ABC do coração e do cérebro

O AVC e a doença coronária, incluindo o ataque cardíaco, são a primeira causa de mortalidade entre os portugueses. Mas não tem de ser assim. Pedimos aos médicos Miguel Mendes, cardiologista, e Miguel Viana-Baptista, neurologista,  que explicassem o que está na origem das doenças cardiovasculares e perguntamos o que podemos fazer para as evitar. Ficamos a saber que quem cuida do coração, cuida do cérebro também.

– CORAÇÃO –

ENFARTE
O enfarte agudo do miocárdio (EAM) resulta da obstrução de uma artéria coronária por um coágulo que se forma pela rotura de uma placa de aterosclerose (depósitos de gordura) na parede da artéria. O coágulo obstrói a circulação sanguínea e impede o fornecimento de oxigénio e outros nutrientes ao músculo do coração, que será lesado pela morte de células numa extensão que depende da artéria envolvida e da rapidez com que se consegue restabelecer o fluxo de sangue.

ANGINA DE PEITO
Quando uma ou várias artérias coronárias estão parcialmente obstruídas por placas de aterosclerose, a circulação sanguínea torna-se insuficiente para satisfazer as necessidades de oxigénio do músculo cardíaco em situações de esforço físico, stress psíquico ou frio, o que se manifesta por uma dor ou mal-estar torácico que se designa por angina de peito. Geralmente, tanto a dor como o mal-estar desaparecem poucos minutos depois de se reverter a causa que a iniciou. Perante uma crise, recomenda-se que os doentes repousem. Quem já conhecer a situação, deve utilizar um ou mais comprimidos sublinguais de nitroglicerina, que aliviarão o episódio de angina em poucos minutos. Caso ainda não esteja diagnosticado, deverá recorrer ao seu médico ou aos serviços de urgência para estudo e orientação terapêutica.

ATEROSCLEROSE
É a doença das artérias coronárias. Caracteriza-se pela acumulação de placas de colesterol na parede interna dos vasos, que ficam mais espessos e com o calibre interno diminuído, o que dificulta o fluxo do sangue. A aterosclerose evolui de forma silenciosa, sem sintomas, durante muitos anos até atingir um determinado nível de obstrução; depois passa a manifestar-se com sinais e sintomas devidos a circulação insuficiente.

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NA ORIGEM DO ENFARTE
O INTERHEART, um estudo de expressão mundial que avaliou 25 mil doentes dos cinco continentes, comprovou que os fatores de risco clássicos da doença aterosclerótica explicam noventa por cento dos enfartes e são os mesmos em todos os lugares do mundo: colesterol elevado, tabagismo, hipertensão, diabetes, obesidade abdominal, sedentarismo e stress. O mesmo estudo demonstrou que há fatores protetores como a atividade física, a ingestão de vegetais e o consumo moderado de álcool. Pode referir-se uma longa lista de outros fatores de risco muito interessantes do ponto de vista científico, mas têm uma importância residual e habitualmente só servem para nos distrair dos fundamentais.

RISCO FAMILIAR
Quem tiver familiares em primeiro grau com doença coronária antes dos 55 anos, no caso das mulheres, ou dos 65 anos, no caso dos homens, tem um risco aumentado. Os membros destas famílias devem ser estudados em idade pediátrica para serem alvo das medidas preventivas adequadas. Normalmente há causas genéticas ou hereditárias mas, por vezes, são comportamentos nefastos comuns a toda uma família que explicam o risco elevado.

SINAIS DE ENFARTE
Desconforto torácico, com ou sem dor no peito, associado a sintomas de má disposição geral, falta de ar, angústia ou suores frios, habitualmente instalados em repouso. Perante estes sintomas, deve ligar-se o número de emergência nacional, o 112, e não tentar chegar ao hospital pelos seus meios.

VIA VERDE CORONÁRIA
O Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) coordena a Via Verde Coronária – um programa que existe em todo o país e que visa garantir e agilizar a acessibilidade dos doentes com EAM aos cuidados de saúde mais adequados, primeiro estabilizando os doentes e, depois, encaminhando-os diretamente para os hospitais com capacidade de angioplastia, sem necessidade de passar pelas urgências gerais. Além disso, no decorrer do transporte os doentes são vigiados e monitorizados. Esta vigilância é muito importante porque no contexto de enfarte em evolução a morte súbita pode ocorrer em cerca de vinte por cento dos casos, devido a uma arritmia fatal facilmente tratável. Em caso de enfarte cada segundo conta, e, se necessário, os médicos do INEM iniciam o tratamento mais adequado ainda no local, permitindo que o transporte seja efetuado com maior segurança.

