Quem é Anselmo Ralph?

Não há sucesso sem sacrifício/ na minha caminhada eu aprendi isso.» Este é o primeiro verso de Muito Obriga­do, uma das músicas de A Dor do Cupido, o mais recente álbum de Anselmo Ralph. Se as coisas correrem como até aqui, será mais um sucesso deste cantor angolano de 32 anos que to­mou de assalto as rádios e as pistas de dança portuguesas com o tema Não Me Toca – o vídeo no YouTube já ultrapassou vinte milhões de vi­sualizações e liderou durante semanas o top 25 da RFM. Eem Dezembro Anselmo Ralph esteve em Portugal – depois de ter, em 20 de julho, esgotado a Meo Arena, em Lisboa.

Antes de o ser no nosso país, Anselmo Ralph já era um ídolo em Angola. Simbolizava o advento da cena pop africana, em que os sons tradicionais do kizomba e do semba surgem misturados com os ritmos da pop e do rhythm and blues – e que acompanha a explosão económica do país e da sua classe média. Por cá, foi a enorme massa de seguidores portugueses que ditou a diferença, que o tornou uma es­trela internacional – com 519 mil seguidores no Facebook, trinta mil no Instagram – e impôs o feito, pouco usual para um artista africa­no, de chegar às rádios mainstream.

António Mendes, diretor da RFM, rádio do grupo Renascença, re­cebeu, em meados de novembro, o cantor nos estúdios da Rua Ivens, em Lisboa. No programa matinal da estação de rádio Café da Manhã, Anselmo não só fez um dueto com uma fã de 19 anos como também uma paródia da sua música O Euromilhões não Me Toca. O responsá­vel tem uma explicação para o sucesso do angolano: «Além do talen­to e da popularidade, o segredo do sucesso de Anselmo é cruzar refe­rências pop com as suas raízes angolanas e fazê-lo de forma contem­porânea e atual.» O diretor da RFM enaltece também a estratégia da equipa responsável pela divulgação do trabalho do músico além-fronteiras. «Nota-se que há um cuidadoso trabalho de produção. Ele tem trabalhado muito. Os vídeos dele são muito atuais, muito bem produzidos. Está lá tudo. Se nós ouvirmos Anselmo Ralph e de­pois um músico como por exemplo o Chris Brown, as sonoridades são semelhantes.» E mais: «Anselmo tem tido um cuidado muito grande na gestão da sua imagem.»

Conhecedor do panorama musical angolano, o empresário Manuel Moura dos Santos – que se divide atualmente entre Lisboa e Luanda – aponta também as razões do sucesso do hit do momen­to: «É uma música extremamente ritmada e alegre, pop, e que che­ga facilmente às pessoas.» O empresário, que já agenciou Rui Velo­so e ficou conhecido do grande público por ter feito parte do painel de jurados do talent show da SIC Ídolos, compara o fenómeno Ansel­mo Ralph com outro movimento também com raízes africanas que ocorreu em Portugal há vinte anos. «É um processo em tudo parale­lo com o que aconteceu nos anos 1990 com a música cabo-verdiana, com o B.Leza (discoteca) e com o contacto que os portugueses toma­ram com a música que se fazia em Cabo Verde», explica.

Ao fenómeno também não será alheia esta dupla relação entre Portugal e Angola – com raízes centenárias e desenvolvimentos re­centes. A forte presença de comunidades imigrantes angolanas em Portugal, todos os portugueses com relações com o país, e, mais re­centemente, a nova emigração para Angola. Tudo isso facilitou o ca­minho, a abertura de espírito e o maior conhecimento do que se faz musicalmente em ambos países. «O Anselmo explodiu em Portugal no último ano. Há muitos clubes de música africana que têm imen­sa popularidade, não só entre os angolanos que residem em Portugal mas também junto dos portugueses. Alguns por influência dos tem­pos que passaram lá, dos que vivem cá e trabalham lá e estão cá tem­porariamente e já tomaram contacto com este tipo de música. Todos esses fatores ajudaram muito a criar empatia com a música que se faz em Angola», explica o empresário.

