Será possível um mundo sem doença?

Philip Channing

A doença não é uma coisa que o corpo «tem» ou «apanha», mas sim uma coisa que o corpo «faz». Ter consciência disto, e conhecer o seu corpo de forma a impedir que o faça é o primeiro passo para acabar com a doença. Em poucas palavras, é isto que o médico norte-americano David B. Agus defende no best-seller que já chegou a Portugal: O Fim da Doença . E explica porquê.

Começo pela questão com que abre o seu livro: o que é a saúde?
Parece uma questão simples para a qual devia existir uma resposta simples. Será um número, como o peso ou o nível de colesterol? Ou será um estilo de vida – ser ativo e fazer uma alimentação «saudável»? Infelizmente, não há um marcador para a saúde. Escrevi este livro para apresentar uma nova forma de olhar o corpo – como um sistema – e o que isso significa em termos de saúde para cada um.

Afirma que talvez nunca possamos compreender a nossa saúde (ou a falta dela). Como podemos então prevenir a doença?
Sistemas complexos emergentes como os nossos corpos são praticamente impossíveis de compreender, mas podemos controlá-los. Temos hoje o conhecimento necessário para controlar a nossa saúde. A chave é fazê-lo, ativamente.

Algumas passagens do seu livro parecem quase uma viagem ao futuro, em que a medicina é personalizada e feita à medida de cada paciente. É aplicável? Como, quando em tempo de crise, os sistemas de saúde têm cada vez menos recursos e custam mais ao utente?
A verdade é que a medicina personalizada é muitíssimo mais barata do que a massificada. Com uma medicina verdadeiramente personalizada podemos prevenir a doença, ajustar a dosagem apropriada ao indivíduo e usar o fármaco certo na altura certa. O custo da personalização pode ser alto hoje, mas à medida que diminuirmos os custos da computação, não será difícil baixar os preços da tecnologia da saúde.

O que é que a tecnologia pode fazer pela nossa saúde?
Sou um firme crente no poder da tecnologia para a saúde. Isto inclui coisas tão simples como poder medir a sua tensão arterial em casa ou tão complexas como mandar analisar certos genes para avaliar determinados riscos de doença e conhecer melhor o futuro da nossa saúde. Existem hoje cerca de três dezenas de doenças em relação às quais podemos traçar perfis de risco genéticos, desde o aneurisma à esclerose múltipla ou ao cancro de estômago. Criou-se uma pequena mão cheia de companhias para conduzir testes genéticos e à medida que outras doenças forem sendo acrescentadas à lista, estes terão cada vez mais utilidade. O teste não só lhe revelará o que o ADN diz sobre os seus riscos, como poderá também dar pistas sobre como o seu corpo metaboliza os medicamentos ou substâncias como a cafeína e o álcool.

Em que medida é sustentável acabar com a doença e aumentar a esperança de vida, num mundo sobrepovoado e com recursos escassos e finitos?
Penso que reduzir o fardo da doença é a chave para a sustentabilidade. Gastamos uma parte gigantesca dos orçamentos para a saúde nos últimos anos de vida, especialmente em indivíduos jovens. Se evitarmos a doença, permitimos que as pessoas morram com dignidade pelos 90 ou 100 anos e sem os esforços heróicos que raramente beneficiam o indivíduo e que constituem um custo enorme para a sociedade. No que respeita à sustentabilidade, também temos de nos focar no uso da tecnologia, tanto na alimentação como na saúde.

O Fim da Doença tem sido um best-seller no seu país, os EUA, mas também gerou muita controvérsia, nomeadamente ao desaconselhar o uso de vitaminas e suplementos, defendendo que não acrescentam nada e podem até ser prejudiciais à saúde.
Fiquei surpreendido com o facto de tanta gente ter reagido mal quando apresentei os muitos estudos que demonstram não existir qualquer benefício na toma de vitaminas e suplementos, alguns dos quais indicando claramente que podem mesmo ter efeitos negativos. Não sou contra as vitaminas e suplementos, mas sou contra a medicação (sim, as vitaminas são medicamentos) sem indicação benéfica.

Qual a importância das estatinas, outra ideia controversa do seu livro?
As doenças cardíacas continuam a ser o assassino número 1 dos americanos, seguidas de perto pelo cancro e depois pelo AVC. As taxas de mortalidade por doença cardiovascular desceram sessenta a setenta por cento desde 1950 graças aos avanços na tecnologia (incluindo o uso de estatinas) e a uma melhor educação para a saúde. Mas, se não tomarmos medidas preventivas, a maioria de nós irá continuar a morrer de doença cardíaca, AVC ou cancro, na meia-idade ou mais cedo. Durante muito tempo pensou-se que as estatinas se destinavam apenas ao colesterol e que, ao reduzi-lo, acabavam por baixar o risco de ataque cardíaco. Mas parece que afinal têm um profundo efeito em todo o organismo, uma vez que diminuem a inflamação, processo biológico que pode ser desencadeado e provocar todo o tipo de disfunções e doenças.