COMO SE TRATA
Atualmente, o tratamento standard do enfarte é a angioplastia, que se deve fazer o mais rapidamente possível para evitar a morte progressiva do músculo cardíaco, que começa a ocorrer vinte a trinta minutos depois do entupimento da artéria (três a quatro horas após o enfarte, é muito reduzida a quantidade de músculo que ainda se pode salvar). Nos casos em que se percebe que o doente não tem capacidade para chegar a um hospital com sala de hemodinâmica menos de noventa minutos após o início dos sintomas, deve fazer a administração intravenosa de um medicamento – designado por trombolítico – que tem como função dissolver o coágulo, permitindo que o sangue volte a circular (os médicos do INEM podem iniciar este tratamento). É uma terapêutica menos eficaz que a angioplastia.

ANGIOPLASTIA
É uma técnica da cardiologia que permite desobstruir as artérias coronárias através da introdução de um cateter, que tem um balão na extremidade e que é conduzido até ao vaso obstruído. Aí, o balão é insuflado para comprimir a placa, aumentando o diâmetro da artéria e restabelecendo o fluxo sanguíneo. Depois de normalizada a circulação é aplicada localmente uma rede metálica, o stent, que é expandido pela insuflação do balão e adere à parede da artéria, onde permanecerá para garantir que a placa não volta a obstruir a artéria.
Os doentes que iniciaram tratamento trombolítico devem efetuar o estudo hemodinâmico nas 24 horas seguintes, mas se não melhorarem (isto é, se persistirem as queixas ou as alterações no eletrocardiograma) devem ser encaminhados para um centro hospitalar com capacidade para fazer angioplastia. Alguns doentes acabam por fazer uma cirurgia para revascularização do miocárdio – a chamada cirurgia de bypass das artérias coronárias.

CONSEQUÊNCIAS
Sem tratamento precoce, adequado e eficaz, o EAM provoca a morte do músculo cardíaco e afeta o funcionamento do coração. Se a zona afetada for extensa, o coração perde capacidade de contração e lança menos sangue na circulação a cada batimento. O doente sente cansaço, falta de ar (devido à acumulação de líquidos nos pulmões) e tem um risco aumentado para sofrer arritmias graves, que podem ser fatais e justificar a implantação de um desfibrilhador para prevenir a morte súbita tardia. Se a lesão for pequena, o funcionamento do coração e a qualidade de vida do doente não serão significativamente afetados, o que justifica todo o esforço para abrir a artéria responsável precocemente.

REABILITAÇÃO
A principal carência da cardiologia portuguesa no tratamento do enfarte do miocárdio é a falta de programas de reabilitação cardíaca, que também se destinam a doentes após cirurgia cardíaca. Em Portugal, só três a quatro por cento dos doentes são abrangidos, contrariamente aos trinta a cinquenta por cento que se verifica na Europa. Aqueles programas permitem um acompanhamento global do doente e da família, incluindo educação para a doença (adesão à terapêutica e mudança de comportamentos) e exercício físico durante um período de dois a três meses. São a base para uma vida futura mais longa e saudável.
Em Portugal, depois da alta hospitalar de um EAM, o doente continua a ser acompanhado por médico especialista pelo menos durante um ano. É o cardiologista que avalia as lesões do músculo, a presença de eventuais arritmias, a existência de outras artérias com lesões e ajusta a medicação que deverá ser mantida durante toda a vida.

MEDICAÇÃO
Os medicamentos que os doentes tomam visam impedir a formação de trombos dentro das artérias (aspirina e clopidogrel ou similares), reduzir os níveis de colesterol (estatinas); controlar arritmias ou prevenir a dilatação do coração (betabloqeantes e inibidores da enzima de conversão da angiotensina). Alguns doentes necessitam de terapêutica para controlar a eventual isquemia residual, a diabetes e a hipertensão arterial.

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CRIANÇAS, JOVENS E MULHERES
É costume ouvir dizer que o EAM atinge pessoas cada vez mais jovens e é verdade. Mas também precisamos de esclarecer que quando ocorre antes dos 40 anos está habitualmente relacionado com um perfil de risco muito elevado, como sucede nas pessoas que fumam dois ou mais maços de cigarros por dia. As mulheres estão relativamente protegidas da doença das coronárias durante o período fértil, até à menopausa, passando depois a ter um risco idêntico ao dos homens. As crianças só muito raramente sofrerão um enfarte do miocárdio, que poderá ser justificado por anomalias congénitas das artérias do coração, doenças inflamatórias ou alterações gravíssimas do metabolismo dos lípidos.

