queremos fazer parte dessa experiência completa para eles», diz Mariano Kostelec, que orienta o marketing de produto e a expansão internacional (foi ele quem a lançou em Madrid, onde a Uniplaces marca presença a par de Londres). «Estamos a crescer no número e variedade de acomodações oferecidas e satisfeitos por trabalhar com senhorios confiáveis, com um interesse sustentado em arrendar a estudantes», confirma Ben, responsável pelo mercado inglês e pela área financeira e de investidores. Para Miguel, responsável pelas vendas, organização interna e consumer service, a ideia é chegar à América do Sul até ao início de 2016 (estiveram no Chile em 2012 a estudar o mercado), ter presença na Ásia e EUA e criar uma marca mundial. «Temos uma oportunidade para fazer algo histórico. Queremos ser a referência internacional para o alojamento universitário.»

Depois de Lisboa e Porto, os sócios estão agora a analisar Coimbra como terceira cidade universitária em Portugal. O financiamento de 2,8 milhões de euros pela empresa britânica de capital de risco Octopus Investments (que no final de 2013 já lhes angariara 840 mil euros) permite-lhes pensar também em crescer para a Alemanha, Itália, Holanda, França, Bélgica e Áustria.

Ainda em 2013, vendo que o mercado de classificados estava a evoluir para plataformas de reservas, passaram a processar tudo online: através de bons anúncios que eles mesmos redigem e fotografam, os estudantes podem ver as casas, quartos ou apartamentos no site sem necessidade de visita e reservarem diretamente, dando mais garantias a inquilinos e proprietários.

«Tal como é simples reservar um hotel na Colômbia ou na China usando o Booking.com, com um sistema intuitivo de pagamento, cancelamento e informação de hotéis em ambas as geografias, a Uniplaces agrega toda a procura e oferta num único espaço virtual, com um sistema de reserva», diz Miguel. A empresa não cobra pelos anúncios, recebendo apenas comissões pelos contratos estabelecidos entre senhorios e arrendatários. Essa usabilidade gerou mais de seis milhões de euros aos senhorios neste ano (serão dez milhões no início de 2015), 21 mil anúncios na página, parcerias com as principais universidades do país e reservas de estudantes de 89 nacionalidades, nomeadamente Brasil, Rússia, China ou Austrália. «Queremos ser o parceiro oficial de todas as universidades do mundo e que a Uniplaces chegue a qualquer cidade e ofereça aos estudantes uma plataforma segura onde possam reservar.» Criar este estatuto de love brand é só o início. «A partir daí, o céu é o limite.»

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Da esquerda para a direita, Mariano Kostelec, Ben Grech e Miguel Santo Amaro.

«TOSTÕES» E MILHÕES
Todos os dias, Miguel Santo Amaro tem grandes números a passarem–lhe na cabeça: os 19 mil milhões de euros em que está avaliado o mercado de arrendamento universitário europeu (250 milhões em Portugal); os cerca de 31 mil estrangeiros que estudam no país; os largos milhões com que se faz consultoria em grandes empresas como a McKinsey, para onde ia antes de fundar a Uniplaces, ou a Oil & Gas, uma das indústrias em que trabalhou e analisou quando estagiou no BPI em 2011. Na hora de avaliar o seu capital pessoal, contudo, valores mais altos se levantam. Como a vez em que subiu o Kilimanjaro para conseguir fundos para construir uma aldeia na Tanzânia, depois de terminar a licenciatura e querer conhecer mais do mundo. Ou aquela vez em que tentou fazer o mesmo na República Dominicana (ainda em 2011), ao meter-se na selva e ver que cinquenta euros da mesada chegavam para patrocinar os estudos a alguém durante um ano. Ou ainda quando foi para o Bangladesh trabalhar em microcrédito com Muhammad Yunus, nobel da Paz, no ano seguinte. «Foi nessa altura que percebi a importância dos números pequenos e esse foi o meu maior choque. Até aí só tinha lidado com milhões, achava que cinquenta mil euros não davam para nada. E então descobri o impacto dos números pequenos e fiquei com uma perspetiva completamente diferente de tudo.» Foi quando decidiu que estava na altura de fazer um mestrado em Empreendedorismo Global no Babson College, em Massachusetts, EUA. «Queria entender esta realidade de ter big money e big budgets por um lado e, por outro, o que era isto de mudar o mundo com 200 mil euros. Seria difícil ir para uma grande empresa e gerir um orçamento de 50 milhões sem nunca perceber o que eram 50 mil euros.»