O mundo é dos pontuais?

Orlando Almeida/Global Imagens

Uma manequim que se atrase não volta a trabalhar para Fátima Lopes. Paulo Furtado atua a solo porque se fartou de esperar pelos outros. José Eduardo Agualusa nunca se atrasou, a vida é curta de mais. Fernanda Câncio já chegou atrasada ao lançamento do seu próprio livro. Maria do Céu Santo chega a atender doentes à uma da manhã. Henrique Burnay teve uma namorada que comia uma sopa sempre que combinavam jantar. O mundo divide-se entre pontuais e não pontuais. Em Portugal, os segundos estão em larga maioria, apesar de todos reputarem a pontualidade como fundamental. Será esta, de facto, como diz Agualusa, a mais ingrata e desprezada das virtudes?

«A diferença entre os pontuais e os não pontuais é que os primeiros têm medo de que não esperem por eles e os segundos sabem que vão esperar por eles.» É com graça que a jornalista Fernanda Câncio justifica a fronteira entre noções de tempo que leva meio mundo, ou um pouco mais, a esperar horas pelo outro meio mundo, ou um pouco menos, dependendo da região do globo em que nos situemos. Portugal (continental), a 38º 43′ N 09º 09′ O, é uma localização desequilibrada também nesta matéria. Os especialistas nisto da pontualidade chamam-lhe cultura policrónica, na qual o tempo assume uma natureza mais flexível («por volta das duas»), por oposição à monocrónica, na qual prevalece uma visão fixa («às duas»). E será isso que tem permitido a Câncio, e a todos os que, como ela, têm dificuldade em acompanhar os ponteiros do relógio, ser reincidente, como a própria reconhece: «Na verdade, tenho tido sempre a sorte de raramente os meus atrasos me provocarem dissabores e provavelmente é por isso que continuo a atrasar-me.»

Já o ex-jornalista, ex-assessor de imprensa e atual consultor para assuntos europeus, Henrique Burnay, que durante anos ouviu invariavelmente a advertência «és sempre a mesma coisa» de todos com quem se comprometia, não teve outro remédio senão emendar-se desde que foi trabalhar para Bruxelas. «Aqui existe um enorme rigor com o tempo e se uma reunião está marcada para as nove é às nove. Se chegar atrasado já não vale a pena ir. Este ambiente inflexível foi a pedra de toque para mim e, portanto, hoje, no trabalho, sou absolutamente rigoroso. Por outro lado, também percebi que, para a defesa dos interesses nacionais, é fundamental mudar a má reputação dos portugueses em termos de pontualidade.»

Como é que alguém, que teve uma namorada que, por precaução, comia uma sopinha sempre que tinha jantar marcado com ele, consegue mudar? Não é fácil. De tal forma que, na vida pessoal, confessa, ainda não se emendou completamente. Mas trata-se de alterar a perspetiva. «Comecei a andar com as horas para trás para planear chegar a tempo em vez de pensar qual é a hora limite.»

A médica Maria do Céu Santo, ginecologista e obstetra no Hospital de Santa Maria, com consulta privada em Lisboa e Almada, autora de livros e figura assídua em programas de televisão, é que, por mais que delineie estratégias e todos os anos novos estabeleça como objetivo ser pontual, não consegue vencer a batalha com o tempo. Considera a pontualidade uma caraterística essencial, «que melhora o estado de espírito das pessoas e a rendibilidade das organizações», mas lembra, em seu abono, que «a definição de saúde, segundo a OMS, tem que ver com o bem-estar físico, psíquico e social, e para satisfazer estes três itens é preciso dar mais tempo aos doentes». É o que faz e, não raras vezes, isso significa, para eles, horas na sala de espera. Nada que a boa disposição da médica, aliada a uma mestria intuitiva da psicologia cognitiva, não dirima. «As minhas doentes sabem que as vejo sempre, nem que seja à uma da manhã. A verdade é que se me telefonam com um problema, não tenho coragem de dizer não e enfio-as no espaço que deixo sempre livre para as urgências, mas em medicina é difícil programar o tempo e basta uma demorar mais para atrasar as outras todas. O que vale é que normalmente me entram stressadíssimas no gabinete e saem calmíssimas porque converso com elas e lhes dou o tempo de que precisam para expor as suas dúvidas e ansiedades e acabam por perceber a demora. Os minutos não são todos iguais. Quando uma pessoa está a sofrer parece que duram uma eternidade, quando está feliz passam a correr. O tempo é um estado de espírito.»