PREVENÇÃO
É impossível garantir que não vamos ter um enfarte ao longo da vida. O que está mais ao nosso alcance é tentar impedir que aconteça cedo, antes dos 65 anos. Para isso, é necessário adotar desde a infância um estilo de vida adequado: alimentação saudável, atividade física regular, controlo do peso e gestão do stress. Além disso, é necessário realizar, mesmo em indivíduos sem risco aparente, avaliações periódicas dos fatores de risco cardiovascular e assumir as consequências das conclusões das mesmas.

O MÉDICO DE FAMÍLIA
Conhece o indivíduo, a família, o meio socioeconómico em que o doente vive e os respetivos hábitos e comportamentos. Está numa posição privilegiada para intervir precocemente ajudando a promover estilos de vida saudáveis (atividade física, alimentação, redução do stress familiar, recusa do tabagismo, etc.) e fazendo rastreios periódicos (pressão arterial, colesterol, glicemia, peso) nos chamados momentos-chave da vida. Da idade pediátrica à adulta, a prevenção primária compete aos médicos e enfermeiros de família. Além da educação dos doentes e familiares, são responsáveis no controlo farmacológico dos fatores de risco cardiovascular, desempenham um papel fundamental no diagnóstico e terapêutica da fase inicial da doença cardiovascular e na identificação dos doentes que carecem de investigação ou de cuidados a nível hospitalar.

 

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O cardiologista Miguel Mendes é diretor do serviço de cardiologia de Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide.

«FALHAMOS NA EDUCAÇÃO»

Todos conhecemos os factores de risco das doenças cardiovasculares. Porque continuam a aumentar?

Há algumas mudanças. Verifica-se uma ligeira diminuição do tabagismo (exceto em mulheres jovens), um aumento da prevalência de obesidade (particularmente em jovens) e de diabetes. A hipertensão arterial e os níveis elevados de colesterol estão mais controlados. Estes dados sugerem que se está a efetuar um bom trabalho no controlo farmacológico da hipertensão arterial e do colesterol, para os quais dispomos de medicamentos eficazes, mas estamos a falhar na educação, que é uma responsabilidade da saúde, mas também da escola e da família. Apesar de tudo, considero que hoje existe uma maior consciência da necessidade de modificar comportamentos, o que é claramente visível pela redução do consumo de tabaco e aumento do número de jovens e de indivíduos de meia-idade que praticam exercício regular.

Compreende que muitos portugueses desconheçam os seus valores de colesterol, glicemia e pressão arterial?
Não tenho dados para quantificar essa afirmação. Verifico que há muitos rastreios em efemérides como o Dia Mundial do Coração, mas nem sempre são seguidos pela recomendada mudança de comportamentos após diagnóstico de um problema de saúde. Muitos indivíduos, particularmente os jovens, consideram-se invulneráveis e pensam erradamente que a prevenção só precisa de ser iniciada em idade mais avançada. Trata-se de uma preocupação que até deve ser iniciada ainda no ventre da mãe!

Acha que o SNS está preparado para receber as pessoas que ainda não estão doentes?
Por definição, o SNS abrange todas as pessoas, mesmo as não doentes. Sabemos que um milhão de portugueses não tem médico de família e que o empenho na prevenção das doenças cardiovasculares deve ser permanente, dirigido a toda a população e particularmente aos grupos de maior risco. Sabemos que a aterosclerose é uma doença dos ricos nos países pobres e dos pobres nos países ricos. Embora não tenhamos essa perceção, Portugal integra o grupo dos países ricos, pelo que o principal alvo da nossa atenção devem ser as pessoas menos escolarizadas e com mais dificuldades económicas, porque têm risco mais elevado e estão menos disponíveis para modificar comportamentos.

Que avaliação faz do diagnóstico e tratamento dos doentes coronários em Portugal?
Na generalidade, tratamo-los muito bem. A cardiologia portuguesa tem meios e resultados que não nos envergonham a nível europeu. No serviço do CHLO-Hospital de Santa Cruz temos consciência de que há aspetos a melhorar – o atendimento a doentes com determinadas patologias, o ensino pré e pós-graduado, a investigação, o treino dos profissionais, a comunicação com os doentes e familiares e até a gestão financeira – e sabemos que seremos melhores quando conseguirmos renovar algum equipamento que está a ficar obsoleto e adquirir ou aumentar o acesso a angio-TC e ressonância magnética. A montagem de um programa de reabilitação cardíaca para doentes após enfarte e após cirurgia cardíaca é um projeto que tem sido sucessivamente adiado por falta de meios físicos e financeiros.
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– CÉREBRO –

AVC (ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL)
É uma lesão cerebral provocada pelo entupimento ou rotura de um vaso sanguíneo cerebral. Em ambas as circunstâncias o que vai suceder é a morte das células cerebrais (que não são capazes de se reproduzir) e a perda de funções correspondentes a essas mesmas células. Manifesta-se de forma súbita e inesperada, sendo por isso mesmo designado de acidente.

