Mãe é mãe, não é?

A evolução da ciência no que à procriação medicamente assistida diz respeito torna cada vez mais difícil responder instintivamente a esta pergunta, sendo a possibilidade de ter um filho gerado no útero de outra mulher a que levanta mais dúvidas. A maternidade de substituição pode vir a ser legal em Portugal. Em maio deverá ser votado o diploma na Assembleia da República. Quando a discussão foi lançada, em 2010, a Notícias Magazine realizou uma reportagem sobre a matéria. 

A ideia primeiro estranha-se, depois estranha-se e volta a estranhar-se. Barrigas de aluguer, incubadoras humanas, mulheres que por razões económicas se dispõem a carregar no ventre, durante nove meses, o filho de alguém. Alguém que não conhecem nem nunca irão conhecer, um filho que não é delas nem nunca será, do momento em que é concebido ao momento em que é dado à luz. Estranha-se ainda mais depois de uma incursão pelo mundo virtual, espelho do real, através do qual se descobre que na Índia, por exemplo, há clínicas que têm casas onde estão albergadas dezenas de mulheres grávidas esperando que os nove meses passem para pôr no mundo o filho de um qualquer casal estrangeiro endinheirado. Ou que nos EUA há autênticas redes sociais de barrigas de aluguer que trocam experiências, oferecem os seus serviços e até estabelecem recordes, como os exibidos numa reportagem da cadeia de televisão norte-americana ABC sobre serial surrogates (barrigas de aluguer em série): mulheres que se orgulham de ter passado por mais de dez gravidezes para outros.

A ideia primeiro estranha-se, depois estranha-se e só depois de muita troca de ideias é que começa a entranhar-se. Um embrião, filho de um homem e de uma mulher que não pode passar por uma gravidez, gerado no útero de outra mulher. Sem dinheiro envolvido, só amor. Aquele tipo de amor que leva a abdicar de todas as dúvidas e pensar que nove meses de uma vida podem significar a felicidade inteira de outra vida, irmã ou amiga. É disso que falam a Susana e a Cláudia e o Paulo e a Elsa, irmã da Cláudia, enquanto esperam que venha a ser permitida, em circunstâncias muito específicas e de forma altruísta, a maternidade de substituição em Portugal.

«Sim, quero ser mãe»
«Podemos vir a ser pais através da adopção, mas é claro que gostava de ter uma criança com as orelhas do Paulo…», diz Cláudia, 38 anos, «… e o queixo da Cláudia», completa Paulo, 40. Nenhum deles tem problemas de fertilidade, mas a Cláudia tem um tumor benigno no cérebro que faz da gravidez uma roleta-russa que este casal não pode nem quer correr o risco de jogar. «Tenho um cavernoma. É uma malformação vascular, como se fosse uma amora cheia de saquinhos de sangue. Fui operada em 1995 para o retirar e pensei que tinha ficado resolvido, mas há dois anos, precisamente quando estava a pensar engravidar, os exames revelaram que tinha voltado a crescer e neste momento o risco de extrair é maior do que o de deixar, e tanto o neurologista como o neurocirurgião que me acompanham foram taxativos: não posso engravidar. Uma gravidez poderia provocar um crescimento do tumor ou até fazer que rebentasse.»

Perante a impossibilidade de gerar um filho, a primeira pergunta que Cláudia fez a si própria foi se queria mesmo ser mãe e o que isso significava para ela. «Este problema fez-me pensar muito e descobrir que sim, que queria muito ser mãe e que ser mãe, para mim, é ser educadora. E essa é talvez a maior razão para não poder correr o risco de engravidar ou de extrair o tumor. Se alguma coisa corresse mal, e a probabilidade é grande, na melhor das hipóteses ficaria afásica, ou seja, perderia a noção de fala e a capacidade de comunicar. Nenhuma mulher que queira ser mãe corre esse risco.»