Tempo é dinheiro

Arménio Rego, professor de gestão na Universidade de Aveiro, tem uma noção menos subjetiva do tempo. Uma das suas 13 ideias para mudar Portugal passa precisamente pela pontualidade e o académico explica porquê: «É uma questão de respeitar e de evitar desperdiçar o tempo dos outros – e o nosso. É paradoxal que as pessoas que mais perdem tempo no nosso país são as pontuais, porque têm de esperar!» Há anos a estudar como tornar Portugal mais produtivo e eficiente, considera este um dos aspetos fundamentais a transformar. «Quando o líder de uma reunião de vinte pessoas se atrasa 15 minutos, o resultado são cinco horas (repito: cinco horas) perdidas. Multiplique este desperdício pelos milhões de atrasos que ocorrem diariamente no nosso país e percebe a dimensão. Mas a pontualidade também evita a perda de tempo dos fornecedores e dos clientes, assim como permite fazer o trabalho em menos tempo, facilitando a conciliação trabalho-família. Ora, não faz sentido cortar feriados e aumentar o horário de trabalho sem, antes, mexer nestas práticas!», alerta o investigador.

De facto, segundo o único estudo realizado sobre a Pontualidade em Portugal (2006), pela AESE – Escola de Direcção e Negócios e a AD CAPITA Executive Search, coordenado por Clive Bennett e Rui Borges, 95 por cento dos portugueses não são habitualmente pontuais; dois terços das reuniões começam depois da hora; cinquenta por cento não têm ordem de trabalhos distribuída atempadamente e a mesma percentagem não cumpre os objetivos; sessenta por cento das pessoas agendam mais tarefas do que as que sabem conseguir realizar e, no entanto, a perceção da pontualidade muda consoante o prisma de observação. Apesar de só 5,4 por cento acharem que os portugueses são pontuais (habitualmente ou sempre), 86,6 por cento afirmam-se como tal. Para José Carlos Mota, também professor da Universidade de Aveiro e mentor da campanha cívica 2013 – Tolerância Zero à Falta de Pontualidade [ver caixa], estes dados mostram, de forma clara, «a dificuldade que temos em gerir e planear o tempo e em cumprir horários e prazos, o que se traduz em fortes penalizações na vida dos cidadãos, organizações, empresas e no país com consequências económicas e sociais, nomeadamente na produtividade nacional».

 

Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Fátima Lopes © Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Uma questão de respeito

Fátima Lopes, empresária e designer de moda, raramente se atrasa e não tolera a falta de pontualidade de quem trabalha para ela. Detesta esperar e por isso não faz esperar ninguém. Cinco a dez minutos é a sua tolerância máxima na vida pessoal, que passa a zero na profissional: «Comigo é impensável uma manequim chegar atrasada, não volto a contratar, já aconteceu. Em trabalho é fácil, porque se corta, na vida pessoal é mais complicado, mas aí tenho uma técnica, dou um desconto. Se sei que a pessoa é atrasada combino para meia hora antes ou atraso-me propositadamente para não ter de esperar. É uma questão de adaptação.» Se não consegues vencê-los, junta-te a eles (mas só a eles). Situações desagradáveis nunca teve, porque simplesmente não espera, apesar de se mover num mundo onde os ponteiros do relógio não têm a mesma importância para todos. «O mundo da moda era péssimo neste aspeto, mas está em grande mudança. Curiosamente, ou talvez não, a maior parte das pessoas que combina coisas comigo pensa que vou chegar atrasada.» E fica surpresa, claro.

Fátima Lopes faz, no entanto, distinções. Se a convidam para uma festa ou um evento não é a primeira a chegar e encara a hora de início com maior descontração, se for um jantar em casa de alguém ou uma reunião de trabalho então é absolutamente pontual.

E se, por alguma razão alheia à sua vontade, falhar, avisa logo, mesmo que o atraso seja de cinco minutos. Sempre foi assim e considera que não perde nada, só ganha, em tranquilidade. «É uma questão de respeito por mim e pelos outros. Mas deixe-me que lhe diga, pensava que os portugueses não eram pontuais até conhecer África. Não somos os piores, pode crer.»

