Já fez a sua mamografia?

É o meio mais eficaz para detetar o cancro da mama a tempo e horas de ser tratado e curado e as novas tecnologias de imagem – agora a 3D – permitem identificar pequenas alterações cada vez mais cedo. Mas em Portugal escasseia a prevenção, falha a organização e compromete-se a qualidade do diagnóstico, diz um dos nossos maiores especialistas.

A mamografia continua a ser o melhor meio para o diagnóstico do cancro da mama?
_É o único meio que permite a detecção precoce do cancro da mama. Nalgumas si­tuações deverá ser complementada com ecografia e, em casos mais excecionais (mamas densas ou com determinado tipo de alterações e também no caso de jovens de alto risco por história familiar de can­cro), com ressonância magnética.

A partir de que idade se deve fazer uma mamografia?
_Nas mulheres sem sintomas, a Organi­zação Mundial de Saúde (OMS) e as socie­dades de senologia (especialidade médica que estuda e trata as doenças mamárias) recomendam que o primeiro exame se fa­ça aos 35 anos. Se estiver tudo bem, devem voltar a fazer aos 40 e, a partir daí, de dois em dois anos. Com a introdução dos ras­treios, as autoridades de saúde decidiram que se fazia a partir dos 45 ou 50 anos, de­pendendo dos países, com exames mamá­rios anuais até aos 50 anos e de dois em dois anos até aos 65.

Antes dos 35 anos a mamografia não está indicada. Porquê?
_A mama das mulheres jovens é muito densa e por isso é difícil detectar peque­nas alterações sem o complemento de uma ecografia.  Mas a idade-referência só é válida para mulheres sem sintomas e sem risco aumentado. Se houver risco fa­miliar, a mulher deve fazer mamografia de perfil, que permite identificar as mi­crocalcificações e distinguir as que são cancro (vinte por cento) das benignas (oitenta por cento). Mas o exame mais in­dicado  nesta idade é a ressonância mag­nética mamária, que permite identificar pequenos nódulos.

A mamografia permite a deteção de lesões quanto tempo antes de serem palpáveis?
_Varia de lesão para lesão. O que sabemos é que entre o crescimento e a multiplicação de células malignas e a sua visualização por mamografia podem passar entre sete e oito anos. Segue-se um período de latência, que pode variar de um a sete anos, dependendo da idade da doente e do tipo histológico do tumor, até que seja clinicamente detectável. Em suma e em casos extremos, uma mulher pode andar com um cancro da mama duran­te 14 ou 15 anos sem saber que o tem.

Como justifica os casos em que as mulheres fazem mamografia, aparentemente está tudo bem, e seis meses ou um ano depois é-lhes diagnosticado um cancro?
_É muito simples: nesses casos, se formos analisar com rigor as imagens anteriores, verificamos que o cancro já lá estava.

E não foi detectado porquê? Porque a ima­gem tinha má resolução e os médicos não viram ou porque não souberam interpretar?
_Podem ser essas ou outras situações, de­pendentes do tipo histológico da lesão e das caraterísticas mamárias,  por causa técni­ca ou por falha humana. É verdade que há tumores que não são visíveis na mamogra­fia e que mamas densas e com várias forma­ções nodulares podem dificultar a deteção de pequenas lesões. Mas também é verda­de que ainda se faz muito má mamografia em Portugal. Nuns casos, porque os equi­pamentos são muito antigos e as imagens obtidas são más, noutros, porque houve má posicionamento e as incidências obtidas também são más. Em qualquer dos casos, o risco de um médico se enganar é maior.

Mas há algum médico que reconheça que o tumor já lá estava e que não o viu?
_Eu faço-o. E escrevo no relatório que o tu­mor já lá estava mas que na altura não o valo­rizei. E já fiz uma palestra sobre os meus er­ros de diagnóstico num congresso da Socie­dade Portuguesa de Menopausa. É a melhor forma de aprendermos uns com os outros.