Em Janeiro de 2005, Cláudia e Paulo foram à consulta de infertilidade da Maternidade Alfredo da Costa em busca de uma solução. «Quando perceberam que não éramos inférteis e o que procurávamos era a possibilidade de recorrer à maternidade de substituição, ficaram um pouco estupefactos a olhar para nós. Disseram-nos que em Portugal não havia enquadramento legal para o fazer», conta Paulo.

De facto, o artigo 8.º da Lei n.º 32/2006 de 26 de Julho, sobre Procriação Medicamente Assistida (PMA), decreta que «são nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, de maternidade de substituição», entendendo-se por maternidade de substituição «qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade» e concluindo-se que «a mulher que suportar uma gravidez de substituição de outrem é havida, para todos os efeitos legais, como a mãe da criança que vier a nascer». Mais se estatui, no artigo 39.º do mesmo diploma, que quem concretizar contratos de maternidade de substituição a título oneroso ou a promover, por qualquer meio, designadamente através de convite directo ou por interposta pessoa, ou de anúncio público, é punido com pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias.

«Quando li recentemente no jornal que havia a possibilidade de tornar legal o recurso à maternidade de substituição pensei que seria a nossa salvação», diz Cláudia entre a esperança e a apreensão de quem está numa corrida contra o tempo. O relógio biológico parece avançar muito mais depressa do que o tempo que Portugal leva a mudar o que quer que seja.

O juiz Eurico Reis, presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), vê com bons olhos a alteração da lei e foi nesse sentido que lançou a discussão. O intuito é que das dúvidas que este tema suscita a todos quantos nele pensam com seriedade nasça a luz de uma proposta consensual. «A sugestão a ser formalizada à Comissão de Saúde da Assembleia da República vai no sentido de abrir a possibilidade de utilização da maternidade de substituição, mantendo-se no âmbito do artigo 4.º da Lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), que prevê como condição de admissibilidade a circunstância de doença. Estamos a falar de situações em que o membro feminino do casal tenha perdido o útero, por doença congénita ou acidente, e por isso a gestação tenha de ser feita no útero de outra mulher. A doação de gâmetas seria intraconjugal, o contrato não envolveria dinheiro e teria de existir um projecto familiar de futuro para aquela criança. É uma sugestão que não entra de forma alguma em conflito com o espírito da lei.». Fora de questão está a utilização comercial desta alternativa e o seu acesso a casais do mesmo sexo ou pessoas sozinhas. Para Eurico Reis a discussão sobre outras possibilidades de aplicação da maternidade de substituição não cabe ao CNPMA: «Essa discussão deve ser aberta pelos partidos e pela sociedade civil. É uma questão de prioridades: quando se diz sim a uma coisa, às vezes tem de se dizer não a outra.»

«Vamos lutar, não vamos desistir»
A notícia de que a maternidade de substituição podia vir a ser legal em Portugal foi também muito bem recebida por Susana, 38 anos, e João, 30 [nomes fictícios]. Submetida ainda jovem a uma histerectomia que lhe levou o útero, mas deixou os ovários, a vontade de ter um filho tornou-se irreprimível quando casou, há dois anos. «A primeira hipótese que pusemos foi a da adopção, mas é um processo muito lento, complexo e burocrático. Além disso, é preciso estarmos casados há quatro anos, o que significa que só daqui a dois é que podemos avançar. Mais cinco ou seis que temos de esperar para receber a criança… com tantas a crescer nas instituições», desabafa Susana, confessando que seria a medo que adoptaria uma já mais crescida. Não sendo mulher de baixar os braços nem ficar à espera, Susana procurou Vladimiro Silva, médico e director da Ferticentro, clínica de fertilidade em Coimbra, à procura de orientação.

