Humor, canções e glória

Conhecida pela participação nos vídeos do Porta dos Fundos no YouTube, a atriz Clarice Falcão é também cantora. O álbum Monomania, com melodias que ficam no ouvido e letras cheias de humor, é um sucesso no Brasil.

O que é mais importante para si, fazer música ou representar?
A música envolve mais tudo, envolve representação. A Elis Regina, por exemplo, que eu admiro muito, daria uma grande atriz, tenho a certeza. Era um fenómeno. Chorava enquanto cantava. Mas também tem uma coisa muito legal no Porta dos Fundos, que é a contracena. Trabalhar em grupo é muito divertido, por isso a resposta à sua pergunta é difícil.

E o que aconteceu primeiro?
Quando começaram com o Porta dos Fundos, chamaram-me por causa de uns vídeos que eu tinha posto na internet, a cantar umas músicas minhas.
Como tinham muito humor, eles acharam que podia funcionar. Eu falei: «Mas vocês ainda não me viram atuando.» Eles responderam: «Vem com a gente!…» E eu fui.

O seu marido, Gregório Duvivier, está muito presente nos temas do Monomania. Porquê?
A gente fica imbecil quando está apaixonada. Passei grande parte deste trabalho compondo em estado «imbecil». Por isso, tem muito do Gregório nas minhas músicas.

Teve ajuda dele?
Na verdade, ele se interessa muito, quer sempre ouvir. Ele e os meus pais. Sempre que termino de compor, a primeira coisa que quero é mostrar a alguém, ao Gregório, à minha mãe…

A canção Eu Me Lembro parece contar o vosso primeiro encontro. É assim?
No fundo, conta o primeiro encontro de todos os casais, que cada um lembra de maneira totalmente diferente. Eu e o Gregório fomo-nos conhecendo ao longo do tempo. Ele chegou a trabalhar com o meu pai e a primeira vez que o vi foi numa aula de dança jazz. Eu tinha 12 anos e tinha aula com a irmã dele, que era mais nova.

Como é ser-se famoso num país com 200 milhões de habitantes?
É maravilhoso. Fiz uma tournée e não fui nem a metade dos estados a que gostaria de ir. E não fazia ideia do sucesso que iria ter.

Como foi o princípio?
Começámos no Solar de Botafogo – um espaço no Rio [de Janeiro] só com duzentos lugares –, e de repente estávamos a atuar em Fortaleza para quatro mil pessoas. Dá um nervoso, mas também é lindo ver tanta gente interagindo connosco.

Como foi enfrentar uma grande plateia?
As pessoas são muito simpáticas. Compram o bilhete e já sabem o que as espera. Querem muito cantar. São muito participativas e acabam por te envolver. Tinham muito mais energia do que eu.

Nos espetáculos tem sempre uma atitude cénica em que usa o humor.
Gosto de misturar um pouquinho de teatro. O meu pai dirige e é autor de teatro no Brasil. Para mim, que sou muito «coruja», ele é o maior autor e diretor do Brasil.

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E quando terminar o Porta dos Fundos?
Todas as vezes que me programei ou pensei na carreira, a vida foi para um lugar tão oposto. É uma inutilidade ficar a pensar. Cada vez que eu fazia projetos, minha mãe lembrava-me que há a vida. Então, forcei-me a não planear porque… há a vida, que é sempre mais enlouquecida do que a gente imagina. Mesmo com o álbum, eu pensei «vamos ver no que dá» e nunca «é agora que vai começar a minha carreira de cantora».

E quando é que o elenco do Porta dos Fundos chega ao teatro? Nunca pensaram nisso?
O tempo todo. Até porque a convivência é muito legal. A gente fala sempre sobre fazer uma peça, um filme. Este está mais perto de acontecer, mas toda a gente pensa na peça. Todos viemos do teatro, sabe?

Então, por que não começar de novo por aí?
O elenco é tão grande e cada um já tem tantos afazeres que ensaiar uma peça durante dois meses e ficar em cartaz mais cinco exige uma disponibilidade difícil de encontrar. A gente quer muito, e ainda vai conseguir. Mas reservar um mês e meio para um filme é muito mais simples.

Conhece o humor português?
Conheço. Gosto muito dos Gato Fedorento, claro, como todos nós. Gosto muito do Bruno Aleixo. Há um sketch dos Gato Fedorento que é o meu favorito, que é o do inventor de provérbios. Acho genial, um inventor de provérbios. Na realidade, não ocorre a ninguém pensar sequer em quem inventa os provérbios.

É a primeira vez que vem a Lisboa?
Sim, e é incrível… estou muito, muito feliz de estar aqui. Eu e o Gregório fomos de férias para a Grécia, estivemos lá vinte dias, depois fomos para Londres ver os Monty Python, e quando chegámos a Lisboa eu e o Gregório dissemos: «Ai que bom, de novo calor humano.» O público português foi fantástico. Muito inteligente e pertinente nas perguntas que nos colocavam durante a interação nas salas de teatro. Adorei!

A VERDADEIRA ARTISTA
Filha da arquiteta, escritora e guionista Adriana Falcão e do arquiteto, compositor e encenador João Falcão, Clarice tem a quem sair. Casada com o ator Gregório Duvivier, a atriz/cantora que, com apenas 24 anos, conta já com oito de carreira e uma nomeação para o Grammy Latino de Melhor Artista Revelação.