Diário de bordo: México, Guanajuato, Festival Cervantino

Notícias Magazine

A viagem prometia ser longa, com um voo de uma hora até Madrid, escala com cinco horas de espera incluídas e outro voo de 11 horas até à Cidade do México. No entanto, a curiosidade e vonta­de de tocarmos num país onde nunca tínhamos mostrado a nossa música venceram o cansaço, que se instalou depois da viagem.

Ficámos um dia na Cidade do México, a descansar. Chegámos ao hotel cerca das 5h00 da manhã locais, o que, com a diferença ho­rária, significava 11h00 da manhã em Portugal. No entanto, o jet lag não teve qualquer hipótese de se instalar perante o cansaço que nos pedia que subíssemos para os quartos e nos refastelássemos nas ca­mas o mais rapidamente possível. Assim fizemos e só voltámos a en­contrar-nos à hora de almoço, para passear um pouco pelo centro da cidade. Visitámos a catedral da Cidade do México e passeámos pe­las ruas agitadas, cheias de gente. Não era aí que íamos tocar, mas sim na cidade de Guanajuato, onde ocorre o Festival Cervantino, um dos festivais mais importantes da América do Sul. A sua programa­ção estende-se por quase todo o mês de Outubro e por inúmeros pal­cos. A música portuguesa é muito querida em terras mexicanas, fru­to da relação intensa que o público mantém com a música tanto de Amália Rodrigues como com a música dos Madredeus. Hoje, o fado ainda é o cartão-de-visita mais conhecido e apetecido, mas outras músicas dentro da música portuguesa vão conseguindo entrar e mostrar-se. Este ano, além de nós, o cartaz incluía Katia Guerreiro, Júlio Resende e The Legendary Tiger Man.

A viagem para Guanajuato começou às 9h00 da manhã. Num autocarro enorme, partilhámos a ida com mais músicos que tam­bém iam tocar no festival. Chegámos ao destino ao início da tarde. O hotel era um pouco afastado do centro, mas resolvemos pousar as malas nos quartos e sair para o centro para procurar almoço. Em boa hora o fizemos, porque pudemos conhecer uma cidade peculiar e mimosa, estendida entre montanhas, com casas de todas as cores e, principalmente, os seus túneis escavados por baixo da montanha.

O que nos pareceu ser um túnel normal de entrada na ci­dade, quando o começámos a atravessar de carrinha, revelou-se uma rede imensa de túneis-ruas, por onde circulam carros e pes­soas, com cruzamentos, parques de estacionamento e passeios que se estendem por baixo das montanhas e que ajudam a cru­zar a cidade. Subimos de funicular até ao ponto mais alto, de on­de observámos toda a cidade e descemos a pé pelas encostas até voltarmos ao sopé.

O concerto seria ao ar livre, num anfiteatro de pedra com ca­pacidade para cerca de sete mil pessoas. Estávamos um pouco nervosos, uma vez que seria a nossa estreia no México e, para mais, num local com uma lotação tão generosa. Todos os receios desapareceram assim que pisámos o palco naquela noite fria e ventosa. O calor dos milhares de pessoas que nos receberam afas­tou qualquer medo que ainda tivéssemos. Uma parte do público conhecia ou parecia conhecer algum do repertório. Ouvimos al­gumas vozes a pedir canções num português imaculado e logo perguntámos para tirar as dúvidas: «Há aqui algum português?», ao que se ouviu prontamente alguns «sins» bem sonoros. Mas a grande maioria do público não sabia bem ao que ia. E uma das coi­sas mais preciosas nisto de mostrarmos a nossa música a públicos que ainda não a conhecem é sentir que os vamos conquistando aos poucos, até que, no final do concerto, temos a prova através das generosas palmas que dirigem ao nosso trabalho.

Depois do concerto, enquanto jantávamos, fomos aborda­dos por várias pessoas a dar-nos os parabéns. E, assim, de repente, as quase 24 horas de viagem de regresso a casa tornaram-se mais suportáveis.

Ana Bacalhau escreve de acordo com a antiga ortografia.

Publicado originalmente na edição de 26 de outubro de 2014 .