OS AVC NÃO SÃO TODOS IGUAIS
Diz-se que os AVC são isquémicos quando o sangue não chega às células cerebrais porque o vaso entupiu. Essa obstrução pode ser provocada por doença local (formação de placas) ou por um coágulo que entra em circulação. Os acidentes vasculares hemorrágicos resultam da rotura de um vaso, o que parece estar relacionado com a hipertensão arterial que enfraquece as paredes dos vasos e contribui para a sua rotura.

NA ORIGEM DO AVC
Existem múltiplos fatores de risco que aumentam a probabilidade de uma pessoa vir a sofrer um AVC, nomeadamente hipertensão, diabetes, aumento do colesterol e tabagismo. Algumas doenças cardíacas, sobretudo uma arritmia denominada fibrilhação auricular, comportam igualmente um risco elevado de AVC.

SINAIS DE ALERTA
Falta de força num braço, assimetria da face e dificuldade na fala são os sinais que, surgindo de forma súbita, devem levar qualquer pessoa a equacionar a possibilidade de estar a fazer um AVC.

QUE FAZER
Ligar imediatamente para o 112 pois só assim será possível ativar a Via Verde para o AVC e encaminhar o doente para um centro hospitalar com capacidade para efetuar um tratamento de fase aguda e em tempo útil, isto é, até quatro horas e meia após o início dos sintomas. E importante lembrar que quanto mais depressa o doente chegar ao hospital, maior a probabilidade de o tratamento ser bem sucedido.

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico do AVC é fundamentalmente clínico, ou seja, é feito pelo médico após avaliação do conjunto de sintomas e sinais que o doente apresenta. Neste contexto, a realização de um exame de imagem, uma TAC, permite ao médico compreender se se trata de um AVC isquémico ou hemorrágico e tomar as decisões sobre o tratamento mais adequado.

COMO SE TRATA
Existe um único tratamento reconhecido e aprovado para a fase aguda, caso o AVC seja de origem isquémica. É um medicamento que vai dissolver o trombo e desobstruir o vaso entupido. O tratamento só é eficaz se for efetuado nas primeiras horas (caso contrário, as células cerebrais já terão sofrido irreversivelmente) e comporta riscos importantes, pelo que deverá sempre ser efetuado por equipas experientes.

CONSEQUÊNCIAS
As consequências de um AVC dependem da zona cerebral afetada. Nalguns casos, pela extensão ou envolvimento do tronco cerebral, o AVC pode levar à morte. Nos restantes, pode comprometer determinadas funções, sobretudo motoras (paralisia dos membros, da face, etc.) e da linguagem (o doente perde a capacidade de falar ou compreender, é a chamada afasia). Pode ainda ocorrer perda ou afeção da visão, da organização espacial e das faculdades mentais – a chamada demência pós-AVC.

RECUPERAÇÃO
Embora as células cerebrais não se reproduzam, por vezes os doentes recuperam funções perdidas mediante mecanismos que não são completamente compreendidos. A reabilitação tem um papel fundamental, mas mesmo dispondo de todos os meios, por vezes as funções afetadas ficam irremediavelmente perdidas.

REABILITAÇÃO
Alguns doentes podem não ter necessidade de entrar num programa de reabilitação, enquanto outros são incluídos em programas que podem durar meses ou anos. É importante lembrar que a reabilitação visa, alem do treino das funções motoras perdidas através de exercícios e técnicas de estimulação muscular, o completo restabelecimento do doente, com terapia da fala e ocupacional, entre outras terapêuticas.

MAIS CEDO
Em Portugal estima-se que existam três mil novos casos de AVC por ano em pessoas com menos de 55 anos (a idade de referência para dizer que um indivíduo é jovem numa doença que atinge sobretudo idosos). Daqueles, sessenta por cento são homens, quarenta por cento mulheres.
Admite-se que a ocorrência de AVC em indivíduos mais jovens poderá estar relacionada com o aumento da hipertensão, diabetes e obesidade nesses grupos etários. Em casos mais raros, o AVC no jovem estará relacionado com doenças genéticas (quais?).