O senhor deve ser caso único em Portugal… A Direção-Geral de Saúde já criou um sis­tema de notificação de erros médicos, com­pletamente anónimo, mas quase não há ca­sos reportados.
_Eu assumo os meus. Mas também quero descansar quem nos lê, pois não é um atra­so de um ano num diagnóstico que põe em causa o prognóstico ou a saúde da pessoa. Isto, porque não estou a falar de coisas des­caradas, que saltem à vista de quem observa.

É verdade que também há alterações que são interpretadas como cancro da mama e que na verdade não são?
_Sim, são os chamados falsos positivos e já chegaram a 40 por cento. Agora há menos. Mas os falsos positivos são uma das razões por que o diagnóstico do cancro da mama deve combinar sempre mamografia, eco­grafia e palpação mamária (feita pelo mé­dico). Diante de uma lesão suspeita, a mu­lher deve fazer ressonância magnética, com biópsia, de preferência no mesmo dia. Quem não tiver condições para trabalhar assim, não deve fazer exames mamários. Infeliz­mente, há hospitais de referência no Serviço Nacional de Saúde (SNS) que ainda não reú­nem as condições mínimas para o diagnós­tico do cancro da mama.

E depois também há o sobrediagnóstico…
_De facto, há tumores que são precocemen­te diagnosticados e depois removidos embo­ra se saiba que muitos não iriam evoluir pa­ra estádios mais avançados. O sobrediag­nóstico é uma das consequências más dos rastreios.

Um radiologista pode fazer qualquer exame de imagem. Não faz sentido a especialização?
_Posso responder-lhe assim: sou médico ra­diologista e fui diretor de serviço num hos­pital em que era o responsável por todos os exames que se faziam… Mas eu só faço al­guns exames ligados à patologia mamária, densitométricos e raios X convencionais.  Seria incapaz de me responsabilizar por outros. Claro que a especialização é funda­mental. Quem se dedica à mama deve ter muita experiência em mama, o mesmo para quem se dedica ao abdómen. Fazer de tudo um pouco não é bom para os doentes. Olhe, eu defendi sempre que os neurorradiologis­tas é que devem fazer os exames de crânio e de coluna e que as ecografias pélvicas e obstétricas devem ser feitas por ginecologis­tas/obstetras. Mas há quem pense diferente.

A evolução das tecnologia médicas tem contribuído para uma melhor resolução das imagens obtidas através da mamografia. O que há de novo nesta área?
_Começámos por trabalhar com equipa­mentos analógicos, mas já há quase duas décadas que chegou a mamografia digital direta. Penso que terei sido o primeiro mé­dico a fazê-lo em Portugal. A resolução e a qualidade da imagem são totalmente dife­rentes.

Mas entretanto também disponibiliza a ma­mografia digital tridimensional. Qual é a vantagem?
_Tem muito melhor definição, permite observar a mama de forma tridimensio­nal e possibilita a identificação e análise de alterações muito pequenas. O exame é realizado de forma idêntica, mas permi­te a captação de dezenas de imagens em vários ângulos que depois são observadas em computadores e monitores também de alta resolução, onde cada pormenor pode ser ampliado e estudado. A tomossíntese mamária, é assim que se designa, fez uma revolução na imagem pois minimiza ou elimina significativamente os desafios as­sociados à projeção da informação anató­mica 3D num plano de imagem 2D.

Quem é que deve fazer uma mamografia tridimensional?
_Qualquer mulher com indicação para fa­zer uma mamografia. A radiação não é maior. Nós estamos a fazê-lo em todas as pacientes.

E o preço é mais elevado?
_Não houve qualquer aumento do custo. Nem para as pacientes nem para as insti­tuições convencionadas.

Em Portugal, a probabilidade de uma mu­lher ter cancro da mama ao longo da vida será de uma em oito e todos os anos são diagnosticados cerca de cinco mil novos casos. Sabe dizer se estamos a diagnosticar bem e a tempo?
_Primeiro é preciso aclarar os números. Em Portugal, o pico máximo do cancro da mama ocorre aos 70 anos e nesse gru­po atinge uma em cada 14 mulheres. Aos 50 afeta uma em cada cinquenta. E aos 30 só uma em cada 2300 mulheres é que te­rá um cancro da mama. Nos EUA, uma em cada nove ou dez mulheres terá cancro da mama.