 

José Eduardo Agualusa. © Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
José Eduardo Agualusa. © Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

 

O escritor angolano José Eduardo Agualusa é a exceção que confirma a regra. E confirma mesmo: «Em Angola é bem pior do que em Portugal, mas para portugueses, brasileiros, angolanos, o problema da falta de pontualidade é cultural, ou então acreditam mesmo que o tempo dilata com o calor.» A fama de pontual precede-o, mas rejeita o epíteto de extremamente, porque para ele ou se é ou não se é, os advérbios de modo não são chamados ao caso. Justifica a pontualidade com a importância do tempo, que não gosta de perder, porque a vida é muito curta, e explica-a pela educação. «Nunca vi os meus pais chegarem atrasados a nenhum compromisso.» Já a José Eduardo sempre acontece alguma coisa que faz que chegue antes da hora marcada. E nunca lhe aconteceu chegar depois. Resultado: «Já devo ter passado muitas horas da minha vida à espera. No Rio, combino todos os encontros na Livraria da Travessa, porque posso ver os livros enquanto espero. Em Lisboa, no Chiado, porque posso ver as passantes.» O género é fator de diferenciação relativamente à tolerância do escritor: «Espero dez minutos pelos homens. Vinte, no máximo, por uma mulher. E depois vou-me embora. Bem, se a mulher for muito bonita espero um pouco mais.»

Considera que não se ganha nada em ser pontual, «nem sequer o respeito dos outros. É a mais ingrata e desprezada das virtudes. Provavelmente a mais odiada», e que se perde tempo, claro. Mas não é isso que o faz render-se.

Como não se rende Paulo Furtado – também conhecido como Legendary Tigerman – apesar de, no meio artístico, a batalha das horas ser muito dura. Como Fátima Lopes, o cantor considera a pontualidade uma questão de respeito pelos outros e assim como não gosta de esperar, também é inconcebível deixar alguém à espera, coisa que, só de pensar, lhe causa ansiedade e stress. «É natural em mim, nunca me atraso e acho que trabalho a solo porque me fartei de esperar pelos outros. Tive bandas desde adolescente e acabaram todas por causa disso. Desisti.»

Normalmente, chega um pouco antes ou à hora marcada graças a um processo de cálculo do tempo que nunca falha, mas se por algum imponderável prevê que vai atrasar-se, avisa com antecedência para que não percam tempo à sua espera. Já o inverso é mais complicado: «A maioria das pessoas, em Portugal, tem instituídos os 15 minutos de atraso como perfeitamente aceitáveis. Acho muito, mas consigo viver com isso, os recorrentemente atrasados é que me tiram absolutamente do sério. Estar em dado sítio, a dada hora, implica não estar noutro. O tempo que perdemos à espera podia ser passado a fazer outra coisa, de que gostamos ou que precisamos de fazer. O tempo é precioso.»

Apesar de ainda ser visto como uma exceção, considera que também no meio musical estão a ocorrer mudanças e a notar-se um maior esforço em relação à pontualidade. O cada vez mais elevado grau de profissionalismo e exigência a isso obriga e quem tem experiência de tournées internacionais, por exemplo, sabe que não há hipóteses de atraso, o tempo é contado ao minuto. «Acho que quando se tem ritmos elevados de vida, dá-se mais valor à pontualidade. Felizmente aqueles que trabalham comigo, talvez pelo meu rigor, são pontuais.» A última situação complicada que teve foi na primeira semana com o atual manager, que vive num «fuso horário» diferente do seu, que começa de manhã cedo. Ao terceiro atraso consecutivo a uma reunião marcada para as dez impôs-se uma conversa definitiva e chegou-se a um compromisso: reuniões em que estivessem os dois passariam a ser marcadas para depois do almoço. «A partir daí, as coisas começaram a correr bem. Há que estabelecer consensos. O que perco em ser pontual? Nada. O que ganho? Fama de pontual. E agrada-me que me vejam como alguém profissional que cumpre quando assume um compromisso. É essa a minha recompensa.»

