Quando a história vira romance

A História de Portugal é longa e cheia de personagens e aconteci­mentos dignos de romance. Não espanta, portanto, que o romance histórico nacional seja um autêntico filão. Descoberto há muito, nunca como nos últimos anos foi tão explorado.

A capa do livro de Ricardo Raimundo, mestre em História Moderna, tem por título Os Maus da História de Portu­gal e exibe o voyeurismo que contém de forma explícita nas suas trezentas páginas: uma cortina a ser aberta, dei­xando a descoberto uma parede com vários quadros dos protagonistas que retrata sob a categoria de «reis cruéis, traidores, mulhe­res fatais, assassinos e gente de má rês…» Nesta lista, o historiador inclui Vasco da Gama, D. Nuno Álvares Pe­reira, infante D. Henrique ou D. João II. Quando se lhe pergunta qual destes personagens não se importa de denegrir apontado os defeitos, a resposta é rápida: o in­fante D. Henrique. E de elogiar: D. João II. O primeiro porque «lhe são atribuídos mais louros do que os verda­deiros» e o segundo «porque nunca é de mais dar-lhe a importância devida».

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Historiador de profissão, Ricardo Raimundo é tam­bém autor de outros dois volumes sobre personagens da nossa História, como Escândalos da Monarquia Por­tuguesa. Quanto à razão por que estes títulos têm grande receção junto dos leitores portugueses, deve-se ao nacional «interesse na vida alheia e nos temas mais escabrosos». Por isso, não vê problema em «tra­zer a público este tipo de temas desde que se respeite o rigor histórico», como aquele que exige a si próprio ao escrever estes livros. Não deixa de justificar que «a escrita de divulgação histórica precisa de ser mais atrativa e para isso é necessário rechear cada capítulo com o máximo de detalhes e particularidades priva­dos dos biografados». De uma coisa está certo: «Nun­ca achei que tenha ido longe de mais.»

Se antigos monarcas e navegadores estão na pri­meira linha dos preferidos neste filão editorial que nos últimos anos se instalou em Portugal devido ao aparecimento de muitos livros livros de divulgação histórica e de uma constelação de autores interessados em brilhar neste firmamen­to literário, também há lugar para historiadores que se sentem tão à vontade no romance histórico como nos livros académi­cos. É o caso do professor universitário João Paulo Oliveira e Costa, que já publicou três romances além de uma vasta bibliografia de temas de História, como o espesso volume de setecentas pági­nas que saiu há poucas semanas, História da Expansão e do Impé­rio Português.

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Para Oliveira e Costa está mais do que na hora de os historiado­res pensarem nos leitores e abandonarem o hermetismo dos es­tudos académicos só porque não querem esforçar-se numa es­crita mais abrangente: «Quando escrevo um romance histórico é porque este divulga e explica a História. Para ser conseguido é preciso dominá-la bem e ter capacidade de investigação de modo a escrever sobre uma época sem cometer erros, como acontece a muitos destes autores que, por desconhecimento e desinteresse, beliscam a História, entregando ao leitor livros com factos que sabem até não terem acontecido.» Não é de modas este historia­dor quando aponta o dedo e acusa: «A história ficcionada é um fi­lão perigoso e os leitores podem estar a ser enganados se não hou­ver o rigor exigível ao tratamento destes temas.»

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Quanto a enganar leitores, um dos autores de maior sucesso na área do romance histórico, Francisco Moita Flores também não tem dúvidas sobre o posicionamento correto: «O romance pode ser escrito à Alexandre Dumas, representante da técnica do historiador com H minúsculo», ou à Victor Hugo, que até «utilizava os seus romances históricos como combate de cidadania.» Não é por acaso que no seu livro sobre a famosa D. Antónia Ferreira passou mais de dois anos a analisar os arquivos daquela empresa de vinho do Porto, ou que em Mataram o Sidónio! tenha investigado a impor­tância da epidemia da pneumónica para a opinião com que se fi­cou daquele protagonista político: «Investiguei todos os cadáve­res para compreender as razões históricas de uma polémica que resultou de 150 mil mortes. Se quisermos comparar com a atu­alidade, basta ver como o recente surto de legionela gerou uma apreensão generalizada, apesar de nem se poder comparar o nú­mero de mortes.» Por essa razão, Moita Flores considera que a sua forma de trabalhar respeita a História : «Tenho a ideia, investigo demoradamente e começo a discutir com as personagens. É nes­se momento que crio o psicodrama entre a ficção e a História.»

