E o Óscar vai para… Daniel Sousa?

Desde criança que vive nos EUA, mas nunca esqueceu Portugal, mantendo-o vivo nos filmes de animação que realiza. Hoje é um dos nomeados pela Academia de Hollywood ao muito apetecido Óscar.

Esta noite serão muitas as estrelas da sétima arte que estarão em Hollywood, juntas para celebrar o que de melhor se produziu ao longo de 2013, mas também com o objetivo de levar para casa a apetecida estatueta dourada dos Óscares. Entre as dezenas de nomeados está Daniel Sousa, realizador português a viver há 28 anos nos Estados Unidos, que poderá sair do Kodak Theatre com um Óscar na mão, pela sua curta-metragem de animação Feral.

«Sei que em breve tudo voltará à normalidade, mas por agora estou a tentar aproveitar este momento.» Desde que soube que estava entre os cinco nomeados ao Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação que o seu dia-a-dia se alterou substancialmente. Das entrevistas à escolha do fato ideal para exibir na gala e à ultimação dos detalhes que uma cerimónia desta envergadura obriga. «Não tem existido nenhuma tranquilidade», diz à Notícias Magazine, a partir de Rhode Island, onde vive e dá aulas.

Desde logo confessa que o seu vocabulário é «equivalente ao de uma criança de 12 anos» e, à medida que a conversa avança, o português acaba por ser substituído pelo inglês. Desde essa idade que o realizador vive nos Estados Unidos, quando se mudou com os pais, que aí procuravam melhores oportunidades.

Apesar da distância, a relação que mantém com Portugal é ainda muito forte. Os pais, entretanto, voltaram, o que o leva a visitar o país anualmente. Vivas estão ainda as memórias dos anos em que viveu cá, em Linda-a-Velha, marcando muito os seus filmes, inclusivamente Feral, com o qual concorre aos Óscares. «Parte do processo de realização deste filme envolveu chegar às minhas próprias memórias de Portugal», conta.

Recorda-se dos anos que cá viveu de forma muito «afetuosa»: «Foram anos incríveis. Adoro estar aí e ainda sinto saudades. Lembro-me de forma muito viva da escola onde estudei, das ruas, do ambiente, que é completamente diferente dos Estados Unidos. Recordo-me de quão perto era tudo, podia andar a pé para qualquer lado, era tudo mais acessível, enquanto aqui tudo fica longe.»

O realizador, atualmente com 40 anos, tem nacionalidade portuguesa mas nasceu em Cabo Verde, em 1974. Voltou a visitar o país há dez anos, uma experiência que diz ter sido «surreal» já que se habituou sempre a ser o diferente, não só nos Estados Unidos mas também em Portugal. «Até me senti um pouco perdido porque não estava mesmo habituado a estar rodeado de pessoas como eu. Mas foi fantástico.»

De jovem talentoso a realizador
Se agora ao quinto filme vê o seu trabalho reconhecido pela Academia de Hollywood (pelo menos com a nomeação), a verdade é que ter-se tornado realizador de animação foi quase um acaso. O gosto pelo desenho e pela ilustração vem desde criança – «Sempre fui o miúdo talentoso que na escola tinha jeito para fazer retratos dos colegas e depois não era muito bom a desporto, por isso não tinha grande opção» –, mas quando decidiu inscrever-se na Rhode Island School of Design o seu objetivo não era fazer cinema, mas sim tornar-se ilustrador. Acabou, no entanto, por escolher uma disciplina ligada à animação e rapidamente se apaixonou pela possibilidade de dar vida aos seus desenhos. «Sempre fui muito introspetivo e tímido. Não sei se desenvolvi este gosto pela ilustração porque não passava muito tempo a brincar com outras crianças, ou o contrário. Mas desenhar sempre foi para mim uma forma de poder representar o mundo à minha volta mas também de me expressar, de pôr cá para fora algo do meu subconsciente. Sinto que existe algo de espiritual acima de nós e a minha missão na vida é, de certa forma, exteriorizar isso, não sei bem como», diz.

NM1136_danielsousa03

Em Feral, Daniel Sousa quis explorar a forma idealizada como os adultos encaram a infância,  contando  a  história  de  uma criança selvagem que cresce na floresta e
acaba resgatada por um caçador, voltando à  civilização,  enfrentando  então  uma adaptação difícil. «Os adultos ou veem as crianças como figuras angelicais, que ainda não foram corrompidas, ou, no caso das crianças selvagens, como seres quase demoníacos porque elas só se preocupam com os seus instintos. Gostei muito desta
dicotomia de visões, mas, na verdade, uma criança é muito mais complexa do que qualquer uma destas abordagens.»

Foram precisos cinco anos até conseguir concluir a curta-metragem que esta noite levará a Hollywood. Sendo um realizador independente, acaba por enfrentar mais
dificuldades para conseguir concretizar os seus projetos. Daí que também trabalhe como professor (atualmente na Rhode Island School of Design, onde estudou, depois de ter passado pela Universidade de Harvard e pelo Art Institute of Boston) e como animador de anúncios publicitários ou para canais televisivos, como o Cartoon Network. «Nos  Estados  Unidos  não  há quaisquer  apoios  do  governo. A animação americana é muito conhecida no mundo inteiro, mas a que é feita pela Disney Pixar. A produção independente enfrenta dificuldades porque acaba por se tornar uma espécie de hobby… Eu faço vários trabalhos comerciais para conseguir poupar dinheiro e assim tirar algum tempo para fazer os meus projetos», explica.

Além desta nomeação da Academia de Hollywood, Feral também já recebeu muitos outros prémios, tendo sido eleito o Melhor Filme de Animação do Festival Anima Mundi, no Rio de Janeiro. Recebeu ainda três distinções no Festival de Annecy, em França, e o prémio RTP Onda Curta no Cinanima de Espinho. Todavia, concretizar esta curta-metragem foi «incrivelmente frustrante, não só fisicamente como emocionalmente», uma vez que ao longo dos cinco anos teve sempre de interromper o processo para voltar aos trabalhos  que lhe permitem pagar as contas.

Daniel Sousa espera que esta nomeação, e quem sabe o prémio, lhe abra novas portas para que no futuro possa dedicar-se cem por cento aos seus filmes. Não coloca de parte a possibilidade de um dia trabalhar em Portugal, mas para já não há oportunidades à vista e, com a chegada do primeiro filho, ausentar-se dos Estados Unidos torna-se mais dificil. «Mas seria incrível fazer algo em Portugal.» Para já, é esperar que triunfe nos Óscares.