PREVENÇÃO
Conhecer e controlar os fatores de risco vascular é fundamental para reduzir o número de novos casos. Identificar os sinais de AVC e saber como atuar é determinante para garantir o acesso aos cuidados médicos adequados em tempo útil. Os médicos de família têm um papel muito importante no acompanhamento dos seus doentes e sempre que necessário deve-se consultar um especialista.

 

Miguel Viana-Baptista é neurologista no Hospital Egas Moniz, em Lisboa, e professor na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
Miguel Viana-Baptista é neurologista no Hospital Egas Moniz, em Lisboa, e professor na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.

«É PRECISO APOSTAR NA REABILITAÇÃO»

Os AVC são a primeira causa de morte em Portugal e a principal causa de incapacidade nos idosos. É uma inevitabilidade?
Nos países desenvolvidos, as doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e o cancro ocupam em geral, e por esta ordem, as três primeiras posições entre as causas de morte por doença. Em Portugal, a doença cerebrovascular ocupa efetivamente o primeiro lugar e creio que os números podiam ser diferentes, pois alguns dos fatores que estão na sua origem são modificáveis. É o caso da hipertensão.

Os doentes vítimas de AVC são diagnosticados no tempo recomendado?
Penso que será assim na maioria dos centros hospitalares do país. Na última década fez-se um esforço notável para criar as chamadas unidades de AVC e implementar as vias verdes para o AVC (circuitos prioritários extra e intra-hospitalares) e, atualmente, na maioria dos hospitais, os doentes podem ser diagnosticados e tratados num curto espaço de tempo. Essa deve ser a prioridade absoluta.

Porque é que depois da alta do hospital os doentes não entram em programas de reabilitação?
Os doentes são encaminhados para programas de reabilitação, se os cumprem ou não isso é outra questão. E se é preciso sublinhar que muitas vezes os programas não são suficientes para restituir a autonomia ao doente porque a lesão cerebral foi demasiado extensa, também é verdade que muitos doentes não têm acesso a um programa adequado porque a articulação entre os serviços de internamento e o ambulatório não é a melhor e porque os poucos hospitais de reabilitação que existem nem sempre proporcionam a resposta adequada em tempo útil. A situação é idêntica ao nível dos cuidados continuados que são particularmente importantes nesta doença.

Compreende que grande parte da população adulta desconheça os seus valores de pressão arterial, colesterol e glicemia?
A prevenção primária deve ser feita sobretudo ao nível dos cuidados de saúde primários, no registo médico de família/centro de saúde e existem orientações relativamente a esses parâmetros que devem ser seguidas. O contexto de difícil acesso aos cuidados de saúde primários e falta de educação para a saúde da população em geral também devem ser considerados.

Acha que o SNS está preparado para receber as pessoas que ainda não estão doentes?
_Essa não é uma questão fácil, pois, ao contrário do que sucede com a obstrução das artérias do coração, a obstrução de um vaso cerebral nem sempre tem indicação terapêutica. A prevenção primária do AVC passa sobretudo por uma correta educação para a saúde e não é particularmente dispendiosa – além dos medicamentos, consome poucos recursos técnicos e humanos. Na prevenção, importa atentar no acidente isquémico transitório (AIT), que tem sinais e sintomas idênticos ao AVC mas de curta duração – isto é, a falta de força no braço ou a dificuldade na fala desaparecem quase sempre passados alguns minutos. O AIT representa um cartão amarelo ao doente e dá uma janela de oportunidade ao médico, que deve avaliar e investigar com urgência os doentes que refiram este tipo de sintomas e que têm um elevado risco de virem a fazer um AVC. O SNS deve ser capaz de receber e investigar estes doentes em tempo útil.

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A RETER

. Ingerir pelo menos cinco porções de fruta e legumes por dia e limitar o consumo de sal a uma colher de café diária pode ajudar a evitar um AVC e doenças coronárias;

. Tabagismo, excesso de peso, sedentarismo, hipertensão arterial e taxas de glicose e de lípidos elevadas aumentam o risco de AVC e de ataque cardíaco;

. Se tem diabetes, mantenha a pressão arterial e a glicose sob controlo apertado para diminuir o risco de AVC e de ataque cardíaco;

. Pode evitar-se uma recidiva de AVC ou de enfarte fazendo uma vida saudável e tomando os medicamentos corretamente;

. Para manter baixo peso, faça algum exercício e uma alimentação sã (poucas matérias gordas, sal e açúcar, muitos frutos e legumes).