Neste momento, o autor está finalmente a escrever um roman­ce histórico passado em 1640 e sobre o qual investiga há muito tempo: «É um tema que me interessa: Luísa de Gusmão e o seu pa­pel naquela noite de 30 de novembro para o 1.º de dezembro. En­contrei em Cádis documentação muito importante, que estudei minuciosamente porque os temas sobre os quais escrevo não surgem por acaso, é sempre um assunto que me despertou interesse por si mesmo. E essa noite terrível da Restauração é um deles. Uma curiosidade de há muitos anos.»

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Reproduzir a História sem ser uma «chumbada» é o objetivo de um dos novos autores dedicados ao romance histórico, João Pe­dro Marques. Ex-professor e investigador da área, já não faz des­sa atividade a principal ocupação nos dias que correm, substituí­da pela escrita. A carreira literária iniciou-a com Os Dias da Febre e lançou recentemente O Estranho Caso de Sebastião Moncada, uma intriga passada no tempo das guerras liberais. Marques não consegue separar a anterior vida de professor da do escritor e considera que beneficia desse conhecimento amplo sobre o sécu­lo XIX para escrever: «Vejo em alguns livros de outros autores er­ros, como a utilização de uma linguagem que não a da altura, de cenários anacrónicos e até absurdos.» Por isso afirma: «O histo­riador tem mais facilidade porque sabe mais desses tempos.» Também não deixa de encontrar uma razão especial para existir tanto leitor neste segmento do romance histórico: «O romance é sem dúvida mais cativante do que a historiografia.»

Diga-se que o fenómeno da divulgação histórica não é coisa descoberta nesta última década em Portugal pois, sendo um dos países mais antigos e ricos em acontecimentos históricos a nível global, são vários os precedentes em historiadores que transformaram a História factual e hermética dos académicos em te­mas de interesse generalizado sem a desfazerem do seu carácter científico. Se fosse preciso nomear um deles, bastaria dar o exemplo de Alexandre Hercula­no que, afirma o historiador Rui Ramos, «fez História para o grande público sem deixar de ser um erudito e complexo». Acrescenta o autor da última grande His­tória de Portugal que Herculano está na linha de «uma história científica contemporânea que cria interesse em muitos leitores porque os académicos estão a sair da zona de conforto das revistas especializadas e cha­mados a escrever para um público mais vasto».

Os novos autores
Rui Ramos é muito claro no seu posicionamento so­bre os autores que florescem como cogumelos nestes cenários das trevas históricas romanceadas: «Nunca vejo problema no interesse pela matéria histórica e acredito que, despertado o interesse, há a possibili­dade de se alargar a vontade de conhecer os aconte­cimentos que serviram de base a esses livros. O único problema é a porta de acesso à História, que nem sem­pre é a mais credível!» Quanto à concorrência entre autores e historiadores, Ramos é polémico: «É um de­safio muito saudável para os historiadores, porque os obriga a dar aos leitores o que eles querem ler em vez de ficarem instalados no seu mundo da docência e de investigação universitária.»