Até porque a língua, aqui, é um fator facilitador. Tanto António Mendes como Manuel Moura dos Santos acreditam que Anselmo Ralph será apenas o primeiro de um movimento que há de trazer ao mercado português mais nomes da cena musical, não só ango­lana mas de outros países africanos que falam português. O diretor da RFM explica: «Temos ligações com esses países, temos cada vez mais pessoas que circulam entre cá e lá, que levam e trazem influên­cias. O que é surpreendente é como não aconteceu há mais tempo!» Manuel Moura dos Santos corrobora: «Ainda bem que a música an­golana está a chegar a Portugal e que a música portuguesa chega a Angola. Cantam-se na mesma língua e faz todo o sentido esse inter­câmbio, e que também envolva Cabo Verde, Moçambique.»

nm1124_anselmo04

O SÉTIMO ARTISTA MAIS RENTÁVEL DE ÁFRICA

Não se pode perceber o sucesso e a mediatização de Anselmo Ralph sem fazer referência ao «fator Fanny». Quando em julho a TVI exibia o reality showBig Brother Vip, a concorrente Fanny Rodrigues – a famo­sa finalista da segunda edição de Casa dos Segredos 2 – recebeu a visi­ta de um dos seus artistas favoritos dentro da casa da Venda do Pinhei­ro: Anselmo Ralph. Ela própria já tinha falado do cantor angolano no primeiro reality show em que participou, mas foi a ida de Anselmo ao programa da TVI, como o próprio reconheceu depois, num post na rede social Instagram, o impulso que faltava para o dar a conhecer ao público português. «Foi graças a uma admiradora do meu traba­lho, a Fanny, que tive a oportuni­dade de participar um programa [Big brother Vip], em que o meu ta­lento por si só não me levaria lá», dizia ele.

E como é que Fanny conhe­cia este inusitado cantor ango­lano? Tendo vivido até 2011 na Suíça, Fanny começou a ouvir a música do angolano há seis anos. Por essas terras frias, os sons da pop-kizomba de Anselmo fa­ziam parte do dia a dia. «Come­cei a ouvir Anselmo Ralph no início da adolescencia, na altu­ra de músicas como Não Vai Dar, Fanatismo, Pós-Casamento.»

O sucesso de Anselmo Ralph passou pela Suíça mas começou em Angola, claro. Um êxito que o transformou no sétimo lugar do top 10 dos músicos mais rentáveis do continente africano. O ranking, divulgado em setembro pela Forbes Africa em par­ceria com o canal sul-africano de música Channel O, é lidera­do pelo senegalês Akon, seguido dos nigerianos Don Jazzy, P-Square, D’Banj, Wizkid e 2FACE Idibia. Sete anos depois de ter lançado o primeiro album, Histórias de Amor, o músico de 32 anos é mais do que um nome, uma marca. E empresas como Sa­msung e Coca-Cola cedo se aperceberam disso, apressando-se a capitalizar comercialmente a sua projeção. A empresa ango­lana de telecomunicações Unitel lançou uma linha de telemó­veis Samsung personalizados com wallpapers e ringtones do in­térprete de Não Me Toca, que também já lançou uma fragrância masculina. O potencial internacional do músico captou a aten­ção da Sony Music (que detém artistas como Miley Cyrus, Bri­tney Spears e o conterrâneo Yuri Cunha), que assinou contrato com ele no início de 2012.

Para este sucesso não é alheia a biografia do cantor que nas­ceu Anselmo Ralph Andrade Cordeiro, em Luanda, a 12 de março de 1981. O filho do diplomata Leal Cordeiro e de Bernardeth Andrade cresceu entre a Europa, África e os EUA – onde o pai foi embaixador nas Nações Unidos. Em criança, como o próprio explicou numa recente entrevista ao programa Etnias da SIC Internacional, era tímido. «Sempre tive medo de multidões, de enfrentar o público. E ser músico nunca foi algo que pen­sasse fazer no futuro», conta, recordando, em jeito de brinca­deira que nos primeiros anos da sua carreira essa introspeção lhe valeu uma alcunha. «Chamavam-me o músico mais tími­do de Angola [risos].»

nm1124_anselmo08instnm1124_anselmo09inst

OS ÓCULOS ESCUROS E A VIDA EM NY
Os óculos escuros que o cantor angolano usa são mais do que uma imagem de marca, são uma necessidade. Como revelou recente­mente à revista TV7 Dias, sofre de miastenia grave, uma doença neuromuscular que provoca fadiga dos músculos voluntários e que, num estado evolutivo mais avançado, pode atingir a capaci­dade de deglutição e respiração. «Não tenho força nas pálpebras e às vezes as luzes e os flashes incomodam. Como não tenho força faz que acabe por fechar os olhos. Foi por causa disso que me fui habituando a usar óculos escuros», explicou o cantor à TV7 Dias.

