Reencontro com a história

O AVIZ voltou ao centro de Lisboa há menos de uma década e, afinal, é como se nunca tivesse de lá saído. A Life, chamou-lhe um dia «o restaurante mais sumptuoso do mundo». Nós conseguimos não partir nenhuma peça do serviço.

Não sei se, no dia em que visitámos o Aviz, nos munimos da reverên­cia necessária. Fundado há mais de setenta anos e tornado céle­bre pelas receitas do mestre Ribeiro, sobre cuja herança trabalharam nos últimos anos os chefs Carlos Martins (primeiro) e Cláudio Pontes (depois), o Aviz não é um restaurante qualquer: é um marco na história da capital e do país. Nele comeram Frank Sinatra, Evi­ta Perón, Maria Callas, Marcello Mastroian­ni. Nele se repastou com frequência Calous­te Gulbenkian, o «senhor cinco por cento».

Entretanto, tresmalhou-se: andou pelo Chiado, pelas Amoreiras e até pelo Estoril. Mas regressou ao centro de Lisboa em 2005, para se instalar a dois passos do Marquês de Pombal, no rés do chão do hotel homóni­mo – e agora ali tem estado, servindo a uma clientela selecionada e elegante, a quem ao jantar se pede casaco, pratos tão míticos co­mo perdiz à convento de Alcântara, santola recheada à Aviz, foie gras glaceado em redu­ção de vinho do Porto LBV, coxas de rã pa­nadas com molho aioli e salsa frita, vieiras glaceadas sobre creme de pimento doce, lin­guini nero com lagostins salteados à Bulhão Pato, medalhão de vitela barrosã com cogu­melos do bosque e gratin de legumes ou co­cktail de caranguejo real vermelho à Aviz.

Visitei-o com o Arlindo, com quem não almoçava há anos, e demorámos a desper­tar. Não nos demos logo conta da baixela Christoffle ou do serviço Vista Alegre. Não nos demos logo conta das cadeiras de luxo nem do requinte do serviço.  Desencontrá­ramo-nos, como o Aviz da sua cidade, e ha­via demasiado a contar, como sempre entre dois velhos compagnons de route a quem pe­lo meio aconteceram as ilusões, os filhos e as desventuras.

Até que um de nós levou à bo­ca a primeira garfada de foie gras e estacou. E depois o outro imitou-o e estacou também. E, afinal, um por um, os segredos e as his­tórias e os triunfos e as desilusões das oito décadas de tradição daquele lugar começa­ram a desfilar, enquanto íamos saborean­do o Chardonnay Stanley e o Pampo, o bife mertolenga e o Tinto Stanley, o 100% cho­colate e a música clássica que nos rodeava.

Estamos a meio da vida e no Aviz pare­ceu-nos que estávamos no momento cer­to, quase no topo do mundo. Devíamos vol­tar lá todos os anos, a celebrar aquele bife mertolenga. Ou teria sido do chardonnay?

RESTAURANTE AVIZ Rua Duque de Palmela, nº 32, r/c, Lisboa. Tel: 210.402.104/210.402.000
Cozinha portuguesa e mediterrânica. Estilo/atmosfera: elegante/negócios. Vinho a copo. Fumadores e não fumadores. Reserva aconselhável.
Aberto todos os dias, das 07.00 às 10.30 (pequeno-almoço), das 12.30 às 15.00 e das 19.30 às 22.30.