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Entre os mais recentes autores de livros de divulga­ção histórica está Susana Lima, que sempre gostou de matemática mas cujo sentido prático fez cursar Comunicação Social porque o jornalismo servia-lhe pa­ra pôr um pé onde sempre quis estar: a investigação. Já publicou Grandes Exploradores Portugueses e nos úl­timos dias lançou As Batalhas Que Fizeram Portugal – 14 batalhas para as quais procura perceber porque fo­ram decisivas para a História de Portugal – que, mais uma vez, nasce da «vontade compulsiva de escrever e investigar» e do seu prazer em estar próxima dos lei­tores através de temas que lhes interessam.
«O primeiro livro eram minibiografias que mostra­vam como esses protagonistas tinham sido pessoas di­ferentes. Este foi um trabalho mais difícil, mas que se define por encontrar aquele momento em que há um perdedor e um vencedor», explica. Refere que foi pre­ciso investigar muito mais do que esperava e que por isso encontrou bastante mais material do que deseja­va: «Gosto de ser sucinta e quando se investiga muito nunca mais acabam os pormenores. A sorte é que num livro há sempre mais páginas.» Quanto ao seu papel como divulgadora da História, tem a certeza de que os historiadores gostam pouco do que ela e muitos ou­tros autores publicam: «Acho que detestam a nossa in­terferência e não somos bem-vistos por eles, tanto que estão sempre alerta para encontrar erros e apontá-los. Para eles, nunca somos verdadeiros nos relatos nem na forma como nos expressamos, apesar de ser do agrado dos leitores e dos editores, que nos apoiam, o que os deixa ainda mais irritados.»

Se há nomes que já se tornaram uma referência neste segmento do romance histórico, um deles é o de Isabel Stilwell, que tem publicado sucessivos best-sellers sobre temas reais, que fizeram o sucesso do gé­nero. Entre as autoras que desviaram a sua carreira para este segmento está o de Sara Rodi, que publicou nos últimos dois anos igual número de romances his­tóricos, em muito influenciada por este sucesso e dei­xando para trás outras experiências como escritora: «A editora desafiou-me a escrever romances históri­cos no seguimento das boas vendas que a Isabel Sti­lwell estava a ter livro atrás de livro. Não foi difícil res­ponder ao desafio porque sempre fui apaixonada por História, mesmo que não tivesse estudado nessa área, e já tinha escrito guiões e realizado outras experiên­cias a nível da escrita. Por isso aceitei o desafio e dis­se que sim.»

Segundo Sara Rodi (na foto de abertura), o facto de ser uma estudiosa destes temas facilitou-lhe a vida: «Foi preciso pesqui­sar muito para o primeiro romance sobre a D. Estefâ­nia porque, além de existir pouca documentação, era necessário entrar na pele da personagem. A existên­cia de pouca informação acabou por ser uma situação positiva pois possibilitou-me uma maior liberdade pa­ra escrever sobre aquele período. No caso seguinte, o de D. Teresa de Távora, acontece o contrário, existia abun­dante informação sobre o período mas muito pouca so­bre ela.» Depois destas duas experiências no roman­ce histórico, a autora não está a pensar mudar de temá­tica mas vai transportar-se para o início do século XX. Sempre sem esquecer o foco das mulheres presente nos seus livros: «Elas foram esquecidas na nossa história e quando são lembradas nunca ultrapassam o estatuto de traiçoeiras, malvadas e levianas. Como são sempre crucificadas, cabe-me devolver-lhes a sua verdadeira personalidade e valorizar um protagonismo sempre ignorado quando é no bom sentido.»

Os responsáveis pelo filão

O sucesso editorial do romance histórico e dos livros de divulgação histórica não foi uma surpresa para as editoras que estão há alguns anos nesta área. Afinal, existiam exemplos bastante antigos do poder dos his­toriadores como autores de best-sellers. É o caso de An­tónio Sérgio, José Hermano Saraiva ou José Mattoso, este com os oito volumes de uma bem-sucedida inicia­tiva editorial. No romance histórico, alguns dos pri­meiros livros de José Saramago enquadravam-se nes­sa categoria, como o caso de Memorial do Convento ou História do Cerco de Lisboa. Também Fernando Cam­pos surpreendera em 1986 com A Casa do Pó, que se tornou um sucesso, e Agustina Bessa-Luiz também se aventurara frequentemente pelas encruzilhadas da História. No entanto, o exemplo mais gritante do potencial deste género literário só brilhou neste novo sé­culo em todo o seu esplendor na primavera de 2004, quando Miguel Sousa Tavares lança o seu primeiro romance: Equador. A partir desse verão, em que toda a gente levou para férias o romance histórico sobre um triângulo amoroso que tinha uma disputa política co­mo pano de fundo, estava anunciado o novo filão lite­rário português.

