Mudar o mundo, um pouco

FERNANDA FREITAS
Ex-jornalista, professora universitária, escritora, empresária, coordenadora da programação do espaço Atmosfera M, do Montepio, no Porto, e voluntária, é conhecida do grande público pela coordenação e apresentação do programa Sociedade Civil, na RTP2, que assegurou entre 2006 e 2012.

Só se associa a projetos em que acredita, como o movimento Mais para Todos, do Lidl. Não pretende mudar o mundo, basta-lhe mudar a vida de alguém. Diz que é muito bom ter a confiança das pessoas, mas também é um peso enorme. Defende a distribuição mais equitativa das instituições existentes no país e a necessidade de mais voluntariado.

Como gere todas as atividades?
_Acredito piamente que o tempo é de facto a única coisa democrática no mundo. Todos os seres humanos têm 24 horas por dia. Po­de ser muito pobre ou muito rico, pode viver em África, há é que saber geri-las e aproveitá-las. Tenho a bênção fantástica de ser a mi­nha própria patroa e gerir as minhas 24 ho­ras. Depois tenho uma equipa que trabalha comigo na Eixo Norte Sul, a quem delego imensa coisa e em quem confio imenso.
Em que ponto da sua vida é que se deparou com as questões da responsabilidade social?
_A nível empresarial foi quando comecei a trabalhar essa área ainda no programa Cau­sas Comuns e me apercebi de que existia res­ponsabilidade social por parte das empre­sas. Na perspetiva pessoal, desde sempre. Cresci com uma ligação muito direta à As­sociação Portuguesa de Paralisia Cerebral e tive contacto direto e diário com a realida­de das associações e as necessidades destas. Esta questão tem muito que ver com a nos­sa herança, que pode ser familiar ou escolar. Encaixar uma ou duas horas de voluntaria­do na minha agenda não me custa rigorosa­mente nada.
Tenta tirar partido do facto de ser uma cara conhecida do grande público para ajudar a projetar as causas?
_As pessoas confiarem em mim é mui­to bom, mas também é um peso enorme. Ninguém é obrigado a ser voluntário, simpático, a contribuir para causas, se­ja conhecido ou não. Mas não encaro isso como uma consequência do meu trabalho, muito pelo contrário, foi o meu percurso pessoal que me levou ao meu trabalho. O programa Sociedade Civil, quando eu lá estava, era o reflexo de acreditar pia­mente no trabalho da sociedade civil.
Nem sempre é fácil transmitir isso aos espe­tadores e a Fernanda teve o mérito de passar essa imagem…
_Porque é verdadeira. O público também se apercebe quando há aproveitamento e nunca tirei proveito. Quando se olha para a quantidade de horas que trabalho pro bono, vê-se isso. Gosto genuinamente de fazer is­to. Não ganho cromos para a caderneta nem um lugarzinho no céu. Acredito, assim como os outros voluntários, presidentes e coorde­nadores dos Anos Europeus, que se mudar­mos um bocadinho já é muito bom.
Está a dizer que uma pessoa pode não mudar o mundo, mas deve tentar?
_ Tento mudar o mundo todos os dias. Não quero mudar o mundo todo, basta-me mu­dar o mundo de alguém. Só um bocadinho e isso consegue-se com coisas tão simples. E não é só no Natal, faço isso 365 dias por ano. Uma associação precisa de mim no Natal, mas se calhar também precisa de mim quatro meses antes para ajudar a ven­cer azulejos ou a pôr um post nas redes so­ciais. Quando publico qualquer coisa no Twitter as pessoas sabem que é um assun­to sério e contribuem, ajudam e fazem a di­ferença.
Reconhece que há quem tente tirar proveito para aparecer?
_ Pois, e há aquela coisa de ter de haver um prazer imediato, uma recompensa pe­lo que está a fazer, e isso é tão poucochinho. Há dez anos que faço o desfile Moda’r Men­talidades com miúdos deficientes e só há três anos começou a despertar a atenção. Nós queremos ajudar as pessoas que estão nas associações, mostrar que todos podem desfilar, que todos podem ser modelos por um dia… só porque sim, porque é divertido. Para aqueles miúdos é o momento da vida deles. Se isto não é mudar a vida de alguém, é o quê?
A sociedade portuguesa está ciente do que é feito pelo chamado Terceiro Setor e da im­portância que ele tem na melhoria das con­dições de vida e cuidados de saúde?
_ Não, acho que não. Aliás, senti muito isso eu própria. Até começar a trabalhar no So­ciedade Civil não tinha noção. Tem de se es­tar muito envolvido e conhecê-lo bem pa­ra perceber a sua dimensão e importância. No geral, sabem que nem tudo depende do Estado. Mas o Terceiro Setor também vi­ve daquilo que nós queremos que ele seja. O trabalho de voluntariado é importantís­simo para a continuação do bom trabalho que é feito e ainda assim temos uma taxa re­lativamente baixa de voluntários em Por­tugal, o que é uma pena. Não temos de ser voluntários formais, há o voluntariado in­formal, que também ajuda e conta.
