O que ninguém sabia sobre Morrissey

O antigo vocalista dos Smiths pode ser um tipo irritante ou um cantor magnífico. Fizemos-lhe perguntas simples e, ainda assim, as respostas surpreenderam-nos. Confirma-se: amanhã sobe ao palco do Coliseu de Lisboa um rapaz muito mal comportado.

«E se um autocarro de dois andares chocar contra nós, morrer ao teu lado é uma maneira tão celestial de morrer.» Em português, esta letra é um pouco estranha, mas o refrão de There Is a Light That Never Goes Out vai ficar para sempre na história da música. Continua assim: «E se um camião de dez toneladas nos matar a ambos, morrer ao teu lado, bem, o prazer e o privilégio são meus.» Há coisas que não se podem traduzir, de facto. A revista norte-americana Rolling Stone, quando colocou The Queen Is Dead, dos Smiths, na lista dos 500 melhores álbuns de todos os tempos, disse que este refrão era uma das mais bem conseguidas invenções melancólicas da história da música – e um momento de sintonia perfeita entre a música que o guitarrista Johnny Marr tinha composto e a letra que Morrissey engendrou. «The Smiths foram a banda inglesa mais influente do seu tempo», escrevia na mesma publicação o crítico Barry Walters.

O concerto do cantor britânico em Lisboa (dia 6, às 21h00, no Coliseu dos Recreios) não justificaria por si um artigo na Notícias Magazine. Mas Morrissey não é só Morrissey. Ele é também um símbolo. «Os Smiths foram para o punk o que os Beatles foram para o rock’n’roll: um antídoto», lê-se no livro A História da Música Rock (1951-2000), de Piero Scaruffi. «Morrissey é a causa da evolução do punk para a pop. E foi por causa dele que o fenómeno do britpop pôde nascer nos anos noventa.» O inconformismo nas letras, misturado com a simplicidade melódica, criaram todo um novo movimento musical, que viria a influenciar as gerações futuras.

Os Smiths duraram apenas cinco anos, de 1982 a 1987. Nesse tempo lançaram quatro álbuns, que permitiriam a uma banda alternativa alcançar o gosto das massas. Quando Morrissey avançou a solo, teve de enfrentar algumas deserções de fãs – e nunca lhes perdoou. Ainda hoje o cantor desvia-se das perguntas sobre a sua antiga banda como um gato da água. «Estou farto de responder às mesmas perguntas», disse na primeira entrevista que deu em 16 anos – em 2003, para um documentário chamado A Importância de Se Chamar Morrissey. Mas a verdade talvez esteja na autobiografia que o cantor publicou no ano passado. As lutas com antigos membros da banda por direitos de autor foram grandes e desgastantes. «Não conheço uma única pessoa que esteja interessada numa reunião da banda», disse no início deste ano à revista Billboard, com a petulância habitual.

O concerto de 6 de outubro em Lisboa é o terceiro do cantor em Portugal (seria o quarto, se não tivesse cancelado um espetáculo, há dois anos, no Hipódromo de Cascais. Nesse ano, aliás, Morrissey cancelou 22 exibições) e o primeiro da digressão europeia. É também uma oportunidade para ouvir o lançamento do novo álbum, World Peace Is None of Your Business, editado há um par de meses e que tem angariado as melhores críticas desde que o cantor começou a trabalhar sozinho. Mas, segundo um inquérito que a Notícias Magazine lhe fez, e ao qual ele respondeu por e-mail, Morrissey não lê jornais. E revistas? «Ainda  se  fazem  revistas?»  Televisão?  «Eu nunca veria televisão. Não sou um zombie.» Nem as notícias? «Nunca confiaria num canal de notícias. Tenho a minha própria cabeça, muito obrigado.» E redes sociais? «Sou antissocial.

Pior do que antissocial, Morrissey tem fama de ser politicamente incorreto. Em terras de Sua Majestade não foram poucas as vezes que se declarou republicano. Em novembro do ano passado criticou violentamente o Palácio de Buckingham pelo facto de os príncipes Harry e William praticarem a caça. Meses antes, disse que o alegado suicídio de uma enfermeira (Jacintha Saldanha, que deu informações sobre o estado de saúde de Kate Middletone a uma rádio australiana depois de animadores seus se fazerem passar por membros da família real) era culpa dos Windsor.

Mas nada bate a música Margareth on the Guillotine, editada no seu primeiro álbum a solo, Viva Hate, em 1988. Ele próprio assumiu que não se importava nem um bocadinho que a então primeira-ministra Thatcher morresse. E, quando isso realmente aconteceu, em 2013, Morrissey reforçou a crença. «Ela era um terror sem um átomo de humanidade.» Dias depois, e noutro contexto, o atual chefe do executivo britânico, David Cameron, disse ser fã dos Smiths. Foi nesse dia que o antigo vocalista e o antigo guitarrista da banda se voltaram a unir: «Cameron está proibido de gostar de nós.»

O MÚSICO, A PERSONA E DEZ COISAS QUE NÃO FAZIA IDEIA SOBRE O CANTOR BRITÂNICO.

1. Morrissey costumava comprar blusas «numa loja de Manchester chamada Evans Outfit e especializada em tamanhos grandes para mulher». Eram essas camisas que ele rasgava em todos os concertos e atirava à audiência. Tornou-se uma das suas imagens de marca.

2. Os melhores concertos a que Morrissey assistiu na vida aconteceram em 1976 e 1977. O primeiro foi dos Ramones, o segundo de Patti Smith. Banda preferida do músico inglês (e isto é conhecido): «Os New York Dolls de 1973».

3. O seu herói é Dick Gregory, um comediante negro norte-americano que usava o humor para promover os direitos civis. «O meu jogo de infância era Como Fazer Cianeto numa Simples Lição

4. A sua música preferida é To Give Is the Reason I Live, de Frankie Valli. «As maiores influências são a cantora alemã Nico, o realizador italiano Pier Paolo Pasolini e o poeta inglês A. E. Housman.»

5.Nunca come entradas, o seu prato preferido é «penne pomodoro»e nas bebidas é «fã de Caorunn», um gin escocês feito à mão. Há muitos anos que o cantor de Manchester advoga o vegetarianismo como luta pelos direitos dos animais.

6.Morrissey é primo em terceiro grau do capitão da seleção irlandesa de futebol, Robbie Keanne. Mas não é grande fã do desporto. ÀNotícias Magazine diz que «o melhor treinador que conhece é o poeta Ezra Pound e o melhor jogador é o escritor James Baldwin».

7. Quando lhe perguntamos onde fica a sua casa ele diz «Suíça». Mas a residência oficial do cantor é em Los Angeles, numa mansão onde também viveram Greta Garbo e F. Scott Fitzgerald.

8. O seu filme de referência é Rocco e Seus Irmãos, de Visconti (1960). Na representação faz vénias ao francês Jean Gabin e à americana Bette Davis. O livro preferido é O Coração É Um Caçador Solitário, de Carson McCullers, mas o melhor escritor que conhece é, nas suas palavras: «Eu.»

9. Já nos anos 1980 Morrissey definia-se como celibatário. Disse várias vezes que em adolescente não tinha interesse por raparigas, o que fez soltar os rumores de  que era homossexual. Há menos de um ano assumiu-se como humanossexual, «alguém que gosta de fazer sexo com humanos. Mas não muitos».

10. O seu calçado preferido são havaianas, mas a viagem de sonho é ao Norte da Finlândia. Itália é o país de eleição, Tóquio e Santiago do Chile as cidades onde se sente melhor. Quando viaja, pede sempre «a melhor suite do hotel.»