«Chegam-nos vários casais que querem aconselhamento sobre a maternidade de substituição. Procuram saber onde é possível fazer no estrangeiro, como funciona depois o registo… No fundo, querem uma opinião. Não posso ajudá-los muito, a única coisa que posso dizer-lhes é que em Portugal estão impedidos por lei de o fazer.» Uma lei com a qual o médico Vladimiro Silva não concorda: «A questão fundamental é que ao proibir este procedimento, a lei faz que algumas pessoas – que são férteis, mas por razões absolutamente médicas não podem engravidar – estejam impedidas de ter filhos biológicos. É uma injustiça gritante. Trata-se de uma franja marginal de casos, não passam de umas poucas dezenas, excluídos da possibilidade de tratamento. E, no entanto, a mesma lei permite tratamentos com doação de gâmetas [espermatozóides e ovócitos], de que sou indiscutível apoiante, é bom esclarecer. Mas, à luz dos valores conservadores, que não perfilho, até faz mais sentido a maternidade de substituição por razões médicas, uma vez que o embrião resultaria sempre dos gâmetas dos pais biológicos e a mãe de substituição seria apenas hospedeira.»

Após o encontro com o director da Ferticentro, Susana não parou de pensar e de pesquisar. «Tenho estado atenta à hipótese dos transplantes de útero. Diziam que em 2011 se fariam os primeiros e eu, se pudesse, submeter-me-ia a essa intervenção. Mas também tenho lido muito sobre barrigas de aluguer no estrangeiro. Já entrei em sites de clínicas da Índia e da Ucrânia, onde é mais acessível em termos financeiros, enviei e-mails e elas responderam-me. As da Ucrânia são as que me oferecem mais confiança porque garantem que têm uma equipa de advogados que trata das questões burocráticas e que não há problema com o registo do bebé, fica logo nosso.» Não é bem assim [ver caixa «Filhos de ninguém»], mas Susana e João ainda estão numa fase de reflexão sobre o que fazer, remetendo para o ano que vem uma decisão. Seja como for, não têm dúvidas: «Vamos lutar, não vamos desistir. O ideal era que se legalizasse em Portugal. Tenho uma irmã mais nova, tem 31 anos e já é mãe, e disse que fazia isso por mim, estava disposta a ser barriga de substituição. Disse que a maior felicidade dela seria ajudar-me a realizar o meu sonho. A minha mãe também disse que se pudesse faria, mas já não tem idade. Para mim, seria a pessoa ideal. Mãe é mãe, não é?»

Todos temos uma história
As mães da Cláudia e do Paulo também fariam isso por eles. «A reacção das nossas mães foi muito engraçada, disseram logo que se pudessem faziam, até a mãe do Paulo, que já tem 80 anos», conta Cláudia. «Ficámos contentes, claro, mas para mim seria muito estranho se fosse a minha mãe. Todos nós, quando crescemos, “matamos” os pais e eu “matei” muito bem os meus, orgulho-me imenso desse “duplo homicídio”. Daí que se a minha mãe desse à luz o meu filho eu sentiria isso como uma regressão. Com a minha irmã ou uma amiga a relação é mais igual.»

Para Cláudia e Paulo, está posta de lado a possibilidade de recorrer a uma barriga de aluguer no estrangeiro. «Soa-nos a neocolonialismo e a relações de exploração. Por razões políticas, e não só, é uma hipótese que rejeitamos. Sou contra dar dinheiro para pagar uma barriga de aluguer, não gostaria de ter a sensação de comprar um filho», explica Cláudia. A única forma, então, de este casal ter um filho biológico será a lei da PMA vir a admitir a maternidade de substituição. «A minha irmã estaria disponível e apesar de eu não aceitar o sim da minha irmã sem pensar muito bem no assunto – há coisas a reflectir, como qual seria a reacção dos meus sobrinhos e como isso os afectaria –, seria uma possibilidade. Entretanto, em Setembro do ano passado, demos início ao processo de adopção.» Outra questão que se colocou a Cláudia foi como ia explicar ao filho, fosse ele adoptado ou nascesse da barriga de outra mulher, a sua origem. «Todos temos de ter uma história. Os filhos não são prolongamentos nossos, são independentes. Por isso, quando pensámos em adoptar, decidi fazer um diário. Quando fomos dar início ao processo de adopção, comecei a escrevê-lo: “Hoje fomos a Setúbal…” Se vier a ser através da maternidade de substituição, faço a mesma coisa e será uma história muito mais bonita se a mulher que o transportou foi a tia ou uma amiga da mãe, que vão estar sempre presentes. Será uma história sobre solidariedade e generosidade. Em vez de: és um ser esquisito que nasceu de uma forma esquisita, será: és muito especial porque no teu nascimento estiveram envolvidas três pessoas.»