E não foram apenas as viagens profissionais do pai que o fizeram calcorrear mundo desde pequeno. Ia muitas vezes com a mãe em busca de um tratamento para a doença. Aos 5 anos veio viver para Portugal, regressando três anos depois a Angola. Um ano depois, aterrava em Madrid. Sempre com a mãe, Bernardeth, chegou a ir à África do Sul, à Bélgica e à ex-Jugoslávia.

Leal Cordeiro e Bernardeth separaram-se quando Anselmo tinha 9 anos – o cantor e os irmãos viveram em Luanda a guer­ra civil. Mas com 15 anos gravou o seu primeiro álbum, com a colaboração de Camilo Travassos [conhecido artista de kuduro]. O disco, lançado no mercado em 1997, não teve grande expressão. «É considerado quase uma relíquia», brincou, em entrevista ao programa Zimbando, da TV Zimbo.

Esse ano foi fulcral: Anselmo muda-se para os EUA, onde o pai es­tava a viver e a trabalhar como representante diplomático de Ango­la nas Nações Unidas. «O meu pai disse para eu ir, que me dava comi­da, mas que eu tinha de trabalhar para pagar a faculdade. Acho que foi uma grande atitude dele e hoje agradeço. Naquela altura achava que ele tinha de pagar. Mas o facto de ele ter dito para me desenrascar fez de mim um homem», contou o músico à TV7 Dias. Na terra de to­das as oportunidades teve vários empregos, inclusive no Mcdonald’s, para conseguir dinheiro para pagar as propinas da Manhattan Community College, onde (quase) tirou o curso de Contabilidade. Para satisfazer os pais, diz, porque a música continuava a ser o seu sonho. «Quando comecei a dedicar-me mais ao curso e pus a músi­ca de parte, fazia parte apenas do grupo coral International Church of Christ», contou à SIC Internacional.

Depois de um verão passado em Angola, Anselmo planeava re­gressar aos EUA para terminar o curso… o que acabou por nunca acontecer. «O meu pai ainda hoje me cobra. “Faltam duas cadeiras!”, diz [risos].» Foi a mãe que lhe permitiu gravar o primeiro álbum, His­tórias de Amor, em 2006. No Dia da Mãe, o músico agradeceu o voto de confiança através de uma mensagem no Instagram. «Ainda me lem­bro quando deixaste de fazer “aquela” operação num momento em que estavas mal de saúde porque decidiste emprestar-me o dinheiro para eu lançar o meu primeiro disco», revela.

Embora a influência americana de Justin Timberlake ou Stevie Wonder estejam bem presentes na sua música, Anselmo diz que o cunho angolano é primordial no seu trabalho. «Há quem pense que as influências americanas são predominantes na minha forma de estar e cantar, mas não é verdade. Viver fora talvez tenha alarga­do alguns horizontes, mas a essência vem de Angola», diz o músico ao portal de entretenimento Angorrusia. «Quero mostrar que além da gíria temos cabeça, que além do kuduro também temos música clássica, quero mostrar outras facetas do povo angolano.»

O amor, o desamor, as traições, o romance são os temas centrais da sua música. «O romantismo é em qualquer língua, em qualquer país, bastante semelhante. Toda a gente ama, toda a gente quer ser ama­da, toda a gente sofre. Enquanto houver pessoas com coração, haverá oportunidade para falar de amor», disse numa entrevista ao programa Etnias da SIC In­ternacional. O seu coração está ocupado há oito anos: é casado com Madlice Castro desde 2008 e tem dois filhos, Alicia, de 7 anos, e Jadson, de 2. Presença habitual nas revistas de social angolanas, Anselmo e Madlice são um dos casais mais popula­res de Luanda. No Instagram há uma declaração de amor pública do cantor. «Se dizem que por detrás de um grande homem es­tá sempre uma grande mulher, então somos como um Porsche, o motor fica atrás.» 

nm1124_anselmo14instnm1124_anselmo11inst