A relatividade do tempo

É atrás dessa recompensa que a médica Maria do Céu Santo anda há anos. E, de certa forma tem-na, mas não à hora marcada. O marido costuma dizer que ela funciona sempre em serviço de urgência e a própria revê-se na descrição de uma amiga que diz que ainda não chegou e já está atrasada para sair. A única hora sagrada para si é a do bloco operatório, à qual não se atrasa nem um minuto. De resto, reconhece que se perde, mas sempre com a melhor das intenções. Pode ser alguém com quem se cruza e percebe que precisa mesmo de falar ou pode ser uma (ou duas ou três) paciente que telefona com um problema a que não pode deixar de atender ou pode ser um parto ou uma cirurgia que demora mais do que o previsto ou pode até ser tudo isto ao mesmo tempo. «Na verdade, não tenho coragem de dizer não quando precisam de mim e o dia só tem 24 horas, por isso é difícil gerir. Claro que quando um trabalho de parto se prolonga, o que devia fazer era alterar as consultas, mas quando penso que as pessoas as marcaram há imenso tempo não tenho coragem. Mais vale esperarem umas horas do que mais não sei quantos dias. Opto por gerir o tempo mais em função das prioridades do que dos horários.» Apesar de perseguir a pontualidade, para ela mais importante do que ver uma doente à hora marcada é não a ver à pressa. Aliás, pressa e stress são sentimentos que não fazem parte do seu dia a dia. «Sou elétrica, mas não tenho stress. Tenho é de sair do consultório com a consciência de que fiz tudo o que podia fazer. Vou dar-lhe um exemplo: tenho uma afilhada ao aniversário de quem nunca chego a horas, mas houve um ano em que decidi que ia ser pontual e programei tudo para isso. Entretanto, liga-me uma doente aflita, era sexta-feira, e não tive coragem de a deixar passar o fim de semana ansiosa. Vi-a, cheguei mais uma vez atrasada ao aniversário da minha afilhada, mas cheguei feliz. A pontualidade é importante, mas não é tudo. E acho que é por isso que tenho o consultório que tenho.»

 

Ângelo Lucas/Global Imagens

Fernanda Câncio © Ângelo Lucas/Global Imagens

Quem ultimamente se tem esforçado por alterar o modus operandi e chegar a horas é Fernanda Câncio: «Se tenho uma pessoa sozinha à minha espera tento despachar-me, às vezes até sou pontual, imagina, mas acho que realmente não é de bom-tom atrasarmo-nos, se calhar estou a ficar mais madura, porque é um bocado infantil acharmos que vão esperar por nós.» Em regra, por ela esperam, como esperou António Barreto que ia apresentar o seu livro, Cidades sem Nome, em 2008. «Foi de um cavalheirismo inexcedível, tenho uma eterna dívida de gratidão para com ele. Acho que foi inacreditável chegar meia hora atrasada ao lançamento do meu próprio livro. A minha única desculpa era que tinha um tendão rebentado e custava imenso vestir-me, mas mesmo assim.»

Bom, o avião para a Austrália não esperou, mas com um extenso historial de chegar aos check in em cima da hora, muita sorte tem tido a jornalista em não perder mais voos. Histórias não lhe faltam, também como vítima. Se no seu restaurante favorito, quando chega alguém que diz que vai jantar com ela, recebe um sorriso piedoso dos empregados e é servido de uma bebida para acompanhar a espera, também já apanhou secas enormes: «Uma vez, quando acabei de jantar, a pessoa com quem tinha combinado ainda não tinha chegado. E não foi atropelada nem assassinada nem nada.»

O grande dificuldade de Fernanda Câncio, que confessa não raras vezes ser atrasada também no trabalho (mas, como dizia o sueco Stig Dagerman, «ser jornalista é chegar atrasado assim que possível»), tem que ver com a noção do tempo e a capacidade de o calcular. «É mais facil chegar a horas se for de manhã, se for à tarde e tiver tempo para fazer outras coisas começo a dispersar-me. Acho sempre que tenho imenso tempo, que tenho tempo para tudo.»