Nove meses e o resto da vida
Neste caso a terceira pessoa envolvida seria Elsa, 40 anos, irmã de Cláudia e mãe de dois filhos. Dúvidas tem todas, mas também algumas certezas. «Foi uma sequência de acontecimentos muito espontânea. A minha irmã foi operada a um tumor cerebral em 1995, levou tempo a lidar com a questão e, quando estava recuperada, o tumor voltou a crescer e os médicos disseram que seria um risco demasiado elevado engravidar. Quando tomou consciência de que não podia ser mãe, não porque ela ou o Paulo fossem inférteis, mas porque não podia passar por uma gravidez, ficou muito triste e eu senti aquela situação como tão injusta, que falei na hipótese de emprestar o meu útero para terem um filho deles.» Apesar da relação muito forte que tem com a irmã, esta não seria uma decisão fácil se tivesse de a tomar amanhã. «Claro que me levanta dúvidas, do ponto de vista científico, ético, médico e até pessoal. Além de que me soa um bocadinho a historieta de reality show americano.» Entre as dúvidas, que vão dos limites da ciência e da medicina à rejeição de que um embrião possa ser gerado no útero de uma mulher que lhe é completamente estranha e à oposição à comercialização deste tipo de procedimento, as maiores são as pessoais e têm que ver com os seus filhos e a maneira como reagiriam à situação. «A minha filha faz muitas perguntas, como todas as crianças, e o meu filho em breve também vai começar a fazer. Questiono-me como é que lidariam com um bebé que estava na barriga da mãe e não era da mãe. É óbvio que teria de ter aconselhamento psicológico para perceber que repercussões isto teria para eles. Ou seja, tenho imensas dúvidas, mas não é hipótese que descarte. A questão do vínculo com o bebé, que também me interpela, neste caso não seria problema, porque sou tia, é claro que criaria um vínculo de afecto com ele, que não iria perder-se. Agora, é bom dizer que não faria isto por mais ninguém, só pela minha irmã, porque gosto muito dela e penso que nove meses da minha vida podem contribuir para a felicidade dela durante a vida inteira.»

As dúvidas de Elsa são o espelho das dúvidas de Cláudia, ou não fossem elas irmãs e que pensam. Muito. «A maternidade de substituição não é para quem quer, é para quem pode», afirma Cláudia e chama a atenção: «É preciso que todos os envolvidos percebam se podem. Por isso, considero que é muito importante que, além da análise caso a caso das pessoas que estão em condições de aceder a este procedimento, exista uma avaliação psicológica para ter a certeza de que todos têm consciência do que está em causa. A mãe de substituição tem de ser ouvida, até porque será ela a ter mais dúvidas. É preciso muita maturidade emocional e equilíbrio para que as pessoas percebam quais são os seus papéis e os seus limites. Não pode haver ciúmes nem de um lado nem de outro. Também penso na outra mulher, não penso só em mim, não deve ser fácil dar à luz e abdicar do bebé que acabou de nascer», conclui Cláudia.

«Por isso é que, para mim, seria impensável que fosse uma desconhecida a transportar o meu filho na barriga durante nove meses. Tem de haver cumplicidade entre os pais biológicos e a mãe de substituição. Ficaria muito mais descansado se fosse alguém que soubesse que lhe ia dar carinho», acrescenta Paulo.

