Uma revista premonitória

Notícias Magazine

Na semana passada, dia de eleições regionais, a Notícias Magazine escolheu publicar uma série de reportagens que davam conta de movimentos que estão a mudar as nossas cidades, vilas e aldeias. No tema que fez capa na edição do passado domingo demos cinco desses exemplos: do simples programa de rádio comunitário que nasceu por acaso e agora se tornou um companheiro quotidiano da vida de muitos dos habitantes da distante Bragança, à associação que está a agitar o tradicional e envelhecido, mas centralíssimo, bairro da Mouraria. E, para quem não leu – ou esteve distraído entre votos e resultados –, também falámos do Bairro das Artes, uma associação que dinamiza a zona da Rua Miguel Bombarda, no Porto, e foi fundada por um muito empreendedor homem do teatro, de uma empresa de eventos que resolveu pôr Águeda no mapa com chapéus-de-chuva a cobrir ruas e de um grupo de jovens que promove a autossustentabilidade em Portalegre.

Uma caraterística unia todos os projetos: eram apolíticos, extrapolíticos, pós-políticos que estão a mudar as cidades em que nasceram. Este foi o rumo editorial que quisemos dar à história desde o início – porque se há coisa que gostamos de fazer, aqui, na Notícias Magazine, é deixarmo-nos envolver pelo ar do tempo. Fazemo-lo, como todos os jornalistas, em múltiplas reportagens, nos bairros onde vivemos, nas conversas que vamos ouvindo, nessa ágora contemporânea que são as redes sociais. E sim, tínhamos ideia de que de há uns tempos para cá estavam muito mais ativos os movimentos de cidadania, como se convencionou chamar a estes grupos de cidadãos que resolvem sair do sofá e atuar.

A verdade é que quando a Sónia Morais Santos, a jornalista que escreveu este tema, foi para o terreno investigar, encontrou pelo menos o triplo das histórias que acabou por contar. E nós aqui na revista fomos testemunhas do enorme trabalho de seleção que ela teve de fazer para selecionar estas histórias, as que ela considerou serem emblemáticas por um motivo ou outro – critérios sempre jornalísticos, claro, equilíbrio geográfico, temática, tipo de projeto.

No domingo à noite, à luz dos resultados eleitorais, o nosso título de capa «Mudança nas cidades», pareceu premonitório – se se pudesse ser premonitório a posteriori sem parecer o anacrónico João Pinto… A mudança de que falávamos na capa foi a maior mudança que ocorreu neste ato eleitoral. Não a mudança partidária, a derrocada do PSD ou a vitória dos comunistas – os únicos que subiram em todas as tabelas.

A mudança fundamental foi política – o que os resultados eleitorais mostram é um povo a pensar pela sua cabeça, a escolher quem muito bem lhe apetece e pelas razões mais pragmáticas, a da sua vida no dia a dia. O poder local é um laboratório privilegiado de tudo isto, pela proximidade entre eleitores e eleitos – como dizia, também, o investigador Filipe Teles, na entrevista que lhe fizemos. E isso foi determinante nestas eleições.

Podem os partidos e os comentadores estar preocupados com as leituras nacionais dos resultados – estarão sempre a tresler a coisa. Da surpresa de Oeiras, pelos maus motivos, à do Porto, pelas boas (e esperançosas) razões, do virar as costas ao partido, em Matosinhos, à confiança em quem se conhece, em Évora, o povo falou e disse. Por vezes isso teve como efeito a eleição de presidentes de câmara independentes (13, mais sete do que em 2009). Mas isso é apenas mais um sinal da tendência generalizada de to­mar o futuro nas suas próprias mãos. E essa era a tendência de que dávamos conta na Notícias Magazine da semana passada. Temos orgulho nisso.

[06-10-2013]