Um filão em que do nada surgiram autores para to­dos os gostos e subgéneros: historiadores com jeito para a escrita romanceada, escritores com passado na área, autores seduzidos pelos números de vendas e editores apostados em recriar em Portugal um mer­cado como o que existe noutros países porque gerava grandes receitas, fixava muitos leitores e dava prestí­gio às editoras. Não é que a fórmula seja uma novida­de, pois tanto em Inglaterra como nos Estados Uni­dos ela já foi testada sob todos os aspetos e deu certo. Recorde-se que até Winston Churchill ganhou, para surpresa de muitos, um Prémio Nobel da Literatura, apenas por ter escrito mil páginas de autobiografia!

Uma das responsáveis pela idade adulta deste seg­mento foi a editora Sofia Monteiro enquanto esteve n’A Esfera dos Livros. Foi aí que fez uma aposta em autores conhecidos por praticarem outros estilos, em jornalistas interessados em política e investigadores ligados à História, tendo encomendado e editado du­rante anos sucessivos uma série de biografias políti­cas nunca tentadas, romances históricos inovadores e uma série de volumes relacionados com o passado, todos sob um tratamento diferente.

Para Sofia Monteiro, o ovo de Colombo estava à vis­ta de todos: «Lá fora, nos mercados de língua inglesa ou espanhola, existiam múltiplos títulos com grande procura enquanto em Portugal era uma área que estava muito pouco trabalhada. Não se encarava a História como produto pa­ra o grande público, mesmo que fosse conhecida a apetência pe­la nossa História, que é rica e tem ainda muitos protagonistas por explicar.» Como esse era o seu projeto e estava certa de existir apetência por parte dos leitores, formulou uma proposta com no­vos conceitos para novos leitores: «Era preciso chamar a atenção com títulos mais comerciais e que espelhavam o conteúdo do li­vro que fora estruturado a pensar na acessibilidade das pessoas à sua leitura.» Um dos exemplos deste conceito é João Ferreira, que recentemente lançou as 500 Frases Que Mudaram a Nossa História, depois de ter escrito Histórias Rocambolescas da História de Portu­gal, e obteve um sucesso que exigiu a reimpressão sucessiva tal foi a curiosidade e interesse despertados pelo autor. Para Sofia Monteiro o que era necessário era sair da política editorial da pescadinha de rabo na boca: «Não havia livros de di­vulgação história nem biografias políticas porque não existiam leitores. Então, criou-se a oferta e os leitores compareceram.»

Entre as novas editoras que apostaram neste segmento está o Clu­be do Autor, onde Teresa Matos está encarregada deste filão edi­torial: «Em 2010, iniciámos o lançamento de várias obras na área de divulgação científica e o sucesso foi rápido, obrigando ao au­mento de títulos e a procurar novos autores.» Segundo a editora há temas e abordagens que são mais bem-sucedidas e o livro Os 100 Grandes Erros da História, de Bill Fawcet, é a prova disso com várias edições. Apesar de apostar em muitos títulos estrangei­ros, a editora também já tem os seus autores. É o caso do historiador Sérgio Luís de Carvalho, de quem já publicaram um romance histórico e dois livros de divulgação histórica, e que Teresa Matos considera ser o resultado de um investimento na área: «Há apetência especial por temas históricos, que têm um período mais longo de vendas nas livrarias porque não estão sujeitos às novidades mas ao gosto dos leitores.»