O dia do juízo final
Do lado dos «especialistas», as dúvidas também não são poucas e todas elas, sejam de carácter jurídico, emocional, científico ou ético, se entrecruzam num emaranhado que só com muita mestria se consegue desembaraçar. Eurico Reis partilha a opinião de Cláudia e Paulo: «A maternidade de substituição levanta problemas éticos muito importantes. Claro que é impossível não se estabelecer uma relação emocional entre a mãe hospedeira e o feto, daí que este procedimento tenha de ser rodeado das maiores cautelas. Os contratos, a serem celebrados, terão de ser sujeitos a um acompanhamento psicológico inicial para avaliar que todas as partes estão cientes do que vão fazer. Ainda assim, não tenhamos dúvidas: existirão conflitos e é preciso que isso seja tido em conta.» Seja como for, o presidente do CNPMA acredita que os benefícios sociais de legalizar a maternidade de substituição superam de longe os custos emocionais que dela podem advir. «Ter filhos é um direito e, existindo meios técnicos para os ter, mesmo que com a ajuda de terceiros, esse direito deve ser garantido.»

Já Miguel Oliveira e Silva, médico obstetra e presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), tem reservas sobre a matéria. «Não falo em nome do CNECV, porque esse assunto ainda não está em discussão na Assembleia da República, mas a minha posição sobre a maternidade de substituição é muito clara. Não me incomoda que a lei portuguesa a autorize, desde que seja analisado caso a caso, de forma criteriosa. Mas pessoalmente sou contra.» E passa a explicar porquê: «O que uma mãe dá a um filho durante as 38 semanas de gestação não é apenas o útero, é muito mais do que isso. Dá a regulação dos genes – aquilo que sou do ponto de vista genético não é resultado apenas da junção dos genes do meu pai e da minha mãe, mas é regulado no útero materno, chama-se a isto o ambiente epigenético. Dá também um ambiente hormonal e um ambiente imunológico únicos, que determinam muitas das doenças que temos. Além disto tudo, que já não é pouco, a mãe dá ao feto um ambiente emocional e psicológico essenciais na definição do que ele será. Ou seja, a pessoa que somos não começa nos genes, mas no útero da mãe. O mesmo embrião será um ser completamente diferente conforme se desenvolva no útero da mulher A ou no da mulher B. E não estamos a falar de barrigas de aluguer. Estamos a falar de uma cedência altruísta do útero. Imagine a senhora que tem duas irmãs. O seu embrião gerado por uma ou por outra, mesmo sendo todas irmãs, será necessariamente diferente. Portanto, do ponto de vista pessoal e filosófico, sou contra a maternidade de substituição, mas não me oponho a que a lei do meu país o permita, porque sei que há pessoas para quem essa é a única solução. Não vou fazer campanha contra, mas também não farei a favor.»

É por essas pessoas que Alberto Barros, médico, especialista em genética e pioneiro das técnicas de PMA em Portugal, defende há muito tempo a possibilidade da maternidade de substituição. «Já antes da lei da PMA, de 2006, o defendia. Por muito poucas pessoas que sejam, e são muito poucas, dos milhares de consultas que fiz ao longo destes 25 anos, devo ter tido um ou dois casos que necessitariam de recorrer a este procedimento, isso não significa que não seja importante. Para aquele casal será a coisa mais importante.»

O médico, que considera que a maternidade de substituição só deve ser permitida em situações de carácter excepcional e de ordem médica – sobretudo de mulheres que ficaram sem útero por razões patológicas ou traumáticas ou nasceram sem útero ou com um útero muito pequeno –, preconiza, a existir essa possibilidade legal, a criação de uma estrutura que avalie caso a caso. «Seria mais prudente, pelo menos numa primeira fase. São situações muito raras, que não entupiriam uma eventual comissão avaliadora e o acréscimo na afectação dos recursos do SNS não teria qualquer significado.»

No entanto, Alberto Barros alerta para o perigo de abrir de forma excessiva esta possibilidade a outras situações. «É importante garantir que os avanços não levem a retrocessos no que já se faz em Portugal em matéria de PMA.»

Num quadro em que o SNS está limitar o acesso aos tratamentos de PMA que já existem, faz sentido discutir a maternidade de substituição? «Faz sempre sentido falar em algo que pode vir a resolver o problema de um casal doente. Resolver o problema de mil pode ser tão importante como resolver o de cem mil e penso que a análise dessa possibilidade deve ser independente da situação que se vive hoje no que diz respeito à PMA e que eu lamento.»

