A infância dos legumes

Microvegetais: eis o negócio de Nuno Alves e Patrícia Justiniano. As ervas aromáticas e os produtos hortícolas em estado embrionário são cada vez mais procurados pela alta gastronomia. São mais saudáveis, concentram mais sabor, têm mais nutrientes. História de um nicho de mercado saudável, nascido num terraço em Lisboa.

Ainda há um mês, a Notícias Magazine publicou uma re­portagem sobre a organiza­ção de um festival gastro­nómico que trouxe a Lisboa chefs dos três melhores res­taurantes do mundo. Chamava-se Sangue na Guelra e os promotores do evento eram Paulo Barata e Ana Músico, um fotógrafo e uma antiga jornalista convertida em rela­ções públicas, ambos especialistas na área da alta cozinha. Na altura em que conta­vam as maiores dificuldades do trabalho de montar o festival, confessaram que encon­trar alguns dos ingredientes pedidos pelos chefs eram uma dor de cabeça. «Não tanto os produtos em si, mas o estado de desen­volvimento que os cozinheiros queriam.»

Nuno Alves e Patrícia Justiniano per­ceberam que havia aqui um mercado por explorar. «Cresci na região oeste, a agri­cultura sempre esteve muito presente na minha vida», diz Patrícia, 32 anos. «Quan­do vim morar para Lisboa tentei sempre ter uma horta no quintal.» Há um par de anos, mudaram para uma casa com terra­ço no bairro de Alcântara e decidiram ins­talar uma estufa. Começaram a fazer tes­tes, germinações em água e terra biológi­ca. Em outubro do ano passado, criaram a Quintal Urbano.

Têm cinco ou seis clientes fixos, como a 1300 Taberna, gerida pelo cozinheiro Nu­no Barros, um entusiasta dos microvege­tais. E o objetivo, claro, passa pelo cresci­mento. «Passei a ocupar uma boa parte dos meus dias com isto», diz Nuno, 33 anos. A sua profissão – técnico de multimédia – tem sofrido com os últimos anos de cri­se. Por isso tem-se dedicado a cuidar das plantas, mudar a terra e verificar a água, fazer a distribuição e os contactos com os clientes. Em pouco mais de seis meses, já decidiram ter uma nova estufa, nos arre­dores de Lisboa. A do terraço será sobre­tudo para fazer experiências. «Não faz sentido estarmos longe das cozinhas on­de colocamos os vegetais. O nosso produ­to é melhor e mais saudável. Grandes custos em trans­portes vão torná–lo mais caro e mais inacessível», expli­ca Patrícia.

A terra é bioló­gica, as sementes também – o Quin­tal Urbano apos­ta sobretudo na al­ta qualidade. E o que produzem vai desde o agrião aos brócolos, do alho francês à ce­noura, passando pelo rabanete, pelos coen­tros ou pelo manjericão. Tudo tratado em tabuleiros de pequena dimensão («temos de os mandar vir do estrangeiro»), com um con­trolo de qualidade apertado. O facto de Pa­trícia ser técnica de laboratório ajuda a man­ter os padrões. Ela explica: «Estes produtos são mais intensos em termos de aroma, sabor e também nos nutrientes.» É, afi­nal, na fase de desenvolvimento que os vegetais concentram as melhores ca­racterísticas. «A produção não é barata, tem alguns custos. E trinta gramas do nosso produto claro que saem mais ca­ros do que do mesmo produto em pleno desenvolvimento.»

No prédio onde vivem, Patrícia e Nu­no são os «senho­res agricultores». Ao início os vizi­nhos estranharam a estufa, mas ago­ra vêm pedir-lhes produtos e conse­lhos, e eles estimu­lam toda a gente a produzir o máxi­mo de alimentação que conseguir. Até porque, há oito meses, nasceu Alice, a fi­lha do casal. «Não queremos mudar-nos para o campo. Privilegiamos um estilo de vida urbano, mas insistimos em que a nossa filha perceba de onde chegam os produtos que come. É preciso incutir uma ligação à terra.»

São idealistas, gostavam que toda a gen­te pudesse consumir o que eles produzem. E insistem na ideia de que cada família ter uma pequena produção de vegetais não é uma coisa difícil. «Fazemo-lo há seis anos, muito antes de a moda das hortas urbanas, ou nos telhados, ter chegado em força.» A melhor forma de começar, di­zem, é fazer um canteiro de plantas aro­máticas. E dão algumas instruções: sepa­rar cada planta num vaso e ser rigoroso na administração de água a cada espécie. Preferir sempre a terra biológica e as se­mentes biológicas. «Quanto menor for a distância entre o local onde se produz os alimentos e o local onde são consumidos, mais saudável é a comida.»

Se pudessem, largavam definitiva­mente os seus trabalhos para se dedica­rem exclusivamente ao quintal. Mas sa­bem que a terra tem as suas manhas, ca­da mudança de estação é uma carga de trabalhos e mesmo que tentem contro­lar os ambientes numa estufa há variá­veis que não dependem deles. E, no en­tanto, dizem que o esforço vale a pena. Pelo negócio, que parece ter espaço para crescer, mas também pelo estilo de vida. «Comemos melhor, temos acesso a pro­dutos com uma carga nutritiva mais rica e há qualquer coisa de serenidade em tra­balhar com a terra e cuidar das plantas.» Tudo isso é saúde.