Os resistentes
Entre os que não cedem à tentação do romance histórico está Joaquim Magalhães de Castro, que tem vindo a pu­blicar verdadeiras reportagens de investigação histórica sobre protagonistas do nosso passado. Não o incomoda que exista em «muitos desses autores o mero desejo do sucesso editorial e não propriamente a divulgação altru­ísta». Seja como for, diz, «o que importa é fazer chegar junto do grande público as personagens esquecidas da nossa História e dar-lhes o destaque que merecem. Algo do género era produzido em Portugal faz algum tempo, por exemplo com Elaine Sanceau, mesmo que nestes úl­timos anos, talvez por influência estrangeira, o roman­ce histórico tenha virado moda». Entre os títulos de Cas­tro está Na Senda de Fernão Mendes Pinto, que lhe exigiu sair da Academia e enfrentar o terreno: «Se quisermos entender a vida desse nosso grande aventureiro, é pre­ciso percorrer os locais por onde ele andou e constatar que tudo o que viu e descreveu aproxima-se de uma rea­lidade ainda hoje, em muitos dos casos, bastante atual.»

O autor não ignora a pressão de amigos para que tam­bém se dedique ao romance histórico, situação reforça­da com a recente publicação de Os Filhos Esquecidos do Impé­rio: «Várias pessoas incentivaram-me a isso, mas não creio que venha a acontecer num futuro próximo, pois a realida­de fornece-me material de sobra para os meus livros. Por ou­tro lado, o genéro literário pelo qual optei é pouco comum no nosso país, ao contrário do romance histórico. Compete-me, por isso, a defesa da minha dama.»

Uma situação em que não se encontra só, já que a res­ponsável pelas editoras Temas e Debates e Círculo de Leitores, Guilhermina Gomes, também teima em sepa­rar as águas entre a divulgação e o científico: «Qualquer um tem direito a escrever uma história e isso tem sido feito ao longo dos séculos, mas não lhe pode é chamar di­vulgação científica. Eu publico o trabalho de ficção de alguns historiadores, mas porque estou certa do passa­do investigatório deles quando dão largas à sua imagi­nação.» Guilhermina Gomes tem consciência do ape­lo financeiro deste filão editorial mas sempre defen­deu a separação de águas: «A minha orientação é a de não misturar as coisas, ou o leitor afunda-se na confu­são sobre o rigor e a invenção.» E remata, como se ti­rasse a fotografia ao panorama editorial da atualida­de: «Tudo hoje convive e todos têm direito a publicar e a ler o que quiserem.»

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A LINHA DO EQUADOR
É impossível falar do romance histórico em Portugal sem apontar o efeito do romance Equa­dor, de Miguel Sousa Tavares, neste género literário. Pode dizer–se que, tal como O Nome da Rosa, do italiano Umberto Eco, para este segmento a nível internacional, em Portugal o Equador alterou as regras do jogo editorial e criou uma multidão de autores em bus­ca de um sucesso de exemplares como o daquele romance, que em dez anos chegou aos quatrocen­tos mil e com várias traduções. Curiosamente, apesar de ter sido premiado no estrangeiro nunca recebeu em Portugal qualquer galardão a não ser a atenção desmesurada e total dos leitores. Miguel Sousa Tavares está certo de que o seu romance «foi repli­cado várias vezes e por muitos autores», mas isso não o incomo­da: «O Equador veio mostrar que havia espaço para um grande sucesso no romance histórico e que não faltavam leitores para uma narrativa naquele estilo. Quando o escrevi não estava preocupado em publicá-lo, era um projeto que tinha na minha cabeça porque gostava muito do argumento.» A partir daí, o autor considera que a produção deste género de romances explodiu e que muitos tentaram copiá-lo: «Foi copiado várias vezes, mas isso não me incomoda. Os que tinham carreiras literárias sóli­das não se desviaram, enquanto outros ficaram interessados no registo e tentaram imitá-lo.» Quanto a sentir-se condicionado pelo sucesso do livro, garante: «Condicionado não fiquei, mas, como diz a escritora espanhola Rosa Montero, há duas situações à espera do autor num primeiro romance: um grande sucesso ou um grande fiasco. Como foi um grande sucesso, obrigou-me a pensar mais no que iria fazer a seguir.» Miguel Sousa Tavares teve com Equador um sucesso que levou outros a aventurar-se no romance histórico: quatrocentos mil exempla­res em dez anos.