Os números que referi são do Registo Onco­lógico Regional do Sul. De qualquer forma, a pergunta é sobre a qualidade do diagnósti­co. Estamos a diagnosticar bem e a tempo?
_Penso que não. Mas importa referir que não podemos continuar a orientar a saúde para o ato médico como ainda sucede em Portugal. Para prevenir a doença, as pesso­as precisam de ter uma atitude muito mais proativa e isso faz-se com exercício físi­co, alimentação, estilos de vida saudáveis e com a realização de alguns exames mé­dicos que permitem o diagnostico precoce de alterações, incluindo o cancro da mama. Neste caso, em mulheres sem risco aumen­tado e sem sintomas é a partir dos 40 anos que devem começar a fazer mamografia de dois em dois anos.

Acabou de dizer como devia ser, mas a pergun­ta pretende saber como é. Estamos a fazer um bom diagnóstico precoce do cancro da mama?
_A saúde em Portugal está virada para o tra­tamento das doenças e não para a preservação da saúde e prevenção das doenças crónicas e o cancro da mama não é exceção. O diag­nóstico precoce é a única forma de alterar o curso natural da doença, reduzir a mortali­dade e a morbilidade. Acontece que os hos­pitais continuam de costas voltadas para os centros de saúde e que o diagnóstico que se faz no país não tem regras. No cancro da mama, há um rastreio que é feito pela Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) mas não se conhecem os dados.

Está a dizer que o Ministério da Saúde paga à LPCC para fazer o rastreio mas que, além das zonas geográficas, se desconhece tudo o resto, incluindo a população abrangida e os resulta­dos, é isso?
_Não se sabe nada. Pelo menos eu nunca ou­vi nem nunca conheci quem soubesse da efi­cácia do rastreio do cancro da mama. Desco­nhece-se a cobertura populacional, os acha­dos, o encaminhamento para os centros de referência…

Então, como é que se deve fazer a prevenção e chegar às mulheres menos informadas e com mais dificuldade de acesso à saúde?
_Há tantas maneiras simples. Olhe, na Bél­gica, quando as pessoas vão de férias le­vam as prescrições para que façam os seus exames de saúde anuais, que variam de pessoa para pessoa em função da idade. Aqui não. Para rastrear o cancro da ma­ma mandamos uma carrinha ao Interior, chamamos uma velhinha e das duas uma: ou nunca mais lhe dizemos nada ou, pas­sados uns meses, mandamos uma carta a dizer que há uma suspeita e que a pes­soa tem de se deslocar não sei onde para marcar um novo exame. Isto é feito sem articulação nem organização, leva tempo e deixa a pessoa numa angústia enorme. Mas isto é preciso para quê? Eu discordo. São os médicos de família que têm o dever de informar as suas pacientes para a ne­cessidade de fazer uma mamografia pre­ventiva e devem prescrevê-la nas alturas certas. Quando são detetadas alterações, as mulheres devem ser encaminhadas pa­ra o centro de referência em cancro e de forma articulada.

A prevenção do cancro na mama deve pas­sar pelo centro de saúde e pelo médico de família?
_Claro que sim. Faz algum sentido mandar uma carrinha de Lisboa para Beja para fazer mamografias? Esse modelo que a LPCC le­va a cabo talvez tenha feito sentido nos anos 1980 ou 1990, mas no século xxi somos capa­zes de fazer melhor, com mais eficácia e com os recursos do SNS. No final há que estabele­cer a articulação entre os centros de saúde e o hospital de referência do doente, que deve desenvolver unidades de excelência que per­mitam a resolução deste e de outros proble­mas do nosso sistema de saúde.

QUEM É ERNESTO PASSOS ÂNGELO?
É médico radiologista há 42 anos e especializou-se no estudo e diagnóstico do cancro da mama. Foi director do serviço de radiologia do Hospital de Santo António dos Capuchos, em Lisboa, e do Departamento de Diagnóstico por Imagem do Centro Hospitalar de Lisboa Central. Depois da vice-presidência da Sociedade Portuguesa de Senologia, desempenha funções idênticas na Sociedade Portuguesa de Menopausa.