Bâton e saltos agulha contra o preconceito no futebol

Notícias Magazine

Não querendo ceder a estereótipos, posso dizer que estes são os tempos em que o futebol deixa de ser um assunto iminentemente de homens, para se democratizar junto das fãs femininas que se tornam fanáticas das suas seleções nacionais. Elas que muitas vezes nem um jogo viram do campeonato nacional, que nem conseguem dizer de cor mais de quatro nomes que alinham pelo Benfica ou pelo Sporting, já para não falar dos treinadores, ei-las, chegado um campeonato como o Mundial, a discu-tir os efeitos da humidade nas pernas dos jogadores.

E não me interpretem mal quando falo das pernas dos jogadores. Não estou a referir-me a nenhum lenitivo adicional que leve o interesse feminino a virar-se para as quatro linhas. É ver-dade que não faz mal a ninguém – sobretudo a uma dama – olhar durante 90 minutos – ou mais, consoante o prolongamento – para uns abdominais como os do francês Olivier Giroud, ou uns olhos azuis como os do italiano Marchisio – talvez só com pena que o jogo não seja todo filmado em plano aproximado –, ou uns bíceps ao estilo dos de Cristiano Ronaldo, ou um olhar maduro e calmo como o de Pirlo – oh, saudades –, ou um tom de rebeldia mestiça como o do belga Axel Witsel.

Mas a verdade é, e desenganem-se senhores que, sei-o, já se estão a morder todos com esta pequena descrição e amostra: não são os atributos físicos dos jogadores que levam as mulheres a interessar-se por futebol nestes momentos. Elas gostam mesmo do jogo, seguem de facto o jogo, estão preocupadas com o que se passa no jogo e levam a sério – mesmo muito a sério – o jogo. Es-tes atributos funcionam, isso sim, como lenitivo, um adereço, uma cereja no topo do bolo. Então o que as leva a desprezar as compe-tições nacionais – ou mesmo mais regionais – e a ficar malucas com eventos como o Mundial de Futebol, mesmo que seja apenas de quatro em quatro anos?

É que estes são os momentos em que o futebol é maior. Em que as equipas em campo são a epítome das pátrias que representam. Em que as jogadas de bastidores – se as há – são amenizadas em função de uma luta que parece mais digna. Em que o futebol se desembaraça das clubites, ridículas aos olhos de qualquer mulher, pragmática ou no seu perfeito juizo, que lhes dedica apenas um encolher de ombros de vez em quando.

Viradas que estão as atenções femininas para o futebol, talvez não haja melhor altura que esta para falar de Mónica Jorge. A diretora da Federação Portuguesa de Futebol tem um pelouro difícil – o futebol feminino. É que, explica ela, por muito que as mulheres já vejam o futebol como um assunto igualitário, a verdade é que ainda há uma zona de sombra em que a igualdade não vence: o futebol feminino que continua a ser associado a mulheres masculinizadas – para dizer a coisa de forma suave.

Ver futebol pode ser assunto de mulheres. Jogar futebol continua a ser um assunto de homens. Mónica sabe do que fala: foi selecionadora e treinadora de raparigas que jogam futebol durante quase uma década – ela própria jogou futsal. É muito tempo a lutar contra o preconceito – na sua própria pele e na de quem lhe era muito caro, as meninas que ela formou e forma.

A novidade está na arma que Mónica considera ser essencial para lutar contra esse preconceito: bâton, madeixa no cabelo, um salto agulha de vez em quando e, até, uma minissaia bem apertada. Tudo o que são sinais femininos tornam-se feministas num campo de futebol. Mónica não se cansa de repeti-lo às suas jogadoras, exigindo-lhes que não usem um visual masculino para pedir desculpa por serem mulheres e jogarem futebol.

Publicado originalmente na edição de 6 de julho de 2014