Para o geneticista, em matéria de maternidade de substituição, essencial é que se anule qualquer possibilidade de vir a ter um carácter comercial. «Perturba-me a ideia de útero de aluguer. O grande motivo de proporcionar o útero deve ser a generosidade e o amor, não o dinheiro. Quando penso na maternidade de substituição, imagino que a mãe uterina seria a mãe da paciente (diz-se que avó é mãe duas vezes, neste caso seria três). Há toda uma relação de intimidade física e afectiva que só dificilmente se pode quebrar para a mulher que gera a criança e a grande proximidade entre as “duas mães” é importante. Havendo uma relação afectuosa e familiar, o problema da desvinculação entre a mãe de substituição e o feto nunca se colocaria. Sou um homem crente, católico, e acho que a nossa acção deve basear-se no amor ao próximo. Se as coisas se fizerem nesta base de doação, generosidade, amor, não me vejo no juízo final com problemas de consciência.»

VOLTA AO MUNDO
Há poucos países no mundo onde a maternidade de substituição seja legal, menos ainda onde esta legalidade se estenda à sua vertente comercial. Na Europa, apenas é possível recorrer a este procedimento no Reino Unido e na Grécia, mas unicamente por razões médicas e de forma altruísta. Fora da Europa e também limitado ao carácter altruísta do «contrato», pode utilizar-se a maternidade de substituição no Brasil, no Canadá, em Israel e em alguns estados da Austrália. Na Índia, Rússia, Ucrânia e em alguns estados dos EUA, a maternidade de substituição é um verdadeiro negócio, que movimenta milhões de dólares (ou euros) por ano. Neste caso, sim, é de barrigas de aluguer que se trata. De esclarecer que nos EUA cada estado é um estado e enquanto uns liberalizaram o processo, transformando-o num negócio, outros proibiram-no e outros ainda permitem-no, mas apenas na sua vertente altruísta. Em Portugal, Espanha, Itália, França, Alemanha, China, Japão, Nova Zelândia, alguns estados da Austrália e em Singapura é expressamente proibido. No resto do mundo, as leis são omissas sobre esta matéria.

FILHOS DE NINGUÉM
Com preços muitíssimo mais baixos do que os praticados nos EUA, que podem ascender aos cem mil euros, a Índia e a Ucrânia têm vindo a ganhar peso no negócio das barrigas de aluguer, com milhares de casais estrangeiros, inclusive norte-americanos, a procurarem os seus serviços. Por cerca de 15 mil euros, é possível contratar os préstimos de uma clínica especializada, que incluem não só a barriga de aluguer como todas as despesas médicas e jurídicas inerentes ao processo. O problema, nomeadamente para os portugueses, é que a lei do nosso país proíbe a maternidade de substituição, logo impede o registo das crianças nascidas através desse procedimento. O caso atingiu tal dimensão que, segundo notícia do DN, os serviços consulares do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Kiev, capital da Ucrânia, já informaram os serviços centrais em Lisboa de que há casais portugueses que foram ao engano e se deparam agora com um imbróglio jurídico para resolver, não podendo as crianças ser registadas em nome de ninguém. O contrato assinado entre os pais biológicos e a barriga de aluguer, à luz da lei ucraniana, liberta esta última da condição de mãe, mas a lei portuguesa determina que esse contrato é nulo e, nessa medida, não reconhece aos pais biológicos o direito de registarem a criança como sua filha. Quanto à Índia, a situação é mais clara, desde que o país foi instado a regular o negócio das barrigas de aluguer quando este envolve cidadãos estrangeiros. Um casal estrangeiro que queira recorrer à maternidade de substituição na Índia tem de apresentar um documento de não objecção emitido pela embaixada do seu país, que garanta que a criança será aceite no país dos seus pais genéticos. Mais uma vez, a nossa lei não permitiria a emissão de tal documento.