O LEITOR SABE JULGAR
Os romances históricos de Isabel Stilwell fogem ao facilitismo das imitações assinadas por muitos dos novos autores. Ao fim de cinco títulos, que tiveram dezenas de edições e continuam a vender, a escritora justifica este sucesso: «Os leitores sabem julgar o que leem e precisam de ter confiança em quem escreve. Ninguém mantém os leitores se eles sentirem que estão a perder tempo.» Nega que tenha uma fórmula para escrever um género em que se tornou nome cimeiro e reconhece que o facto de ser uma leitora ávida do romance histórico lhe facilitou a tarefa: «Sempre li muitos livros deste género e isso leva-me a perceber imediatamente o que é bom e o que é fácil, o que resulta, ou não, de uma investigação séria. O leitor quer ter sobretudo a realidade histórica e que a ficção seja conforme, aliando entreteni­mento e conhecimento.» Não foi por acaso que, diz, no lançamento do seu último romance a apresentação esteve a cargo de Rui Ramos: «É um historiador rigoroso, cuja presença avalizou o romance porque os factos eram reais, a grelha de aconteci­mentos era fiável e a história plausível.» Para Isabel Stilwell, a confiança de quem lê só se mantém se não for frustrada: «Tenho um pacto com o leitor: dou-lhe a verdade e permito que vá mais além se quiser aprofundar um protagonista ou uma época do meu romance. Por isso, no fim do livro há sempre um dicionário sobre quem eram e o que lhes aconteceu depois, bem como uma bibliografia.» Quanto à multiplica­ção de autores no género, Stilwell acha normal isso acontecer: «Chegá­mos tarde ao romance histórico e agora são muitos os que se esforçam por o fazer bem, tal como os que acham que é fácil e os que publicam sem critério. Para fazer a triagem existe o leitor e este só mantém a repetição do sucesso se não for ao engano.» Isabel Stilwell é desde o seu primeiro romance his­tórico, Filipa de Lencastre, em 2007, campeã de vendas. Cinco títulos depois, os leitores não desmobilizam.

AUTORES RESSUSCITADOS
O interesse na divulgação histórica não passa apenas pelas novas edições mas também pela recuperação de títulos há muito esgotados. É o caso do jornalista Américo Faria que já tem duas reedições na editora Parsifal e que, mesmo depois de terem passado seis décadas sobre a publicação de Grandes Soberanos Destronados, este é uma das novidades do segmento deste ano. Quando se questiona o editor Marcelo Tei­xeira sobre a razão de publicar vários volumes de um autor falecido há muito, a resposta é rápida: «Não sendo livros fáceis de promover, pois o autor já não está entre nós, as principais razões são a qualidade da escrita, o rigor dos factos, a intemporalidade dos temas e, por consequência, a sua procura. A coexistência destes elementos pesa na decisão de editar um autor nestas cir­cunstâncias.» Sendo um livro que saiu em 1958 e de grande sucesso à época, é a prova de que a divulgação histórica já tinha muitos leitores en­tão pois, como lembra Marcelo Teixeira, «o facto de Américo Faria ter editado muitas dezenas de obras comprova isso mesmo. Atualmente, esta é uma área que, apesar de tudo, não reflete tanto a crise por que passa o mercado editorial. Uma das provas é inúmeros historiadores reconheci­dos como académicos publicarem tantos livros sobre a nossa História numa linguagem acessível e com sucesso. Já não é considerado despres­tigiante fazê-lo e, nos últimos anos, foram edi­tados muitos e bons trabalhos de historiadores portugueses, escritos numa linguagem acessível ao grande público sem que se perca, por isso, rigor científico.»