Afirma que uma aspirina por dia é um dos segredos do fim da doença? Porquê?
Uma série de importantes estudos confirmam que o uso da aspirina não só reduz substancialmente o risco de doença cardiovascular, como pode afastar um conjunto de doenças através do seu poder anti-inflamatório. Uma dose baixa diária de aspirina (75 mg) mostrou mesmo reduzir o risco de desenvolver vulgares tumores malignos nos pulmões, cólon e próstata, em cerca de 46 por cento. Portanto, se está a chegar à gloriosa meia-idade, esta será uma questão que poderá querer discutir com o seu médico. É a mais barata fonte da juventude disponível e não necessita de prescrição médica.

Porque é que a inflamação e as suas causas são um dos principais inimigos nesta guerra pela saúde?
Quando um corpo tem o que se chama um alto nível de inflamação, significa que está a encontrar estímulos prejudiciais, que podem ser diversas coisas: desde germes a células danificadas e irritáveis. Para se proteger, o corpo desencadeia a inflamação, uma resposta elaborada que envolve o sistema vascular, imunitário e várias células do tecido afetado. O objetivo é sarar, mas quando a inflamação se torna crónica devido a doença ou stress prolongado, pode ser destrutiva. Os cientistas estão a descobrir ligações entre certos tipos de inflamação e as mais terríveis doenças degenerativas, incluindo a doença de Alzheimer, o cancro, as doenças autoimunes, a diabetes e um processo de envelhecimento acelerado em geral. Virtualmente, todas as doenças crónicas têm sido relacionadas com a inflamação crónica, que, simplificando, cria um desequilíbrio no nosso corpo que estimula efeitos negativos na nossa saúde.

Porque é que as proteínas são tão importantes, ainda mais do que o nosso perfil genético, para compreender e manter a saúde?
Há uma tendência para pensar nas proteínas em termos de dieta e nutrição. São, de facto, um dos três principais componentes da comida (com as gorduras e os carbo-hidratos), conhecidos como os macronutrientes determinantes para a nossa saúde. Mas há muito mais na definição de proteínas: são parte essencial do nosso corpo e participam em quase todos os processos celulares, incluindo na forma como as células «falam» umas com as outras e orquestram os eventos biológicos que alimentam ciclos de saúde e de doença. O estudo das proteínas é neste momento um campo em crescimento acelerado chamado proteómica e no centro deste excitante ramo de pesquisa está a exploração de como as proteínas criam a linguagem do nosso corpo – e a linguagem da saúde. A proteómica vai ajudar-nos a escutar e decifrar toda a conversa celular, o que abrirá melhores caminhos para o tratamento do cancro e de outras doenças e distúrbios. O nosso ADN é estático, mas as nossas proteínas são dinâmicas. Examiná-las e ouvir o diálogo interno do nosso corpo tem o potencial de mudar a medicina completamente.

E qual o papel do perfil genético e do conhecimento acerca dos fatores de risco genéticos?
Sou um grande partidário daquilo a que se chama a medicina personalizada, que tem que ver com adaptar os cuidados médicos às necessidades específicas de cada um, baseados na nossa fisiologia, genética, sistema de valores e circunstâncias pessoais. A medicina está finalmente num patamar em que dispõe da tecnologia necessária para adaptar os protocolos de tratamento e prevenção ao indivíduo exatamente como um alfaite corta um fato à medida do cliente. Mas tudo começa consigo. Não poderá desfrutar dos benefícios da medicina personalizada enquanto não conhecer bem o seu corpo. A forma de o fazer é examinando o seu ADN. Basta cuspir para dentro de um tubo e mandar para análise.

Porque é que é tão importante ter horas certas para comer, dormir e acordar, 365 dias por ano?
Os nossos corpos foram concebidos para a regularidade, que é como atingimos o nosso melhor desempenho (tanto físico como cognitivo). Quando o nosso corpo não sabe o que esperar, as hormonas do stress sobem e não pensamos nem nos exercitamos tão bem. Uma das melhores formas de reduzir o stress e de o manter no nível ideal (homeostase), é mantendo uma rotina regular e consistente numa base diária, 365 dias por ano.

Como podemos ser o nosso próprio médico?
Cada um de nós é responsável pela sua saúde. O que a maioria das pessoas não percebe é que há muito poucas questões em medicina cujas respostas sejam preto ou branco. Na maioria dos casos, a resposta é uma sombra de cinzento [ shade of grey , no original, um trocadilho com o livro sensação de 2012]. O que quero dizer é que a única resposta correta é individual, baseada no sistema de valores de cada um e da sua família. O papel do médico é educá-lo e orientá-lo a tomar a melhor decisão.

 

QUEM É DAVID B. AGUS?
É um premiado oncologista, professor catedrático e investigador de biomedicina, reconhecido internacionalmente pelo trabalho que desenvolve na luta contra o cancro. Diretor do centro Norris Westside de Oncologia e do centro de Medicina Molecular Aplicada, é ainda fundador de duas companhias de medicina personalizada: a Navigenics e a Applied Proteomics.