Uma simpatia de legume

Há de todos os tamanhos e feitios e dela tanto se faz sopa de bebé como pratos sofisticados. Senhoras e senhores, a abóbora.

Mais uma epopeia alimentar, a da abóbora. Toda a que existe no mundo veio das Américas do Norte e Central, onde construiu vasto currículo medicinal. Ricas em vitamina A, ácido fólico, potássio e carotenos, têm elevado teor de água, pelo que sem a casca são fáceis de dissolver, para produzir sopas, doces e purés bem ligados e firmes. As suas sementes produzem um óleo saboroso e flexível, benéfico também ele para a saúde. Por cá, assamo-las e salgamo-las para comer como aperitivo e são elas que têm direito à designação de pevide, que tanto nos regala num qualquer fim de tarde, ou a acompanhar um copo de vinho branco.

Uma abóbora pode ultrapassar os cem quilos de peso e no mercado vende-se à fatia ou ao pedaço. Ao contrário de outros produtos da sua família – caso dos melões e melancias, por exemplo – ninguém se importa de levar uma parte apenas, o que só por si diz bem da capacidade de conservação e preservação que proporciona. Preferimos contudo as variedades mais pequenas para cozinhar; têm mais sabor e menos água. É por estes dias que a abóbora atinge o maior tamanho, pelo que não é de espantar que das cascas inteiras se fizesse as «cabeças» medonhas, com olhos, nariz e boca abertos à navalha, para espantar as bruxas que na noite de Halloween supostamente vagueiam pelas ruas. Assim como não é de espantar que haja muitos pratos no receituário clássico que utilizam abóbora e caça em simultâneo; é altura de ambas. Além de que faz todo o sentido que tivesse sido a abóbora a escolhida para por efeito de uma varinha de condão se transformar em luxuosa carruagem, que haveria de transportar Cinderela para o baile. A copiosa peça que grassa nas hortas inspirou também aproveitamentos diversos.

Os bolinhos de jerimu, ou abóbora-menina, são importantes na quadra natalícia nortenha, espécie de sonhos, de interior alaranjado que fazem as delícias de grandes e pequenos. A sopa que dizemos que é de cenoura é invariavelmente baseada em abóbora, servindo de suporte não só à cenoura, mas também a gengibre, laranja, feijão verde e diversos outros ingredientes. Do Brasil chegaram-nos algumas declinações interessantes da abóbora, servindo-se dentro pratos de cozedura lenta como os bobós e as moquecas, bem como saladas de fruta. Não nos falta a nós, contudo, inspiração, a julgar pelo que os nossos chefs têm por cá vindo a propor. Vítor Sobral desenvolveu uma sopa que se destina a ser servida gelada, à semelhança da vichyssoise. Produz um caldo muito cremoso e ligado que deixa depois arrefecer e ficar bem frio, juntando-lhe laranja ou, preferencialmente, tangerina. O resultado final é de uma enorme frescura, além de particularmente saboroso. O chef Luís Américo criou uma sobremesa que está neste momento porventura entre as mais copiadas, nada mais nada menos que um petit gâteau de abóbora. Todos conhecíamos a sobremesa com o mesmo nome baseada em chocolate, contendo um creme espesso mas fluido que sai de dentro do pequeno bolo, como se estivesse a derreter-se. O trabalho de açúcares e texturas é mais complexo do que no caso do chocolate, até por ser território relativamente inexplorado. Pelas mãos do chef do Porto, chega-nos esta variante inefável que talvez ultrapasse até, pelo menos em emoção, o fondant de chocolate, com a vantagem acrescida da ligação mais flexível ao vinho. Tanto vai bem com um porto tawny novo como com um colheita tardia, ou ainda um moscatel de Setúbal. Importámos ainda, de parte incerta, um prato salgado que resulta particularmente bem, que é o risoto de abóbora. A inspiração italiana é clara, mas poucos sabem o bem que acompanha umas costeletas de borrego grelhadas, ou um «simples» bife da vazia frito à portuguesa.

Acrescentando-lhe frutos secos também pode ficar com um toque de exotismo que o configura para pratos de caça. Bruxas benfazejas, estas que puxam a abóbora à nossa mesa!