Também a falta de pontualidade de Henrique Burnay tem que ver com uma noção otimista do tempo e com o desejo de fazer muitas coisas que pensa sempre conseguir encaixar nesta limitada linha cronológica em que vivemos, de umas míseras 24 horas, mas o facto de ter crescido «em dois meios péssimos para a pontualidade, que são a política e o jornalismo, ajudou. E nem a educação da mãe, que se irritava imenso com o incumprimento de horários, o salvou. Não é que não tenha a consciência pesada, porque reconhece que «é uma falta de respeito pelo tempo dos outros e a ideia de que o nosso tempo é mais importante, o que é muito irritante», mas relativiza: «Uma coisa é fazer esperar alguém, e sim, eu fazia isso, muito tempo, muitas vezes, outra é combinar aparecer num jantar com mais gente e chegar atrasado. É chato, mas não é uma irresponsabilidade e tem que ver com a dificuldade em dizer não», argumenta Henrique, que chegava a marcar três jantares no mesmo dia com o resultado que se imagina. Melhorou, mas na vida pessoal não está completamente curado e para isso contribuirá o facto de, na verdade, sentir que faz, e sempre fez, o melhor que pode. «Combino uma coisa, mas antes tenho de acabar uma série de outras. Depois cumpro o compromisso. Não é bem à hora marcada, mas acabo por cumprir.»

O exemplo vem de cima

O professor Arménio Rego encontra várias explicação para a falta de pontualidade endócrina dos portugueses. Desde logo, o valor que damos à conversa e ao relacionamento. «Preferimos manter a “conversa em dia” com os nossos amigos, mesmo que algo esteja a ficar para trás ou alguém esteja à nossa espera.» Por outro lado, «somos uma cultura policrónica, pouco orientada para o mérito, para o desempenho e para os resultados e em que é cultivada uma grande “distância de poder”, em que algumas chefias se pavoneiam e os chefiados bajulam. Ora, uma boa maneira de “manter as distâncias” e o status é… chegar atrasado, fazendo o outro esperar.» Procedimento com raízes históricas, de acordo com uma reportagem da revista brasileira Veja sobre a pontualidade no país irmão. Parece que do outro lado do Atlântico uma das explicações avançadas para o atraso crónico, sobretudo dos cariocas, remonta ao desembarque da corte portuguesa, em 1808, «acontecimento histórico que teria sido o estopim desse comportamento repassado ao longo de gerações. Ciosos da sua posição superior na hierarquia político-social da colônia, nobres e membros da alta burocracia valiam-se de uma série de medidas para reforçar essa condição. Uma delas era fazer que os súbditos tomassem chá de cadeira antes de serem atendidos, mesmo que não houvesse nada na agenda do figurão. O gesto era uma mera afirmação de poder».

De volta a Portugal e ao século XXI, Arménio Rego considera que, apesar de o país ter evoluído muito nesta matéria, em virtude da influência das multinacionais e dos gestores com experiência internacional, cabe aos líderes («incluindo os professores!») dar o exemplo. «Mas, sobretudo, cada um de nós tem de mudar, antes de esperar que os outros mudem. Se continuarmos à espera nada se alterará!»

 

2013 – TOLERÂNCIA ZERO PARA A FALTA DE PONTUALIDADE

A campanha cívica que se iniciou no fim de 2012, a partir do Facebook, foi ideia de José Carlos Mota, docente e investigador do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território (DCSPT) da Universidade de Aveiro, após uma conversa com uma aluna Erasmus que lhe confidenciou a dificuldade em trabalhar com os congéneres portugueses por causa da falta de pontualidade, sentimento partilhado por outros colegas estrangeiros. «Esta questão despertou-me preocupação para o assunto e deixou-me angustiado pensar que a próxima geração pode vir a reproduzir o mesmo tipo de comportamentos que a anterior, acentuando a noção de que esta atitude de desleixo com a pontualidade é quase genética, impossível de mudar e que até tem alguns aspetos positivos. Para além disso, como investigador da área do planeamento do território e da participação cívica, identifico padrões comportamentais que contribuem para a nossa deficiente gestão do tempo individual e coletivo e para o nosso défice de pontualidade.» A reflexão, enriquecida pela tomada de conhecimento do já referido estudo sobre a pontualidade em Portugal, levou o professor a passar a ação e, aproveitando a comemoração em 2013 do Ano Europeu do Cidadão, lançar a campanha cívica 2013 – Tolerância Zero para a Falta de Pontualidade. Objetivo: criar e estimular uma cultura de rigor na gestão do tempo individual e coletivo.

[ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO DE 13 DE JANEIRO DE 2013]