No lugar mais íntimo dos nossos sapatos

Notícias Magazine

Numa edição de moda, toda glamour, brilhos e elegância, fica mal fa­lar do mau odor dos pés e dos sapatos? É capaz. Mas a Notícias Magazine não é – nem nunca foi – uma revista de moda e coisas fúteis. É porque acompanha­mos os interesses dos nossos leitores que fazemos uma revista dedicada à mo­da, por esta altura, quando chega a estação do calor, e mais tarde no ano, quan­do o frio voltar. Porque os armários estão bafientos e todos nós com vontade de lhes dar uma volta. Porque trocar um casacão cinzento por uma blusinha de al­ças, às flores, pode fazer tanto por nós como uma caixa de Prozac. Porque a mo­da faz-nos à alma aquilo que a primavera opera na natureza: fá-la florescer.

Em Portugal, a moda é ainda um pouco mais do que isso. É economia. Cla­ro que nós não lhe chamamos moda, até porque estamos quase sempre antes dos desfiles, das passerelles e das marcas que garantem esse epíteto às roupas que fazemos por cá. Estamos no tecer e no cortar e no coser. Estamos no tecido e na sola do sapato. Estamos no próprio sapato.

E é nos lugares mais íntimos de um sapato que está o Centro Tec­nológico do Calçado de Portugal. E aqui regresso à questão do mau odor, que também tem essa designação em que o leitor está a pensar mas que – essa sim – me recuso a escrever numa edição de moda. Este importante laboratório foi criado, não por decreto, como costuma acontecer, mas pela vontade de uma indústria inteira – a do calçado, através da APICAPS – que dele sentiu necessidade.

Quem fabricava sapatos em Portugal começou, há quase três décadas, nos anos 1980, a sentir que precisava de evoluir de forma consistente, isto se que­ria enfrentar um dos mercados mais competitivos no mundo da moda. No merca­do mundial do calçado não interessa apenas o estilo e a assinatura – ou, por vezes, a grande falta de estilo que se transforma em estilo apenas porque leva uma assinatura – mas a qualidade intrínseca dos produtos que se vende. Ou seja, não interessa apenas se um sapato é bonito. Um sapato vende-se sobretudo se tem qua­lidade e é confortável, e ambas as caraterísticas são verificáveis… no pé.

É por isso que o mau odor dos sapatos é um assunto tão importan­te – para esta revista e para a nossa economia. Porque, apesar de ser uma questão pouco glamorosa, ela pode determinar se um sapato português tem ou não sucesso. Pode dizer-se que o mau odor – ou como livrar-se dele – é o santo graal para os investigadores do laboratório de investigação em calça­do. O que eles procuram é fazer o sapato perfeito, que não cheire mal. Estu­dam tecidos e peles, as reações do pé, as micropartículas e as bactérias. «Há mais de dez anos que estamos a estudar soluções e a verdade é que conse­guimos introduzir melhorias», diz uma das investigadoras, na nossa repor­tagem. Mas os industriais e os consumidores não estão completamente sa­tisfeitos? «Pois não, e com razão. Por isso, continuamos empenhados em re­solver esse problema.» É assim, desta vontade focada e das suas aplicações práticas, que se faz o maior caso de sucesso da indústria produtiva e – oh, panaceia para todos os nossos males – exportadora.

Esta edição da Notícias Magazine dedicada à moda tem também, como sempre, as histórias que temos a certeza de que vão interessar os leitores, mui­to para além das belas e curiosas fotos que costumam enxamear as edições de moda. E que não se ficam por elas próprias, mas são inspiradoras. Entram nes­ta categoria as histórias de duplas que têm construído o seu sucesso em par­ceria. Funcionam como boas metáforas para explicar como um bom resulta­do raramente é fruto de vontades – ou voluntarismos – singulares, mas antes obra de equipas. Por muito que o mundo da moda seja assente em assinaturas, estrelato e famas individuais.

[Publicado originalmente na edição de 13 de Abril de 2014]