E da parte das empresas, nota uma cada vez maior preocupação destas em darem o seu contributo para o desenvolvimento da eco­nomia social?
_ Quero acreditar que sim. O facto de ha­ver o GRACE, que é um grupo de reflexão, tem ajudado muito e é importante as em­presas terem noção de que não podem ser apenas fábricas de ganhar dinheiro. Têm de ter responsabilidade social, não ape­nas para fora mas também lá dentro. Ener­va-me imenso aquelas empresas que têm uma imagem toda fofinha, do género «aju­damos as criancinhas, pintamos as escoli­nhas e damos caminhas aos orfanatos» e depois não pagam ordenados a tempo, não pagam impostos, os empregados e as em­pregadas não têm igualdade salarial, não há código deontológico ou mesmo um có­digo de ética no trabalho. Isso para mim é marketing, não é responsabilidade social.
Mas é costume as empresas solicitarem o seu contributo?
_Sim, e eu digo muitas vezes que não. En­tão no Ano Europeu do Voluntariado foi um drama. Nem imagina a quantidade de pessoas que me abordaram para dar uma açãozinha de voluntariado. Lá tinha de ex­plicar que o importante não era só pintar o muro, mas saber o que se passava lá den­tro, se podemos fazer mais e o que acontece a seguir. É só isso, não há como complicar. Quem quer fazer, arranja maneira, quem não quer, arranja desculpas.
Como é que as instituições e IPSS podem dar a conhecer o trabalho que desenvolvem para chegarem a mais pessoas no sentido de receberem mais apoios para depois também poderem alargar o seu raio de ação?
_É uma grande questão. Faço muitas in­tervenções na perspetiva da comunica­ção do Terceiro Setor e é a pergunta que mais surge. E volto à questão da confiança: é criarem confiança. As instituições têm de escolher muito bem a população com que querem trabalhar, não entrar em deva­neios, ter foco na ajuda que querem prestar e nas necessidades da comunidade em que estão inseridas.
De de forma é que se pode contribuir para que haja um maior envolvimento de todos, sociedade civil, empresas e instituições, nestas questões?
_ Com ações como a que vai acontecer agora, o Mais para Todos, do Lidl [ver cai­xa]. Embora seja muito importante, não é só acerca do dinheiro. Há muitas empresas que ajudam as instituições através de pro­gramas tutoriais, dando formação aos gestores do Terceiro Setor, noções de co­mo se candidatarem a um fundo euro­peu, do que a nível jurídico não podem fazer. Coisas que ninguém é obrigado a saber. E fazem isto de forma totalmente anónima e pro bono.
Se tivesse de apontar uma prioridade, qual seria?
_Há tanta coisa… Uma distribuição mais equitativa de tudo. Não só dos meios finan­ceiros, mas da quantidade das instituições que existem pelo país. Há zonas com over­booking e outras que estão desertas e que precisavam de uma associação ou IPSS, de uma resposta social. Se houvesse uma me­lhor distribuição, dificilmente haveria tan­tos problemas.
Que balanço faz das campanhas que apa­drinhou e apoiou? Tem ideia de quantos já foram? Os resultados foram os esperados?
_Não consigo sequer imaginar, às vezes são coisas tão pequeninas e as pessoas dão logo aquele título «embaixadora» ou «ma­drinha». Faço porque gosto e porque acre­dito. Quanto ao balanço, da minha parte, e porque me entrego sem qualquer expetati­va além da felicidade geral, minha e dos ou­tros, acho que corre sempre bem.

MAIS PARA TODOS
Fernanda Freitas será jurada no pro­jeto Mais para Todos, do Lidl, um mo­vimento de responsabilidade social que arranca amanhã e se prolonga até dia 24. Por cada compra nas 239 lojas, serão doados dez cêntimos e várias marcas nacionais e interna­cionais também irão contribuir. A re­ceita será distribuída pelas institui­ções que se candidatarem ao projeto. Fernanda Freitas abraçou este novo desafio esperando «encontrar pro­jetos válidos e que tenham um cará­ter de continuidade e sustentabilida­de». Quanto à iniciativa levada a cabo nas lojas, a jurada salienta ser «muito curioso ter conseguido juntar tantas marcas». «É uma campanha arroja­da, pois deixa ao consumidor a deci­são de escolher produtos das marcas mais responsáveis e premiar as em­presas que vão ajudar os outros.»